Grada Kilomba leva 'O Barco' a Inhotim: 'A arte não dá respostas, faz perguntas'

A artista portuguesa terá sua principal obra exposta no museu por dois anos, a partir de 13 de abril. A instalação, já apresentada em Lisboa e Londres, vem ao Brasil pela primeira vez, conta com três atos performáticos e faz referência à arquitetura do fundo das embarcações que levavam pelos oceanos corpos africanos escravizados

Por , redação Marie Claire — de Inhotim, Brumadinho (MG)


Os bailarinos David Amado e Camilla Damião em 'O Barco', obra escultórica, performática e poética de Grada Kilomba Icaro Moreno - Instituto Inhotim

"A arte não dá respostas, faz perguntas", diz Grada Kilomba, 56, quando perguntada sobre suas intenções com o exercício artístico. "Não quero ensinar, quero compartilhar com muita gente as questões que tenho", continua a criadora de O Barco | The Boat (2021), obra escultórica, performática e poética, que chega pela primeira vez ao Brasil e faz seu pouso no Instituto Inhotim, onde fica em exibição para o público por dois anos, a partir de 13 de abril.

Nascida em Lisboa e baseada em Berlim, a artista interdisciplinar, formada em psicanálise e doutora em filosofia é conhecida pela prática subversiva de contar histórias, e tem uma obra que transita entre a atividade artística e a academia. Como esquecer do sucesso que foi Grada na Flip de 2019, com seu Memórias da Plantação (Cobogó, 248 págs., R$ 48)? A obra, que traz verdades urgentes sobre traumas, colonização, racismo e gênero, lhe rendeu o posto de escritora que mais vendeu livros naquela edição da Festa Literária de Paraty.

Em entrevista a Marie Claire em 2019, pouco antes de se apresentar na Flip, disse com firmeza: “Para ver minha biografia reduzida ao corpo, à beleza, ao sofrimento e à dificuldade, prefiro não dar entrevista. Tem sido muito difícil mostrar uma mulher negra na normalidade. Vê-se que é o desafio de criar um novo discurso”.

Grada Kilomba — Foto: Pablo Saborido - Instituto Inhotim

Muito celebrada no Brasil, Grada teve sua primeira individual no país em 2019, na Pinacoteca de São Paulo. Em 2023, voltou ao país para ser parte do quarteto de curadores da Bienal de Arte de São Paulo, ao lado de Diane Lima, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel.

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Em O Barco, 134 blocos de madeira queimada estendem-se por 32 metros, dispostos em referência à arquitetura do fundo das embarcações que levavam pelos oceanos milhões de corpos africanos escravizados. ​​Um poema escrito pela artista e traduzido para iorubá, kimbundu, crioulo cabo-verdiano, português, inglês e árabe da Síria, encontra-se pintado a mão sobre os blocos do centro da instalação.

Poema escrito por Grada Kilomba sobre a madeira queimada — Foto: Icaro Moreno - Instituto Inhotim

A instalação é acompanhada, ainda, de três atos de performance, que acontecem ao longo do período de exibição do trabalho no Inhotim. Marie Claire assistiu ao primeiro, aberto apenas para convidados, imprensa e trabalhadores do museu.

“Um barco, um porão/ Um porão, uma carga/ Uma carga, uma história”, os três primeiros dos 18 versos do poema “O Barco”, ganham voz e coreografia em cena. A performance consiste em um coro que lamenta a sorte de um casal (os bailarinos David Amado e Camilla Damião, a Eunice do filme “Marte Um”) aprisionado no navio, que canta e respira em compasso, ao som dos instrumentos de percussão que dão densidade ao lamento dolorido.

Na obra, Grada Kilomba trata de feridas que partem de uma narrativa de violência, mas de forma que a barbaridade não seja evidenciada. Ao contrário, a performance é interpretada com sutileza, balé e música.

O Barco foi apresentado pela primeira vez em setembro de 2021 em Lisboa, na BoCA - Bienal de Arte Contemporânea. Um ano mais tarde, esteve em exposição na Somerset House, em Londres.

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