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Por Rosa Moraes (@rosamoraes5)

“Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola
Cantando, pachola, à percura de amô
Não tenho sabença, pois nunca estudei
Apenas eu sei o meu nome assiná
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre
E o fio do pobre não pode estudá”

Este trecho é do poema Poeta da Roça, do cearense Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré (1909-2002), um dos repentistas sertanejos mais brilhantes de nossa história. Se você sentiu arrepios quando leu, é porque sabe bem do que fala o autor - e percebe com que genialidade fala. Tenho pra mim que os versos de Patativa são uma tradução fiel do sertão nordestino: a aparente simplicidade que revela uma riqueza monumental, densa e cortante, que só acessa quem sabe o valor real das coisas na vida.

Corta para 2023. Nossa viagem de hoje tem por guia outro nordestino chamado Antônio, só que nascido em Maceió, capital de Alagoas. Trata-se do chef Antônio Mendes (@antoniomendes01), do restaurante de cozinha autoral Nalva (@nalvacozinhaautoral), fincado na encantadora cidadezinha histórica de Piranhas, no sertão alagoano. A trajetória deste Antônio, no entanto, diverge um tanto da de seu homônimo cearense. Formado em gastronomia e especializado em cozinha internacional, Antônio foi o primeiro professor e coordenador do curso superior de gastronomia em Alagoas.

Ingressar na carreira gastronômica não foi simples: vindo de uma família de advogados e policiais, Antônio conta que houve bastante resistência quando decidiu largar o curso de Direito para se tornar cozinheiro. Ninguém via muito futuro na profissão. Mas o moço teimou, determinado, como bom nordestino que é. Estudou, estagiou, trabalhou em hotéis e casas de diferentes municípios e do mundo e acabou se enveredando na vida acadêmica antes de abrir o primeiro restaurante, especializado em saladas, em sua cidade natal.

Chef Antônio Mendes — Foto: Rui Nagae / Divulgação
Chef Antônio Mendes — Foto: Rui Nagae / Divulgação

Foi um aluno que o chamou certo dia para participar do Festival Gastrotinga, que ele ajudava a organizar. A edição ia acontecer em Piranhas, carinhosamente conhecida como Lapinha do Sertão. Quando chegou lá, Antônio se deparou com uma diversidade de produtos e ingredientes com os quais tivera pouco contato até então, apesar de ser alagoano: umbu, diversos tipos de cactos, palmas e o próprio bode, que é muito tradicional no nordeste, mas pouco explorado na cozinha das capitais.

E tinha mais. Pequenina e com uma arquitetura encantadora, a cidade respira e inspira arte por todo canto. É a terra da Ilha do Ferro, na beira do rio São Francisco, que é essa entidade que rasga de peito aberto o sertão nordestino. A comunidade ribeirinha tem cerca de 450 pessoas, das quais mais ou menos 300 estão envolvidas com arte, cultura, gastronomia e pesca artesanal. Nas fachadas coloridas em estilo colonial, é comum ver gente tecendo redes de pesca, bordando na frente de casa ou trabalhando com madeiras mortas e restos de barcos.

Obras do artesão Sr. Vavan, na Ilha do Ferro — Foto: Arquivo pessoal
Obras do artesão Sr. Vavan, na Ilha do Ferro — Foto: Arquivo pessoal

A região é também lar das bordadeiras mais famosas do Brasil. Pertinho, a cidade de Entremontes se enfeita inteira de mulheres sentadas nas calçadas, envoltas pela paisagem que acompanha o Velho Chico, com suas agulhas que trabalham em ponto cruz e rendendê os caminhos de mesa, lenços, toalhas, jogos americanos, guardanapos, cortinas e vestidos. Passado de mães para filhas, o ofício é quase um baile - e a principal fonte de sustento das famílias que lá vivem.

Tinha ainda os Cânions do Xingó, que se formaram neste que é um dos inúmeros braços do São Francisco, com suas grutas e paredões e piscinas naturais. É o quinto maior cânion navegável do mundo - e por certo o que oferece o pôr-do-sol mais bonito, que faz a gente compreender por que tudo aquilo é tão mágico. Pois Antônio Mendes entendeu. Em 2021, ele e a esposa fizeram as malas e se mudaram para Piranhas, onde o chef bordou sua própria obra de arte: o Nalva Cozinha Autoral, que tem um cardápio todo trabalhado nos sabores do sertão.

Acarajé sertanejo — Foto: Rui Nagae / Divulgação
Acarajé sertanejo — Foto: Rui Nagae / Divulgação

Antônio gosta de dizer que o restaurante viaja o mundo todo, mas sempre para no nordeste; busca influências internacionais, mas com os ingredientes e produtos locais. Daí brotam genialidades como o hot bode, sanduíche conceitual montado com pão de macaxeira, linguiça e ragu de bode, maionese de cacto (xique-xique e mandacaru, tradicionais da Caatinga), finalizado com macaxeira palha. Tem também terrine de rabada bovina, em que o rabo é cozido bem lentamente e até desmanchar, prensado e servido com mil-folhas de macaxeira e demi-glace de rapadura.

Hot bode — Foto: Rui Nagae / Divulgação
Hot bode — Foto: Rui Nagae / Divulgação

Pertinho de Piranhas fica o sítio agroecológico Caraibeira, que fornece a maioria dos ingredientes utilizados no Nalva. Antônio também tem uma relação muito próxima com os pescadores - e se tornou um deles, saindo para fazer pesca submarina duas vezes por semana com o Ivan, barman do restaurante. Aí fazem mil testes com os peixes: conservas, defumação. Já o fornecedor de bode produz exclusivamente para a casa. Foi todo um estudo de processos entre o criador e o chef para entender as melhores formas de manejo e abate e garantir que a carne fique suave, e não com o cheiro forte que acaba criando resistência nas pessoas. Tudo entremeado por um forte laço de amizade: são as trocas humanas que ditam a toada da vida nessas pequenas comunidades do sertão.

Nalva foi a avó materna de Antônio - referência de cozinha do chef, mas também de vida, batalha e resiliência. No cardápio, ela nos saúda em releituras de memória, como no acarajé sertanejo. “Quando ia para a casa da minha avó depois da escola, ela tinha o hábito de pegar o feijão verde e misturar com farinha, bem amassadinho, colocar uma carne de sol no meio e dar pra gente de lanche”, ele lembra. “O acarajé sertanejo mantém essa essência, mas ganha farinha de mandioca na massa, é frito e servido com carne de sol na manteiga de garrafa e vinagrete picado bem fininho”, descreve.

E como no sertão nordestino devolve-se à terra na mesma proporção em que a terra oferece, o chef buscou a prefeitura para colocar uma ideia em prática: o Festival Gastronômico de Piranhas, que teve sua segunda edição em agosto, transformando o centro histórico da cidade em uma vitrine da comida regional alagoana, com aulas-show, apresentações culturais e exposição de artesanato local. Treze restaurantes marcaram presença no fim de semana da festança, que recebeu 3 mil visitantes por dia, embalados pelo som de bandas de pífano, xaxado e outras atrações musicais com artistas da região.⠀

Em tempo, deixo aqui a dica para quem quiser fazer esse mergulho nas nossas raízes sertanejas: procurem a Além dos Cânions (@alemdoscanions), uma produtora de experiências especializada no Baixo São Francisco, que desenha roteiros com o que há de mais fantástico na região. Jéssica e Maria, idealizadoras da empreitada, cuidam da viagem com um carinho imenso e 80% dos valores arrecadados com o trabalho são doados para as comunidades e fornecedores locais. É um dar as mãos que define: no final do dia, a riqueza de verdade está no compartilhar.

A coluna de hoje não ganha um final, mas sim um pôr-do-sol feliz: a seguir um trecho de Ser Nordestino, do poeta e cordelista cearense Bráulio Bessa, que hoje acumula mais de 5 milhões de seguidores no Instagram e é um dos maiores ativistas da cultura nordestina no mundo.

Sou o gibão do vaqueiro, sou cuscuz, sou rapadura
Sou vida difícil e dura
Sou nordeste brasileiro
Sou cantador violeiro, sou alegria ao chover
Sou doutor sem saber ler, sou rico sem ser granfino
Quanto mais sou nordestino, mais tenho orgulho de ser

Com toda a razão, Bráulio. E com toda a razão, Antônio.

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.

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