Violência de Gênero
Por , redação Marie Claire — São Paulo


A psicóloga Jane Soares da Silva perdeu os dois filhos assassinados pelo marido — Foto: Arquivo pessoal
A psicóloga Jane Soares da Silva perdeu os dois filhos assassinados pelo marido — Foto: Arquivo pessoal

Era véspera de Carnaval naquele 4 de março de 2019. A psicóloga Jane Soares da Silva estava em casa, em São Paulo, esperando o ex-marido, Mário Eduardo Paulino, chegar para buscar os filhos Lucas, de 9 anos, e Mariah, de 6, com quem passariam o feriado. O menino desenhava na sala, entretido. A caçula, por sua vez, corria de um lado ao outro, perguntando que horas chegaria o pai. A cena, descrita por Jane, logo antes de entregá-los a Paulino, foi a última vez que a psicóloga viu os filhos.

Três dias depois, Lucas e Mariah foram assassinados a tiros pelo pai, que também se matou. Ele deixou uma carta de despedida na qual confessa que premeditava o crime desde a primeira separação do casal, em 2014. “Não consegui me reerguer desde então, não sei se isso ainda vai acontecer nesse processo de luto”, diz Silva, cinco anos depois da tragédia. “Quando durmo, sonho com meus filhos. Ao acordar, a primeira coisa que penso é que Lucas e Mariah morreram assassinados.”

O crime de filicídio paterno no contexto da violência doméstica - quando o pai mata o próprio filho para atingir a mãe -, é um termo ainda pouco conhecido no Brasil, onde tampouco há dados oficiais que dimensionem o tamanho do problema no país. Há um movimento mundial, no entanto, voltado a lidar com a questão. Países como Estados Unidos, Espanha, México e Inglaterra começam a avançar em legislações para combater a chamada violência vicária - uma forma de violência doméstica e intrafamiliar que ocorre por meio de terceiros, especialmente os filhos.

Segundo Vanessa Hacon, pesquisadora no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, o filicídio paterno pode ser entendido nessa perspectiva da violência de gênero contra a mulher, mais precisamente da violência vicária, que atinge igualmente crianças e adolescentes. “A mulher consegue sair de um relacionamento abusivo, mas o homem não perdoa. O que sobra desse vínculo são os filhos em comum. Eles sabem que podem levar o carro ou o apartamento, mas quando os filhos são o alvo conseguem de fato atingir as mulheres. Isso tira qualquer mãe do eixo. Podem matar as mulheres, como de fato matam, ou fazer ainda mais para atingi-las: matar os filhos e deixá-las vivas para viverem com uma desgraça dessas”.

Outro ponto fundamental para entender o filicídio paterno é a violência institucional sofrida por mulheres nas varas de família. “Até a barbárie acontecer, via de regra, essa mulher já denunciou o homem muitas vezes”, afirma Hacon. Foi o que aconteceu com Jane Soares da Silva, que registrou dois boletins de ocorrência e relatou em diversas audiências as violências sofridas pelo ex-marido. Mesmo assim, ele teve direito a visitas regulares e sem supervisão.

A advogada de Soares da Silva, Patrícia Alonso, está à frente de outros dois casos de filicídio paterno e diz que os inquéritos policiais acabaram todos da mesma forma. “Foram arquivados prematuramente, sem investigação profunda, sem apontar outros cúmplices, como a conivência da família do assassino. Nos três casos, as mães avisaram a Justiça e os órgãos responsáveis que eram ameaçadas de morte. Todas foram desacreditadas como mulheres vingativas, com problemas conjugais, ou seja, desconsideraram a denúncia. Em nenhum dos inquéritos apontam o crime de prevaricação dos agentes público”, afirma.

“Filicídio é um tabu, um crime horroroso, que ninguém gosta nem de pensar”, diz Hacon. “Mas temos que formular o conceito, compreender a dinâmica da violência e propor políticas públicas e leis para tratar a questão. Não é possível deixar o problema sem resposta”.

Abaixo, Jane Soares da Silva dá o seu depoimento em detalhes:

“O casamento com o genitor durou onze anos e foi marcado por ameaças e violência psicológica, especialmente depois que engravidei pela segunda vez. Foi quando tudo realmente mudou. Ele não queria outro filho e me culpava por isso. A primeira coisa que fez foi me demitir do meu emprego na loja dele, onde trabalhávamos juntos. Disse que eu ficaria em casa com tarefas do lar. Sem dinheiro, perdi completamente minha autonomia. Tudo que eu comprava precisava passar pela autorização dele.

Depois de um tempo, abri uma loja minha. Aí ele ficou enlouquecido. Queria ser meu sócio, e eu disse que não. Então ele começou a armar mil e uma situações para me denunciar ao Conselho Tutelar. Tive que comparecer diversas vezes para responder às denúncias falsas dele. Minha vida virou um inferno. Ele me acusava de não alimentar direito as crianças, de machucá-las.

Quis me separar inúmeras vezes, mas ele dizia que tiraria meus filhos de mim se fizesse isso, então ficava. Cheguei a fazer dois boletins de ocorrência por ameaça. Da primeira vez, ele disse que ia me matar, picar em mil pedaços e enfiar numa mala. Chegou a falar isso para o meu pai. Depois, quando saí de casa pela primeira vez, falou que mataria minha família inteira se eu não voltasse. E acabei voltando por medo.

Um dia juntei algumas roupas minhas e das crianças e, sem ele perceber, fui para a casa dos meus pais. Fingi que tinha ido para passar as férias de janeiro, mas nunca mais voltei. E daquele dia em diante, passou a me infernizar, ficava nas esquinas da minha casa de noite, me observando. Chamava a polícia me acusando de não permitir que ele visse os filhos, o que era uma completa mentira.

Depois que entrei com o pedido de divórcio, ele me processou por alienação parental - quando um genitor age para afastar o outro do convívio com os filhos. Os dois processos correram juntos na Justiça. Fizemos diversas audiências, acompanhamento no CRAS [Centro de Referência da Assistência Social], e no fim ele conseguiu direito a buscar as crianças na escola todos os dias e finais de semana a cada duas semanas. Eu e meus filhos falamos diversas vezes que o comportamento dele era violento, errático, mas ainda assim não me escutaram. Diziam que meus filhos repetiam as minhas mentiras, que eu estava louca e ressentida.

Naquele Carnaval em que meus filhos foram ficar com o genitor, mantive contato diário, como sempre fiz, pelo celular do Lucas, meu filho. Mas na segunda-feira as mensagens pararam de chegar. Fiquei preocupada e acionei a irmã do meu ex-marido, que também estranhou não conseguir contato. Nessa hora, eu sabia que algo ruim tinha acontecido.

Peguei um ônibus para a casa do Mario, quando recebi uma mensagem da irmã dele: “Lucas está morto”. Nessa hora passei mal, desmaiei. Fui socorrida e levada para o hospital por uma viatura da polícia. Enquanto era atendida, Mariah chegou no hospital. Estava viva ainda, mas não resistiu ao tiro que levou e também morreu.

O que eu soube depois é que o sobrinho do Mario conseguiu entrar na casa, que estava trancada, e encontrou os três mortos ali.

Eu sentia uma dor insuportável, parecia que meu corpo ia se partir em pedaços. O enfermeiro achou que eu poderia estar infartando, mas o médico falou que só precisava me medicar. Mas eu não queria ser medicada, tinha medo de apagar e não ver mais meus filhos. Não me recordo bem do que aconteceu depois, mas o velório foi na terça à noite, em Santo André, os dois juntos. Me contaram que a advogada do assassino ainda ligou oferecendo dinheiro para enterrar meus filhos, querendo fazer o velório dele junto.

O que o genitor fez foi uma vingança contra mim. Ele deixou uma carta dizendo que tinha planejado o crime desde 2014, quando eu saí de casa pela primeira vez. Ele queria me ferir da forma mais cruel, isso você pode ter certeza.

Minha vida desse dia em diante…como eu posso te dizer? Na verdade, buscamos uma forma de sobrevivência. Minha vida não se reduz à tragédia que me acometeu. Tenho uma história antes disso, uma história feliz com meus filhos. Meus filhos eram e continuam sendo tudo para mim. Se hoje tenho vontade de viver, é justamente por ter dito a eles que eu viveria e realizaria os sonhos que tivemos juntos. Eles eram pequenos, mas tinham sonhos. Muitos deles construídos juntos. Não é fácil. A dor daquele dia me acompanha desde então. Faço tratamento psicológico e psiquiátrico. É uma dor que nos comprime, emocional, para a qual não existe remédio.

Acabei ganhando voz ao longo do tempo, entendi de fato o que tinha acontecido comigo, como a Lei de Alienação Parental impactou a minha vida e o que ela significa em nosso país. Construí uma página de Instagram, na qual converso com mães que se veem dentro dessas armadilhas de homens. Muitas perdem os filhos por causa disso. Peço a revogação dessa lei, meus filhos foram vítimas fatais dela. Por causa dessa lei, o genitor pôde ter tanto contato com os filhos.

Não bastasse toda a violência que sofri, a família do Mario ficou com a pasta de desenhos do Lucas, que ele tanto amava. A pasta ficou na casa no dia do crime e a família se nega a me devolver, não sei por qual razão. Chegaram a dizer que a culpa do que tinha acontecido era minha. Que ele apertou o gatilho, mas a culpa era minha. Que se eu tivesse buscado meus filhos antes, nada disso teria acontecido. Tive que pedir muitas vezes essa pasta amigavelmente, mas disseram que eu teria que entrar com um processo para consegui-la de volta. Em 2022 entrei com uma ação judicial e em 19 de fevereiro a juíza deu um parecer para ambos apresentarem as últimas provas antes de ela tomar uma decisão.

A pasta de Lucas é como ter um pedaço dele de volta, parte do que era importante para ele. Ele amava desenhar.

Quero ajudar outras mães na mesma situação, para que não aconteça o que aconteceu com meus filhos. Existem muitas outras crianças correndo o mesmo risco. O problema é com nosso sistema judicial e de assistência social, não com as mulheres. O comportamento do Mario deveria ter sido olhado, investigado, a visita teria que ser assistida. Como um juiz de cartório presta uma prova e vira juiz na vara de família? O que ele entende de direito de criança, de escuta protegida?

No CRAS, também não tinham escuta especializada para ouvir o que meus filhos diziam.

Não existiu um dia em que consegui me recuperar disso tudo. Meu marido me perguntou se algum momento eu conseguia não pensar nisso. Não existe, a chave não é desligada. Durmo e sonho com eles. Quando acordo, a primeira coisa que penso é que Lucas e Mariah morreram assassinados. É um pensamento recorrente, não tem como guardar isso numa gaveta. Não sei se isso pode acontecer ainda no processo de luto. É difícil falar desse assunto, mas se isso fizer diferença para alguma criança, valerá a pena. ”

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