“Já entendi que, na vida, nada do que você faça enquanto arte corresponde àquilo que te mobiliza enquanto artista. É sempre frustrante, mas é o que é possível”, pondera Sergio Lucena enquanto me apresenta os interiores de seu ateliê cravado na Serra do Itapetinga, região de Atibaia, em São Paulo, onde vive e trabalha. No caso de Lucena, o “possível” ganha ares de mágica e surrealidade por meio de suas pinturas, que retratam de seres míticos fantásticos a hipnotizantes paisagens etéreas e vibrantes geometrismos, e que agora tomam o Museu Afro Brasil Emanoel Araujo (@museuafrobrasilemanoelaraujo). “Permaneço nesse lugar de acreditar que há uma magia capaz de me guiar. Gosto de ver o que a pintura me diz”, completa. Em cartaz até meados de fevereiro de 2024 apresentando 72 pinturas que traçam um panorama de seus 40 anos de produção, a mostra, intitulada Na Raiz do Tempo, a Matriz da Cor, mistura as diversas inspirações e referências que povoam o trabalho do artista paraibano: a festa profana e sacra, a religiosidade de matriz africana, o sincretismo, a arquitetura popular nordestina e a natureza do sertão. “São elementos que vão se fundindo para criar um lugar de participação afetiva e espiritual”, conta o artista.
Nascido em João Pessoa em 1963, e criado na fazenda do avô no sertão da Paraíba, foi na infância que Sergio construiu seu alicerce artístico, ainda que sequer sonhasse que seria formalmente artista um dia – antes de enveredar pela arte, Sergio chegou a estudar psicologia (jungiana) e física (quântica), ambas na Universidade Federal da Paraíba. “No sertão paraibano, descobri o sentimento de totalidade que venho buscando elaborar desde então como pintor”, relembra Lucena, representado pela galeria Simões de Assis.
Depois de estudar desenho e pintura com o artista Flávio Tavares nos anos 80, Sergio partiu para uma temporada na Chapada dos Guimarães e, de volta à sua cidade natal em 1988, se familiarizou com o Movimento Armorial de Ariano Suassuna, que valorizava as expressões populares e seus mitos fundadores. O impacto foi direto na sua obra, que começou a ganhar fantásticos seres fictícios, numa clara alusão ao imaginário nordestino. Em 2003, após se mudar para São Paulo, esses seres dão lugar a criaturas híbridas que o artista batizou de “deuses”. Depois de receber um convite para fazer um workshop na Dinamarca, e se encantar com a luz natural do país nórdico – “tomei um susto com a luz e seu efeito luminoso na silenciosa paisagem escandinava”, recorda –, começou a se dedicar a telas que referenciam diretamente as paisagens do sertão, resgatadas de suas memórias de infância, que foram perdendo os elementos figurativos e desembocaram, nos anos 2010, em sua série Campos de Luz. “São paisagens cuja sugestão de horizonte é só uma linha. E essa simplificação é o que deságua na abstração.”
Mais recentemente, Lucena, influenciado pelas recordações do casario e da arquitetura do sertão paraibano, começou a produzir telas que flertam com o abstracionismo geométrico, de cores vibrantes e diferentes proporções – não deixe de reparar nelas em sua visita à mostra. “É, novamente, um processo de revisão de todo um percurso, em que uma atmosfera paisagística abraça geometrias presentes na arquitetura, nos brinquedos e no folclore nordestino”, explica. “Minha pintura é um caminho sem fim.”
Styling: Gustavo José.
Assistente de Foto: Daniel Argier.
Produção executiva: Déia Lansky.
Produção de moda: Jaqueline Cimadon.
Tratamento de imagens: Ana Pigosso.