• Adriana Bechara, de Lisboa
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“Tenho 20 anos de carreira e não quero ser apresentada por um texto vitimizado”, disse Grada Kilomba com sua fala baixa e suave, logo no início de nosso encontro, numa manhã de sábado, em meados de maio, no terraço do hotel Memmo Alfama, em Lisboa – com uma vista privilegiada não só de sua cidade natal, como do edifício em que mora sua mãe, logo ali ao lado. “Para ver minha biografia reduzida ao corpo, à beleza, ao sofrimento e à dificuldade, prefiro não dar entrevista. Tem sido muito difícil mostrar uma mulher negra na normalidade. Vê-se que é o desafio de criar um novo discurso.” Firme.

Grada Kilomba (Foto: Divulgação)

Grada Kilomba (Foto: Divulgação)

Grada nasceu em plena ditadura de Salazar na Lisboa de 1968. Seus avós eram de colônias portuguesas como Angola e São Tomé e Príncipe. Ao mesmo tempo que crescia, percebia o quanto este mundo não era feito para ela, não falava dela, de sua família, de suas origens. Uma vez, gripada, aos 14 anos, em uma consulta médica, o doutor a convidou para limpar sua casa no Algarve. Poderia cozinhar, lavar as roupas da família, fazer a faxina e, no tempo livre, ir à praia. Grada não conseguiu responder, saiu e vomitou no meio da rua. Episódios cotidianos e violentos como este, afirma, constelam a vida inteira de uma pessoa e podem até levá-la ao suicídio. Não no caso dela.

Doutora em filosofia, formada em psicanálise e artista interdisciplinar, Grada traz verdades urgentes sobre traumas, colonização, racismo e gênero reunidas em Memórias da Plantação (Cobogó, 248 págs., R$ 48), livro que ela lança durante sua passagem pela Festa Literária de Paraty – Flip, na sexta (dia 12). Antes disso, em 6 de julho, ela abre sua primeira exposição multimídia individual no país, Grada Kilomba - Desobediências Poéticas, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Radicada em Berlim, Grada é hoje o “must see, listen & read” da cena artística internacional.

Ainda tomada pelo sucesso retumbante da sessão de autógrafos de seu livro, na noite anterior, ela estava descontraída e feliz de voltar à capital alemã em poucas horas, onde vive com o marido, o ator alemão afrodescendente Moses Leo, e seus dois filhos, de 5 e 7 anos. A conversa correu solta e generosa com apenas dois pedidos, muito bem justificados. Primeiro: “A estética e o design são muito importantes para mim. Queria ter duas fotos em tamanho A4. Prefiro que cortem o texto para valorizar as imagens”. O segundo foi que sua biografia não a resumisse a uma mulher negra que venceu na vida. Afinal, ela é muito mais que isso. E explicou: “Quando fui fazer os press releases do livro e da minha exposição no Brasil, tive que alertar sobre tudo isso. Aqui na Europa eles escrevem que eu sou professora, que fiz isso ou aquilo naquele museu. É completamente diferente”.

Esse questionamento dos discursos coloniais e racistas têm sido o ponto de partida para o trabalho de Grada. Com a psicanálise, ela entendeu que o saber sem o sentir não configura um saber completo e passou a experimentar formas de apresentação dos seus estudos e escritos por meio de músicas, performances, vídeos, leituras, interpretações. O “conhecimento vívido”, como gosta de chamar, vem tocando corações e mentes de modo irreversível.

Leia a entrevista com Grada Kilomba na edição de Marie Claire julho, já nas bancas.

Grada Kilomba (Foto: Divulgação)

Grada Kilomba (Foto: Divulgação)

Agradecimento: Hotel Memmo Alfama