Violência de Gênero
Por , redação Marie Claire — São Paulo


Quando a jornalista Gabriela Ferreira, 25 anos, vai à academia, sabe que será importunada por olhares que ficam presos nela quando faz seus exercícios. Na maioria das vezes, eles são lançados por homens mais velhos. Ela já tentou de tudo para fazê-los parar – mesmo que a culpa não seja dela –, inclusive deixar de fazer agachamentos ou de usar a mesa flexora (em que a pessoa se deita de barriga para baixo e dobra as pernas para o alto).

“São olhares maldosos", diz a jornalista Gabriela Ferreira, 25, sobre a forma como os homens a observam na academia — Foto: Acervo pessoal
“São olhares maldosos", diz a jornalista Gabriela Ferreira, 25, sobre a forma como os homens a observam na academia — Foto: Acervo pessoal

Gabriela só treina em público com blusas muito largas, como se fossem vestidos, que não deixam a silhueta evidente. Mesmo assim, os olhares continuam acontecendo. "Não consigo nem ficar de top, mesmo estando calor. Calças legging também estão fora de cogitação. Evito shorts, porque ficam olhando demais para as minhas pernas", explica a Marie Claire.

O comportamento dos homens causa em Gabriela vergonha de treinar. “São olhares maldosos que consigo sentir mesmo quando a pessoa está treinando longe de mim. Fico constrangida.”

Olhares desconcertantes, toques sem permissão, cantadas ou ter o corpo filmado ou fotografado também são exemplos de importunação sexual que, provavelmente, já aconteceram ao menos uma vez com uma mulher que frequenta academias. Trata-se de uma violência escancarada, mas tão naturalizada que coage e desconcerta a vítima a tal ponto que as inibe de buscar ajuda.

Além de largar os exercícios, o medo também é de serem descredibilizadas ao tentarem fazer uma denúncia ou uma ansiedade constante. Afinal, como relaxar sabendo que, ao praticar exercícios físicos, cada movimento de seu corpo será acompanhado e sexualizado?

Apesar dos poucos dados e da pouca visibilidade acerca do tema, principalmente em contexto brasileiro, não é difícil de imaginar que a incidência seja extremamente alta. Um levantamento realizado em 2021 pelo RunRepeat, que realiza pesquisas sobre o meio esportivo, apontou que mais de 56% das mulheres já sofreram algum tipo de importunação sexual ou assédio em academias nos Estados Unidos.

Apesar de os constrangimentos aos quais as mulheres são submetidas em academias não serem novos, a naturalização desse tipo de conduta é constante e, muitas vezes, sequer são vistas como violentas. No entanto, o assunto ganhou mais visibilidade depois que mulheres passaram a usar o TikTok para expor esse tipo de comportamento para, com esperança, visibilizar esses episódios.

Elas começaram a gravar os momentos em que são importunadas e a postá-los com as hashtags #GymWeirdos ou #GymCreep (algo como Estranhos de Academia, em tradução livre). Os vídeos somam mais de 2 milhões de visualizações. Além de expor os autores dessa violência, elas querem mostrar como ela opera e a maneira como é cíclica e constante.

Em um vídeo, uma mulher mostra que, mesmo em uma academia vazia, um homem decidiu parar bem atrás dela enquanto ela fazia agachamentos. Ela relatou que percebia que ele a olhava enquanto agachava e, depois que ligou a câmera, disfarçou, levantando peso. Em outro vídeo, curtido mais de 330 mil vezes, um homem encara e ri de uma mulher que está se exercitando de olhos fechados.

Outro demonstra uma situação diferente: um homem interfere e oferece uma ajuda não solicitada. Ele observa outra mulher levantando peso de longe e decide ensiná-la como segurar a barra. Já outra usuária mostra que, mesmo dizendo que não queria ajuda, um homem segurou a barra que ela usava para levantar peso. Fez isso duas vezes e, na segunda, ela machucou o ombro.

Situações como essas já aconteceram inúmeras vezes com Renata*, que tem 25 anos, é recepcionista de academia e estuda educação física. Ela se recorda de uma vez em que fazia um agachamento com barra. Um homem, que provavelmente a observava, começou a “auxiliá-la” sem autorização.

“Ele já chegou colocando um ‘cinto’ específico para treino. Lembrando que eu estudo essa área, trabalho no meio e sei o que estou fazendo, mas por ser uma garota nova na academia, um homem pensou que poderia interferir. É repugnante”, diz.

Assim como Gabriela, chegou a abandonar por um período os agachamentos, mas também os movimentos em que precisa abrir as pernas. "Não importa se você está de top, shorts, camiseta larga ou calça. Vão te olhar e te sexualizar o tempo todo", relata.

Enquanto recepcionista, ela também se deparou com outras ocasiões em que homens tentam puxar assunto, incomodam ou encostam em seus corpos sem permissão. Ela se lembrou do caso de uma aluna que precisou trocar de horário porque um homem a importunou no treino e a seguiu até sua casa. Também se recorda do relato de uma amiga que, ao ser perguntada sobre suas tatuagens, conta que teve o braço alisado.

A antropóloga Beatriz Accioly aponta que as violências e os comportamentos inoportunos reservados às mulheres em academias com públicos mistos representam uma extensão do que já é vivido fora delas. Ou seja: por mais que seja um comportamento de repetição, o X da questão não está na maneira como as academias são dispostas ou o fato de serem espaços que exalam energia masculina (tóxica).

"O assédio e a violência contra mulheres ocorre nos mais variados espaços, e associar a academia e sua função social como um local mais violento do que as ruas, as escolas, o trabalho, o transporte público ou mesmo a família seria um equívoco", analisa

"O ponto da análise está nas relações entre homens e mulheres na sociedade. Socialmente, ainda se permite que o corpo da mulher seja tratado como algo público que pode ser comentado, tocado, avaliado ou interpelado a despeito da vontade dela”, acrescenta.

Entre mulheres

Luiza Lemos, 22, se sente mais confortável para treinar na academia do prédio onde mora, frequentado majoritariamente por mulheres — Foto: Acervo pessoal
Luiza Lemos, 22, se sente mais confortável para treinar na academia do prédio onde mora, frequentado majoritariamente por mulheres — Foto: Acervo pessoal

No ano passado, Luiza Lemos, que é jornalista e tem 22 anos, se mudou para um prédio com academia e decidiu começar a colocar o treino em dia. Mas o que a motivou mesmo a descer as escadas do primeiro andar, onde mora, para a sala de ginástica duas vezes por semana foi o fato de que, ali, treinam mais mulheres do que homens. Faço ginástica funcional, que tem alguns movimentos que podem ser constrangedores e que já me fizeram ser vista com outro olhar em academias mistas. Então, fiquei um pouco mais desinibida", diz.

A proximidade com as outras mulheres que praticam exercícios chegou a deixar o treino mais leve. “A gente fala de amenidades, fala dos exercícios, se ajuda… A gente respeita o tempo de cada uma. Sinto que os homens ficam incomodados quando a gente vai revezar ou pede licença para usar um equipamento", conta.

Além de condomínios afora, academias só para mulheres são uma realidade, mas tendem a se concentrar em grandes centros ou em bairros mais centralizados. “Aqui não tem. Eu precisaria pegar um ônibus ou um metrô para treinar. Aí não compensa”, diz Gabriela.

A empresária Dani Figueiredo se inspirou no modelo da franquia estadunidense Contours para criar a própria academia voltada para mulheres: a WGYM Morumbi, que fica em um dos bairros mais nobres da capital paulista. Ela era aluna da Contours, que operou no Brasil entre 2004 e 2021, e queria dar continuidade ao segmento.

"Assumimos esse modelo porque acreditamos que ele traz segurança, tanto no aspecto da liberdade para treinar sem ser importunada por olhares e outras atitudes masculinas indelicadas ou abusivas, como no aspecto emocional, de poder estar em um lugar sem rótulos ou padrões de beleza", explica.

Entre os feedbacks que mais recebe estão o cardápio de serviços personalizados, o espaço descontraído e, principalmente, a sensação de conforto e segurança. "Elas dizem que se sentem mais dispostas, que sentem vontade de vir treinar e que ficam confortáveis com as suas roupas. Se sentem acolhidas”, diz.

Como proteger mulheres de importunação sexual em academias

Desde 2018, a importunação sexual é criminalizada no Brasil pela lei nº 13.718/18, com pena de 1 a 5 anos de prisão. O crime é definido como um ato libidinoso com o objetivo de satisfazer o próprio prazer sem o consentimento de quem a sofre. Essa categorização explica que não é preciso envolver ameaça ou violência física para que uma conduta seja considerada violenta.

Além da legislação em si, Accioly explica que é necessário que esses estabelecimentos estejam prontos para receber denúncias de maneira contundente, com protocolos, treinamento de funcionários e políticas internas para amparar a vítima e, se necessário, acionar os serviços legais.

No entanto, estamos longe de chegar nessa etapa da discussão. Por mais violada que Gabriela se sinta, ela jamais pensou em levar os olhares que recebeu a um funcionários da academia, tampouco prestar queixa a um policial. O motivo? Ela sabia que não seria levada a sério. “Frequento uma academia do meu bairro. Todo mundo se conhece. Sei que é algo que seria tido como comum”, explica.

Renata também nunca pensou em pedir ajuda quando se sentiu importunada, mas afirma que, em todas as ocasiões, se impôs. Contudo, como recepcionista, ela mantém os olhos atentos para identificar alunas que possam estar sendo importunadas. "Nos casos em que aconteceu e eu vi, busquei ajudar, conversar e perguntar se queriam solicitar uma viatura. Infelizmente, elas sempre negam por medo.”

A necessidade da criação de amparo para mulheres vítimas de violências e importunação sexual nas academias chegou a se tornar lei no estado do Pará. Em junho de 2022, o governador Helder Barbalho (MDB) sancionou o PL 230/2020, de autoria da deputada estadual Marinor Brito (PSOL), que obriga estabelecimentos a prestar auxílio, chamar a polícia ou acompanhar a vítima a um meio de transporte. Também precisam ter cartazes que indiquem que elas podem procurar um funcionário caso se sintam violadas.

Marie Claire tentou contato com a deputada Marinor Brito para entender como tem se dado a aplicação da lei, mas não obteve retorno.

No entanto, a legislação tem os mesmos problemas que o novo protocolo que será adotado no estado de São Paulo para conter violências sexuais em espaços de lazer: além de vago, pode acabar protegendo o agressor pela falta de treinamento, de encaminhamento aos serviços legais e médicos aos quais tem direito, por não evidenciar a necessidade de cooperação do estabelecimento na investigação ou prever atendimento humanizado à vítima, por exemplo.

*O nome foi omitido para proteger a identidade da entrevistada

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