Por que os varejistas de moda estão se unindo em parcerias físicas e digitais

Grandes marcas já têm se unido em coleções e lojas conjuntas. Agora, é a vez de grandes varejistas, como Selfridges e Nordstrom, a também colaborarem com seus concorrentes. Entenda como isso já está funcionando mundo afora

Por Por Kati Chitrakorn Para O Vogue Business


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— Foto: Tim Charles para Selfridges

Selfridges e Machine-A. Selfridges e Smets. Nordstrom e 11 Honoré. Por que os varejistas, normalmente concorrentes, estão se unindo?

É um mercado desafiador para os varejistas multimarcas, principalmente os que possuem lojas físicas, que estão lutando contra os nativos de e-commerce e lidando com altos custos de compras, estoque e demanda imprevisíveis, e metas de lucro difíceis de atingir. Para manter a relevância, as lojas estão procurando umas às outras para combinar expertises de merchandising e compartilhar clientes. É uma abordagem relativamente nova, que pode se tornar mais popular à medida que os varejistas descobrem novas maneiras de atrair clientes.

A inglesa Selfridges fez duas colaborações recentes: uma com a boutique cult de Londres Machine-A e outra com a Smets, multimarcas com sede em Bruxelas. Uma curadoria de produtos foi apresentada na loja física da Selfridges, em Londres, a fim de levar novas marcas e estilos e, assim, atrair uma nova multidão de clientes fiéis. Nos EUA, a Nordstrom fechou parcerias com a 11 Honoré, plataforma de e-commerce de luxo, que agora vende sua marca própria por meio das lojas e do site da Nordstrom. Uma outra parceria com a Asos, proprietária da Topshop, colocou as marcas da empresa britânica no radar dos clientes americanos. Mas foi a Barneys que primeiro desenhou esse tipo de estratégia: em 2018, a icônica varejista de Nova York assinou um acordo de atacado para vender sua coleção própria internacionalmente através da boutique sul-coreana Boon The Shop – um arranjo que só chegou ao fim quando a loja de departamentos fechou, em 2020.

A selfridges se uniu ao Machine-A e Smets em uma parceria de varejo — Foto: Tim Charles para Selfridges

“As parcerias de varejo cruzado oferecem uma maior sensação de conectividade, tanto na comunidade de moda quanto com nossos clientes”, diz Sebastian Manes, diretor de compras e merchandising da Selfridges.

As parcerias de varejo já se mostram populares na beleza. Nos EUA, a Sephora, por exemplo, lançou até 600 minilojas dentro da Kohl's. Seu maior concorrente, a Ulta, está presente em centenas de lojas Target e, recentemente, se firmou em pontos de venda físicos e online da Allure. A especialista em beleza britânica Space NK tem um conceito shop-in-shop em 250 lojas do Walmart.

Segundo Averyl Oates, consultor independente e executivo de varejo que trabalhou para Harvey Nichols, 10 Corso Como e Galeries Lafayette, a moda continua hesitante porque tem medo que sua marca se dilua e tem ainda uma certa proteção sobre seu banco de dados de clientes. Mas a indústria está evoluindo. Grandes marcas como Gucci e Balenciaga, ambas de propriedade do grupo Kering, se engajaram em “uma contaminação mútua” que apresentou os códigos de ambas as casas nas coleções outono/inverno 2021. Esse senso de altruísmo também está se estendendo ao varejo. Em abril, a Uniqlo e a Theory abriram sua primeira loja conjunta na Regent Street, em Londres. Em setembro, as marcas de jeans Lee e Wrangler anunciaram planos de abertura de duas lojas em todo o mundo, começando por Berlim. “O santo graal do marketing é atingir diferentes públicos, e é isso que esses varejistas estão tentando fazer”, diz Oates.

Encontrando o parceiro certo

Manes, da Selfridges, queria trabalhar com Stavros Karelis, fundador e diretor de compras da Machine-A, e também com Pascaline Smets, diretora de compras e criação do negócio de varejo de sua família, quem Manes encontra com frequência durante as semanas de moda e sente que compartilham “um espírito de criatividade e independência". O objetivo da parceria foi “compartilhar seu ponto de vista único sobre produto e varejo, com uma seleção e formato complementares à Selfridges”, explica. Ao fazer isso, ele permite que uma grande empresa como a Selfridges penetre em uma comunidade mais íntima de consumidores.

A colaboração da Selfridges com a Machine-A incluiu 22 marcas - 16 delas estreavam na loja de departamentos britânica. Também foi apresentada uma edição vintage com o conceito da Machine-B (uma parceria contínua entre a Machine-A e a vintage shop Byronesque), alinhando as ambiciosas metas de sustentabilidade que a Selfridges está buscando para 2024. Smets apresentou três designers belgas emergentes para a Selfridges - Valentine Witmeur Lab, Leo e Arte Antwerp —, oferecendo uma seleção de arte, design e livros, bem como uma edição de arquivo de Alaïa. A Selfridges recebeu uma comissão de 20%, de acordo com Smets.

A colaboração permite que ambas as partes alcancem novos clientes com o endosso de uma marca que eles já conhecem, gostam e confiam. Ela também abre os varejistas para novas ideias e processos que podem ser testados antes de integrá-los totalmente em seus negócios. Para uma loja como a Smets, os times de marketing e eventos, co-organizados com uma grande empresa como a Selfridges, ofereceram “uma nova maneira de experimentar com os clientes”, especialmente aqueles em novos locais, diz Smets. “É como uma maneira de viajar sem sair do lugar.” As vendas foram fortes, ela acrescenta. “O sell-through depende de cada designer, mas em média foi de cerca de 35%, o que é muito positivo para um mês [a duração da pop-up] em Londres durante esse período.”

A Machine-A colaborou anteriormente com a varejista multimarcas de luxo de Hong Kong Joyce, em 2014. Em 2020, fez parceria com a plataforma de Xangai Labelhood e criou um espaço pop-up na China. “Você aprende muito sobre diferentes culturas. É uma ótima experiência de marca que gera reconhecimento e amplia sua base de clientes”, diz Karelis, da Machine-A. Sua parceria com a Selfridges foi incomum, pois ambos os varejistas estão sediados na mesma cidade e têm comunidades sobrepostas, mas Karelis viu uma oportunidade “para se conectar com entidades afins e celebrar alguns dos melhores talentos do design” em setembro, um mês importante para a indústria da moda.

Para varejistas como 11 Honoré, as parcerias de varejo são impulsionadas pela conveniência e acessibilidade - prioridade para consumidores que compram em todos os canais. Com portfólio que inclui grifes como Michael Kors, Brandon Maxwell e Carolina Herrera, o site visava preencher uma lacuna na moda plus size, já que a maioria das marcas de luxo e contemporâneas não oferecem tamanhos maiores que 42. Herning viu a Nordstrom como um parceiro que poderia ajudar a estender a marca e os valores da 11 Honoré a uma base de clientes mais ampla, em novos locais, como o Canadá, sem o investimento de capital significativo que a construção de mais lojas ou a ocupação de mais metragem quadrada normalmente exigem.

“No passado, um dos nossos principais desafios era a aquisição de clientes”, explica Herning. “Queríamos construir de forma muito certeira e lucrativa.” A Nordstrom foi seu parceiro imediato de escolha, tendo sido “pioneira e campeã em inclusão de tamanho”, diz ele. Hoje, 11 Honoré está disponível em 10 lojas físicas da Nordstrom, bem como online, onde sua marca própria tem sido bem vendida.

Asos e Nordstorm realizaram uma parceria — Foto: Gonzalo Marroquin/Getty Images para Nordstrom

Navegando pelos riscos

Podemos esperar mais parcerias de varejo na moda? Pode ser. Smets está aberto a isso, mas diz que encontrar o parceiro certo não é fácil. “Acho que não é fácil encontrar pessoas que tenham tempo e recursos para se concentrar nesse tipo de projeto”, diz ela.

Embora o conjunto de varejistas seja vasto, a profundidade da diferença é pequena, com butiques menores de um lado e gigantes do comércio eletrônico do outro. As parcerias de maior sucesso são “sempre ligeiramente justapostas”, diz o consultor Oates. “Não se trata de repetir as bases de clientes porque, se eles canibalizam, é quase o oposto do que estão tentando fazer. É preciso escolher as colaborações com cuidado.”

Outros riscos incluem o gerenciamento de estoque. “Um dos maiores desafios é a estratégia de planejamento, que é muito importante porque você precisa fazer coincidir o produto com a comunicação. Você não pode ter um sem o outro – e isso não é tão fácil quando você não está lidando apenas com a integração vertical em sua loja”, diz Oates. Para a parceria com a Selfridges, “era impossível para nós apenas levar alguns produtos de nossa loja porque não somos um grande varejista”, diz Smets. É por isso que ela decidiu contratar designers emergentes para criar produtos de edição limitada.]

O sucesso do varejo, em última análise, se resume a parceiros que compartilham os mesmos valores, o que facilita a tomada de decisões e encontrar soluções para quaisquer problemas, dizem os varejistas entrevistados pelo Vogue Business. Manes, da Selfridges, dá importância à experimentação. “Se um projeto nos ajuda a pensar de forma diferente, inovar, engajar com novos públicos e apoiar pessoas que admiramos, então estamos nos reinventando – e tendo sucesso.” Karelis acrescenta que a intenção precisa ser clara: “Uma boa colaboração é inesperada, mas também serve a um propósito comercial, seja explorar um novo território ou conscientizar os principais players do mercado”.

Matéria originalmente publicada no Vogue Business.

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