![Luísa Matsushita — Foto: Julia Mataruna](https://cdn.statically.io/img/s2-marieclaire.glbimg.com/VJIizszlu3hFp620koGBi2T8unQ=/0x0:1920x1080/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_51f0194726ca4cae994c33379977582d/internal_photos/bs/2024/W/j/sTmN9aRIGpWxzZVPHDnQ/jmataruna-lmatsushita-005-g1-web-tumb.jpg)
Esta é uma história de amor entre Luísa e Luísa. A que abafou os seus desejos e a que enfim os encarou aos 29, não sem antes viver, de corpo e alma, outras avassaladoras vontades. "Tem uma frase da Jenny Holzer que diz 'proteja-me daquilo que desejo'. Às vezes a gente acha que sabe o que quer, e que vai ser feliz buscando o que quer, mas comigo foi exatamente o oposto", tenta explicar a Luísa que perseguiu as avassaladoras vontades.
Pintar era preciso. E ela sabia disso desde os 8 anos, quando respondeu à mãe a caminho da padaria que queria viver de arte quando crescesse. Mas também era preciso formar uma banda, lançar quatro discos, sair em turnê pelo mundo, ser a frontwoman de um quarteto e um movimento que deu estilo e letra de música a uma geração.
Com o Cansei de Ser Sexy, ela ficou internacional, fez um nome — então não só Luísa, mas Luísa Lovefoxxx —, viajou o quanto sonhou, fez melhores amigas e um legado no electro-indie-pop. Com o grupo, ainda entendeu que a fama, a rotina exigente das turnês e a velocidade a jato daqueles processos não podiam ser para a vida toda. Duraram o que tinha que durar. Duraram até que ela pudesse sustentar.
Em 2013, Lovefoxxx anunciou sua decisão a Ana Rezende, Luiza Sá e Carolina Parra, suas parceiras de Cansei. Havia preparado uma carta escrita a punho dias antes. Leu o desabafo quando o relógio marcou meia noite do dia 14 de julho, assim que saiu do palco de um show em Baton Rouge, na Louisiana. "Eu acessava muito Susan Miller [a astróloga estadunidense conhecida mundo afora], e no dia 14 de julho ia ter uma conjunção de Saturno, Urano e Netuno no meu signo [peixes]. Era o dia de comunicar coisas difíceis."
A partir dali, ela viveria de arte e assumiria o sobrenome de batismo, seria Luísa Matsushita. E faria isso porque não havia mais escolha. Viveria de arte "e foda-se". Quanto à banda, ela seguiria como um hobby, algo para se retomar quando todas as envolvidas estivessem de acordo e a fim.
![Luísa Matsushita — Foto: Julia Mataruna](https://cdn.statically.io/img/s2-marieclaire.glbimg.com/bDrgpl5pDNqzGIi0wkihVO1D8kc=/0x0:1920x1281/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_51f0194726ca4cae994c33379977582d/internal_photos/bs/2024/N/B/35BSFoSbaZofHsnhOmAA/jmataruna-lmatsushita-006-g1-web.jpg)
Os olhos enchem d'água quando Luísa recorda o seu dia D, e por duas razões. Os dez anos de Cansei de Ser Sexy, desde a saída da casa dos pais em Campinas até o topo da crítica internacional, lhe deram muito – e ela sabe disso. Depois, continuar negando a si mesma o exercício da pintura seria como morrer por dentro.
"Acredito em astrologia. E eu estava passando por um retorno de Saturno, comecei a ficar bem mal antes de algumas turnês, sentia uma coceira no corpo todo, uns sintomas psicossomáticos – e não fazia terapia porque a conversa sobre saúde mental não existia na época. Bom, eu sempre tive uma coisa inexplicável em mim, que quando começava a falar sobre pintura, chorava de soluçar. Eu não sei como é ser uma pessoa dentro do armário, mas me sentia dentro do armário com a pintura. E aí um dia me bateu uma epifania: preciso pintar senão vou morrer."
O anúncio aconteceu e Luísa ainda cumpriu o restante da turnê do disco Planta (2013), que o Cansei fazia pelos Estados Unidos naquele ano. "As meninas me olharam e perguntaram 'mas você quer acabar a banda?' Respondi: não, mas quero pintar e quero que a pintura seja minha atividade principal. Fiz mais um ano de show e fui pintar. No ano seguinte, fiz minha primeira exposição", recorda a artista, hoje uma amante irremediável da tinta a óleo, representada pela Galeria Luisa Strina.
A vida, no entanto, não é de se domar. Muito menos a dela. Agora, aos 40 anos – que completou em fevereiro – Luísa tem uma coleção de histórias pra contar: todas aquelas dos dez anos de palco com o Cansei, e as que vieram depois, entre a residência artística na Amazônia (em 2015) e a casa de 12m² no litoral de Santa Catarina, construída toda por ela. "Em 2017, vendi tudo o que tinha, aprendi a dirigir e fui pro Sul do Brasil, para uma cidade que não tem um semáforo [Garopaba]. Comprei terreno e comecei eu mesma a construir. Fiz o barraco de obra, que na verdade era minha casa, do zero. E isso foi minha faculdade. Lá no meio do mato, fiquei 5 anos. Plantei, transformei minhas fezes em adubo, modifiquei sementes crioulas, fiz voluntariados, trabalhei com agrofloresta."
E nunca deixou de pintar, claro. "Os desafios que vêm com a pintura, com a rotina dessa produção, não me destroem, não me deixam super ansiosa. A pintura para mim é uma carreira sustentável, que consigo fazer sem me destruir, e que me retroalimenta", ela comenta. Já a música… [Respira fundo] "Olha, existem desafios em ser uma pessoa de banda, compondo, performando, que já não me interesso. Eu sempre quis viajar muito, mas já fiz isso, a banda conseguiu me trazer todas as viagens e tirar isso do meu sistema", responde, respira fundo mais uma vez e pede para completar. "Por exemplo, a coisa da promoção que existe hoje na música, isso de ter que estar online, fazer live, responder fã, fazer collab e publi. Não gosto disso. Não é da minha personalidade. E não sei fazer isso bem. E com a pintura, não preciso estar com a cara exposta, posso ficar escondidinha. Estar sozinha para mim não é um desafio. Acho gostoso."
O assunto toma Luísa, que não poupa saliva em defender seu sonho atual: viver de arte. "Pelas minhas pinturas, faço tudo o que precisar."
+ Lia de Itamaracá: "Nunca pensei sobre meus 80 anos, sempre imaginei que tudo ia ficar bem"
![Luísa Matsushita — Foto: Julia Mataruna](https://cdn.statically.io/img/s2-marieclaire.glbimg.com/aXUSS9zUm4u1oMybia0GXQAq8Vs=/0x0:1920x2879/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_51f0194726ca4cae994c33379977582d/internal_photos/bs/2024/U/8/LEy2NMQmaz2YJExMxyxw/jmataruna-lmatsushita-007-g1-web.jpg)
“Às vezes, a gente é adulto e tem que voltar para a casa dos pais”
“Vocês não sabem o que a gente passou para estar aqui.” A frase foi dita por Luísa, a Lovefoxxx, no palco do festival Primavera Sound em dezembro de 2023 na cidade de São Paulo. No mesmo palco, que quebrava um hiato do Cansei dos shows, ela se emocionou e se abriu sobre uma crise vivida anos atrás: “Às vezes, a gente está num buraco pessoal, emocional, de saúde, financeiro. Às vezes, é adulto e tem que voltar para a casa dos pais. Eu saí de um buraco desses recentemente. É bom recomeçar. Obrigada por serem pessoas delicadas e esquisitas.”
Luísa falava de 2020, quando morou por um ano com os pais em Florianópolis. "Eu pensava: logo eu que já rodei o mundo… E achava que estava num lugar baixo, mas aí comecei a pensar, que bom que tenho pais amorosos que me recebem de volta. Tem hora que a vida não é essa linha ascendente constante. Quero dizer pra todo mundo que não tem absolutamente nada de errado em voltar para a casa dos pais, mesmo se você tiver 37 anos. A maior tristeza é você ter apatia da vida. Não recomendo pra ninguém", desabafa.
![Luísa Matsushita — Foto: Julia Mataruna](https://cdn.statically.io/img/s2-marieclaire.glbimg.com/5C9nWRRmzBnGfjQTihhSjNhJ1RQ=/0x0:1920x2878/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_51f0194726ca4cae994c33379977582d/internal_photos/bs/2024/1/D/Z54nl0RmuThnCMW3B1SQ/jmataruna-lmatsushita-005-g1-web.jpg)
+ Conceição Evaristo: "O importante não é ser a primeira mulher negra na ABL. Mas abrir perspectiva"
Neste 2024, o Cansei, impulsionado pelo gás do Primavera Sound, volta a se apresentar em uma série de shows pelos Estados Unidos – não por acaso, o país que recebeu a última turnê da banda, em 2013. O anúncio foi feito sem grandes estardalhaços: apenas um post na rede das integrantes que contava da alegria de retomar a música, mesmo só por hobby. Em seu Instagram, Luísa escreveu: "Isto não é um sonho febril, não é MySpace, estamos em 2024 e é verdade: é oficial! Sairemos em turnê pelos Estados Unidos! Podemos todos nos encontrar novamente?"
Ao fim da entrevista que baseou o texto destas páginas, perguntamos a Luísa sobre suas ambições mais honestas com a pintura. Senão dinheiro, reconhecimento, a fama e os louros da agitada indústria musical, o que então agora? "Será que é querer muito que seja algo tão bonito quanto olhar para uma cachoeira? Eu gostaria de chegar nesse lugar", diz e sorri.