Política

Por Mariana Gonzalez, em Colaboração Para Marie Claire

“Em agradecimento a vocês, mulheres, vou dar um beijo na Janja”, anunciou Lula, no dia 1º de janeiro, no palco do Festival do Futuro, horas depois de tomar posse pela terceira vez como presidente da República, em Brasília. Depois de beijar a esposa, com direito às mãos dela apertando a cintura dele, disse, com humor, que “o presidente e a primeira-dama não podem se beijar muito em público”. E dirigiu-se ao vice, Geraldo Alckmin, incentivando que ele também beijasse a mulher, Lu Alckmin: “Ô Geraldo, quer dar um beijo na Lu, Geraldo?”.

Essa não foi a primeira, e com certeza não será a última, demonstração pública de afeto entre o casal presidencial – elas devem se repetir bastante nos próximos anos. Mas beijos, abraços e declarações de amor não aparecem apenas entre Lula e Janja: ministros de estado como Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, Anielle Franco, da Igualdade Racial, Margareth Menezes, da Cultura, e Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas, também publicaram dezenas de fotos se abraçando e se declarando uns aos outros nos dias subsequentes à posse.

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O amor deve dar nome até a um órgão oficial de governo: neste janeiro, o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria da Comunicação Social, anunciou a criação do "gabinete do amor” em contraposição ao chamado gabinete do ódio, um escritório que, durante o governo Bolsonaro, operou para criar e disseminar desinformação com base no discurso de ódio.

“Saímos de um cenário político de caos, de extrema barbárie, em que fomos atropelados todos os dias por discurso de ódio, fascismo e até sinais nazistas evidentes – copo de leite, sieg heil. Estávamos exaustos, principalmente mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+. Neste sentido, o novo governo começa gerando um efeito muito positivo em quem acompanha política de perto e acredito que, a médio prazo, provoque algum impacto em toda a sociedade, porque junto com o afeto, vem a coragem”, fala a advogada e mestre em políticas públicas e direitos humanos Laura Astrolabio, que também coordena a Tenda das Candidatas, organização fundada em 2020 que trabalha pela candidatura de mulheres negras e pobres.

Em contrapartida, ela pondera: “Não dá para ser ingênua e acreditar que essa política do afeto vai ser capaz sozinha de furar a política do ódio construída nos últimos anos”.

Lula beija Janja no palco do Festival do Futuro em sua cerimônia de posse em Brasília — Foto: Getty Images
Lula beija Janja no palco do Festival do Futuro em sua cerimônia de posse em Brasília — Foto: Getty Images

De fato. No último dia 8, uma semana depois do domingo de posse cheio de demonstrações de afeto e de sinais de aproximação do povo brasileiro, o exato oposto tomou conta do mesmo cenário: milhares de radicais bolsonaristas invadiram e depredaram os prédios dos principais poderes do país – Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal. Também roubaram armas e documentos, destruíram obras de arte, agrediram jornalistas e até um cavalo da cavalaria da Polícia Militar do Distrito Federal.

A partir desses acontecimentos, a psicanalista Maria Homem analisa a tônica do amor no governo Lula como “ingênua”. Para ela, a ideia de que o amor vencerá o ódio – conceito usado na campanha e repetido diversas vezes pelo petista em discursos – não se comprova na prática. “A tentativa do governo Lula de contrapor essa regressão paranóide, com mecanismos profundos de destruição, usam de morte [se referindo ao bolsonarismo] é ingênua. Contrapor essa regressão com uma narrativa de amor, beijo, abraço e ‘gratiluz’ não funciona. Existe um limite nesse tipo de ação”, critica.

Maria Homem vê que, aliado ao discurso, devem vir uma série de ações efetivas, que envolvem educação para a política, investimento em saúde mental acessível para todos, no SUS, e a lei, na forma da punição imediata dos envolvidos.

O amor humaniza a política

A narrativa política de que o amor venceria o ódio remonta a 2002, quando o presidente Lula dizia, durante a campanha presidencial que o elegeu pela primeira vez, que a esperança venceria o medo – àquela altura, se referindo ao medo do mercado e da classe política de eleger um operário para o mais alto posto Executivo do país. Mas retornou na história mais recente em meio ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, quando ela mesma disse isso, em pronunciamento respondendo vídeos que disseminavam contra ela misoginia e outras formas de discurso de ódio: “Esse ambiente de ódio é como droga: você entra, mas não sai. Eu não entro no ódio. Não vou baixar por nada nesse mundo o nível da campanha, nem usar esse tipo de artifício. Acho que dessa vez, além da esperança vencer o medo, também vai vencer o amor pelo Brasil”.

Meses depois, o impeachment foi confirmado e o PT viveu momentos difíceis, com a principal liderança presa durante 580 dias. Mesmo assim, quando Lula saiu da prisão, a tônica do amor se manteve: em seu primeiro discurso, anunciou que estava apaixonado, com “tesão de 20 anos” e que logo se casaria com Janja, àquela altura uma militante petista ainda desconhecida dos brasileiros.

De lá para cá, fomos inundados de imagens bastante cotidianas, como de Lula malhando, o casal torcendo pela Seleção na Copa, e brincando com a cachorrinha Resistência.

A professora de Ciência Política na Universidade Federal do Rio de Janeiro Hannah Maruci Aflalo, que coordena A Tenda das Candidatas ao lado de Laura Astrolabio, vê no discurso amoroso do governo Lula 3 – inclusive na ideia de criar um chamado "gabinete do amor” no Ministério da Comunicação- simplesmente uma forma de fazer oposição ao governo anterior.

“É uma oposição clara ao governo anterior, que por anos fez predominar um discurso de ódio e que gerou discordâncias políticas profundas na sociedade. Não é o Lula em si, é o projeto político que se decidiu colocar em prática ao escolher esse governo em detrimento do anterior. É um reposicionamento a partir de uma ideia oposta à polarização que impera no Brasil. Não por acaso, a palavra ‘união’ vem no slogan do novo governo [logo antes da palavra ‘reconstrução’, formando a frase ‘união e reconstrução’].”

Laura Astrolabio, no entanto, acredita que há mais do que uma decisão estratégica por trás do afeto que aparece nos discursos de Lula e seus ministros. Para ela, beijos em Janja e choro durante o discurso, além de cenas comuns da vida doméstica, contribuem para humanizar as lideranças de maneira a criar conexões com as pessoas, aproximá-las do governo e das tomadas de decisão. “É importante para as pessoas se reconhecerem nessas lideranças.”

Ela cita a teórica feminista norte-americana bell hooks, que no livro "Tudo sobre o amor: novas novas perspectivas" (ed. Elefante, 1999), demonstra que o amor tem um forte caráter de transformação social. Segundo ela, viver em comunidade – que, no contexto político brasileiro podemos entender como sociedade – nos empodera para criar conexões de afeto que vão além da família nuclear – pai, mãe, irmãos – e para lidar com estranhos sem ter medo. “Não tem como existir um conceito de agrupamento humano, como um país, sem esse movimento de amor, de conexão”, acrescenta Maria Homem.

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Essa lógica aparece muito nos discursos do novo governo, que se esforçam para aproximar a população por meio do afeto, como o do novo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. No último dia 3, na ocasião de sua posse à frente da pasta, dirigiu-se a grupos marginalizados como pessoas com deficiência, LGTQIA+ e moradores de rua, repetindo, a cada um deles: “Vocês existem e são importantes para nós”. E também nas ações de políticas, como o chamamento público do Ministério da Igualdade Racial, chefiado por Anielle Franco, para que a sociedade civil participe das decisões da pasta.

“Um governo que se propõe a aproximar a população, especialmente grupos minorizados, precisa considerar todos os aspectos da vida dessas pessoas, inclusive os afetos, os sentimentos. Caso contrário, será excludente”, crava Hannah. Na percepção da professora e pesquisadora, a ideia de que a política é algo distante do afeto, do amor, tem base em estereótipos de gênero e acabam por excluir mulheres da esfera pública.

“Entendemos os sentimentos como oposição à racionalidade e à rigidez que são exigidas da política, conceitos mais masculinos e passíveis de ocupar a esfera pública. Essa é uma forma de exclusão baseada em gênero e raça porque o único grupo de pessoas que, em geral, tem condições de deixar para trás questões ligadas ao afeto para se dedicar exclusivamente à política dura, rígida, puramente estratégica, são homens brancos e heterossexuais, com certo poder aquisitivo, inseridos em um casamento tradicional, porque tudo o que não é estritamente racional – filhos, casa, afetos, vida pessoal – é cuidado por uma esposa”, explica.

E quando o amor sai de cena?

Tanto a advogada quanto a psicanalista percebem que, na prática, fora dos discursos, estamos vivendo justamente o movimento contrário ao proposto por bell hooks e por Silvio Almeida em seu discurso de posse: “Estamos sempre olhando o outro como inimigo a ser combatido e vencido. A política do afeto começa por combater essa racionalidade e a gente busca soluções para o país, a sociedade, o todo”, acredita Laura.

Para Maria Homem, o contexto de crises subsequentes levaram a uma frustração coletiva com a política, que nos levou, enquanto sociedade, a busca pela rigidez, por um comando autoritário e, em última medida, por uma política de ódio que teve o ápice no último domingo, com a vandalização dos prédios públicos em Brasília.

“Durante um momento de ruptura, o amor sai de cena e sentimos desejo de retornar ao que se entende por um espaço de estabilidade, rigor, segurança – assim retornamos à ideia da família cristã, do exército, da intervenção militar, de um líder autoritário comandando a nação como coisas positivas”, diz a psicanalista.

Junto com essa retomada de conceitos conservadores, continua Maria Homem, uma massa de pessoas que têm dificuldade de compreender as transformações do mundo – novos pactos sociais, novas identidades – cria uma realidade paralela, de ameaça comunista, de que “vão invadir minha casa, tirar de mim o que é meu”.

“Assim, o outro, o diferente, passa a ser visto como ameaça e a gente deixa de se preocupar com um pacto social justo, igualitário, para se isolar na nossa casa, na nossa família, com ódio do outro.” Em contrapartida, se o amor é o “desejo de se conectar, de dividir o seu espaço com o outro, aceitar o outro e se interessar por ele, se deixa tocar pelo diferente”, como explica a psicanalista, ele também diminui o medo estrutural do que é novo, diferente.

Nesse sentido, ela vê como simbólicos os ataques a Brasília exatamente uma semana depois da posse em que subiram a rampa, ao lado do presidente, um grupo diverso de pessoas que representa mulheres, crianças, negros, indígenas, operários, professores, LGBTs e pessoas com deficiência. “Num domingo, uma festa que se pretendeu ser o espelho da democracia, com o povo brasileiro subindo a rampa do poder, e no outro, um movimento que diz ‘eu não suporto isso, não estou pronto para isso’”, resume.

Beijos, sexo e família tradicional

O beijo de Lula e Janja na posse presidencial em muito pouco lembra o beijo de Jair em Michelle na mesma ocasião, quatro anos antes – ou qualquer outro eixo que o ex-presidente e a ex-primeira-dama deram em público durante o governo. Enquanto o primeiro casal é mais descontraído, quase sempre envolve língua, mão na cintura e até na bunda dele, o segundo casal é mais protocolar: em geral, é Jair quem se aproxima para beijar a esposa e faz isso de forma contida, séria, sem muito carinho aparente. Fato é que demonstrações de afeto também aconteciam no governo anterior.

Além disso, tanto o atual presidente quanto seu sucessor também protagonizaram episódios em que exaltaram sua virilidade em discursos: Lula, desde que saiu da cadeia, repete que é um homem apaixonado e com “tesão de 20 anos” aos 77; e Bolsonaro já insinuou, em discursos, que tinha feito sexo com Michelle horas antes – em 2021, disse que tinha dado um bom dia “mais que especial” à esposa; e em 7 de setembro último puxou o coro de “imbrochável, imbrochavel” entre seus apoiadores durante os atos que marcaram o Dia da Independência.

Quando um presidente beija uma primeira-dama, em geral, quer reforçar a ideia de que é um homem casado, reafirmando um modelo tradicional de casamento heterossexual e viril. “Mesmo que sejam diferentes, os dois exaltam a virilidade, baseados numa visão machista do sexo como ferramenta de afirmar a saúde e a disposição do homem”, afirma Hannah Maruci Aflalo – especialmente homens idosos, no caso dos dois presidentes.

Na visão da cientista política, um detalhe importante ao comparar essas cenas é analisar como as esposas atuam: Michelle está ali apenas como uma imagem – não fala, não tem espontaneidade, apenas responde aos movimentos do marido; se ele beija, ela beija; se ele faz piada, ela ri. “O foco não é no amor, é na família tradicional”, percebe Aflalo.

Janja, por sua vez, é protagonista nessas demonstrações de afeto: não raro é ela quem vai beijar o marido, toca o corpo dele com espontaneidade e faz comentários do tipo “meu boy é mara”. “Ela não está ali apenas como esposa, princesa, pelo contrário. Ela se coloca como uma militante, uma aliada política, que caminha ao lado dele.”

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