#ExploraçãoSexualZero
Por , Em Colaboração para Marie Claire — São Paulo

Pais e mães são criaturas que sentem muitos medos em relação aos filhos. Medo de que sofram um acidente e se machuquem, medo de serem rejeitados pelos colegas, medo de ficarem doentes. Mas pode apostar: um dos maiores pesadelos dos responsáveis, senão o mais assustador, é o de que os filhos sofram algum tipo de violência sexual.

Os números variam conforme a fonte, mas são sempre desesperadores. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, no ano de 2022 foram registrados 51.971 casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes entre 0 e 17 anos (15% a mais em comparação com 2021), além de 1.630 casos de disseminação de pornografia infantil (7% a mais) e 889 de exploração sexual infantil, ou seja, uso de crianças e adolescentes para obter lucro, como no turismo sexual (16% a mais).

Segundo o próprio relatório, a variação nesses índices de um ano para o outro pode significar a piora dos crimes ou resultado de uma melhoria no registro.

De acordo com o relatório Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2024, publicado pela Fundação Abrinq e que também traz dados de 2022, a cada quatro casos de violência sexual no Brasil, em três a vítima é criança ou adolescente. A maioria é do sexo feminino: 87,7% dos casos.

Ainda de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança pública, entre as vítimas entre 0 e 13 anos, 86,1% dos agressores são pessoas conhecidas da criança, sendo que 64,4% são familiares. E, segundo estimativas do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), apenas 8,5% dos casos são denunciados.

Educação sexual como ferramenta de prevenção

Se o perigo está tão perto, como prevenir uma violência tão cruel? Segundo Ana Cláudia Bortolozzi, professora do departamento de psicologia da Unesp Bauru (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho") e livre docente em educação sexual, inclusão e desenvolvimento humano, a prevenção deve começar desde o início da vida, mais precisamente desde que a criança começa a falar e a entender o que os pais falam. “As primeiras dúvidas vão aparecer ainda na primeira infância, quando as crianças começam a perguntar sobre o corpo”, diz.

Diferentemente do que muita gente pensa, a educação sexual não estimula a criança ou o adolescente a praticar sexo precocemente. Pelo contrário. “A educação sexual previne situações de vulnerabilidade, evita relacionamentos sem consentimento, ensina a criança a respeitar seus limites e ao jovem a fazer sexo se, quando e com quem desejar. Criança esclarecida é bem menos vulnerável”, afirma Bortolozzi.

Uma dica de Ana Cláudia é ensinar às crianças o “toque do sim” e o “toque do não”. “O carinho nunca pode ser um segredo”, diz. O toque do sim é a carícia inofensiva, um beijo ou abraço afetuoso, ou aquele que os pais fazem nas partes íntimas para limpar a criança ou o médico numa consulta.

O toque do não é quando algum outro adulto toca a criança e pede segredo para ela. Esse é o sinal de alerta que deve ser ensinado às crianças, além de orientar que, caso aconteça algo que deixa a criança desconfortável, ela deve procurar um adulto de confiança.

O Instituto Criança É Vida, que existe há 27 anos e promove projetos de educação sexual voltados para educadores, que levam esse conhecimento a seus alunos, divide a educação sexual por faixa etária. Essa divisão pode servir de guia para pais e mães ensinarem aos filhos sobre sexualidade.

Dos 7 aos 9 anos, os educadores explicam como é a anatomia da menina e do menino, ensina os nomes das partes do corpo, noções de higiene íntima e introduzem um pouco das mudanças que vão acontecer na puberdade, como a menarca. “Usamos métodos lúdicos, como colocar tinta no absorvente para simular a menstruação”, diz Regina Stella Schwandner, diretora superintendente e uma das fundadoras da ONG.

Dos 10 aos 12, são aprofundados os ensinamentos sobre as mudanças trazidas pela puberdade e também é explicado o que é polução noturna e ejaculação, além de expandir a discussão para direitos, cidadania e consentimento nas relações e abordar relacionamentos virtuais. Nessa fase a educação sexual já introduz conceitos de concepção, gravidez e nascimento, explica o que são o óvulo e o espermatozoide, métodos contraceptivos e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

Pode parecer precoce falar em prevenção nessa idade, mas as meninas estão menstruando cada vez mais cedo e os dados são cruéis: a cada hora nascem no Brasil 44 bebês filhos de mães adolescentes, sendo que, dessas 44 mães, duas tem idade entre 10 e 14 anos, segundo dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), ferramenta do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na faixa de 13 a 15 anos, o projeto, além de continuar falando sobre consentimento, prevenção a gravidez precoce e doenças, também ensina como planejar o futuro, tanto no âmbito profissional quanto no dos relacionamentos, já que muitas meninas e meninos têm uma visão romantizada sobre casamento e filhos.

Para Schwandner, a educação sexual é fundamental para que meninos e meninas exerçam a sexualidade com respeito uns aos outros. “Quanto mais cedo começa, mais respeito eles vão ter futuramente”, diz.

Um dos casos compartilhados pela diretora é o de uma aluna ficou menstruada pela primeira vez dentro da escola e manchou a roupa. Os colegas meninos a cobriram com uma blusa e a levaram em casa para trocar de roupa. “Antes de passar pela educação sexual, provavelmente ela seria motivo de chacota”, diz Schwandner.

Relação de confiança entre adultos e crianças

Para Aline Ditta, pedagoga, mestre em gestão e desenvolvimento da educação profissional e consultora do Instituto Criança é Vida, outro aspecto importante na prevenção é estabelecer uma relação de confiança com os filhos, para que eles consigam se abrir com os responsáveis caso algum tipo de abuso sexual ocorra.

Obviamente não existe uma receita de bolo para ensinar como fazer isso, mas algumas dicas podem ser colocadas em prática. “Mostrar interesse genuíno sobre a vida do seu filho é importante”, diz Aline. Educar com afeto, ter sempre muito diálogo, brincar junto, pedir para a criança desenhar a si mesma e a família, fazer atividades e programas em família, como ler livros e assistir a filmes, tudo isso ajuda a fortalecer os vínculos.

Outra dica é conhecer muito bem a família dos amigos dos filhos antes de deixá-los frequentar a casa deles e, em caso de separação dos pais e o surgimento de novos relacionamentos, ficar sempre atento aos adultos que vão passar a frequentar a casa das crianças e estar alerta aos sinais vermelhos. Em geral, prestar muita atenção a todos os que fazem parte da vida da família: avôs, primos, tios e amigos. “O agressor ‘elege’ uma criança e dá atenção especial. Pega para passear, dá muitos presentes etc.”, diz Bortolozzi.

Sinais de alerta

Mas quais são esses sinais de que uma situação de abuso sexual pode estar ocorrendo? Geralmente o primeiro e mais claro é uma mudança de comportamento. “Se a criança fala muito, ela fica mais quieta, ou se é mais retraída, passa a falar mais”, diz Bortolozzi. Ela pode também passar a se recusar a ir para a escola, ficar mais agressiva ou triste, regredir em comportamento (voltar a fazer xixi na cama, por exemplo) ou usar na fala expressões adultas ou de cunho sexual.

Outro sinal de alerta, segundo Patrícia Félix, pedagoga e advogada especializada em direitos da criança e do adolescente e conselheira tutelar na cidade do Rio de Janeiro, é a criança deixar de aceitar toques corriqueiros, como abraços, sendo que antes ela aceitava esse tipo de contato.

Caso haja alguma suspeita, é importante também conversar com a escola para saber se os professores identificaram mudanças no comportamento da criança. A escola, aliás, junto com a família, é o pilar mais importante da prevenção ao abuso sexual.

Na opinião da psicóloga Ana Cláudia Bortolozzi, os professores devem ser preparados para falar sobre sexualidade de forma mais técnica e de forma laica, sem envolver religião ou os valores das famílias, que podem ser muito distintos para cada núcleo. “Vários organismos internacionais, como a Unesco, defendem que as escolas sejam promotoras da saúde, e a educação sexual entra nisso”, diz.

Além disso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), referência obrigatória para elaboração dos currículos escolares, prevê o ensino de conceitos ligados a reprodução, sexualidade e prevenção de doenças, dentro da disciplina de Ciências, durante o Ensino Fundamental. “Mas temos sentido um retrocesso nos últimos anos, no sentido de as pessoas se incomodarem com a educação sexual”, diz Regina Schwandner, do Instituto Criança é Vida.

Segundo Jéssika Lima da Luz, promotora de Justiça da Infância e Juventude de Vitória, Espírito Santo, como a maioria dos casos de abuso sexual é praticado por um familiar ou pessoa muito próxima, muitos crimes são invisibilizados e a criança ou adolescente fica vulnerável. “Daí a importância da rede de proteção”, diz a promotora. “O professor, por exemplo, será muitas vezes o adulto de referência, aquela pessoa que será o destinatário da revelação espontânea do abuso sexual”, afirma.

Não é incomum que surjam denúncias em uma cidade quando projetos de educação sexual passam pelas escolas. “Muitos professores contam que foram vítimas de abuso e que participam do treinamento para proteger seus alunos”, conta Schwandner.

O que fazer caso o abuso aconteça?

É comum que vítimas se calem ou demorem para contar sobre os abusos, e isso acontece por vários razões. Em primeiro lugar, dependendo da idade e da falta de consciência corporal, a criança pode nem saber que aquele toque é uma violação. Lembrando que o abuso sexual não ocorre somente quando há penetração ou toque. A importunação sexual é crime e pode incluir atos que não envolvam contato físico, como se masturbar na frente de alguém.

Em outros casos, a criança sabe que aquilo que está acontecendo com ela é errado, mas tem medo do agressor, vê o adulto como uma autoridade contra a qual ela não pode se colocar (especialmente se ele for uma figura de influência na família ou se for o provedor financeiro da casa, como pai ou padrasto) e até se sente culpada pelo abuso. Em muitos casos, a vítima também tem um vínculo afetivo forte com o abusador, o que dificulta uma denúncia. “O agressor tem uma estratégia calculada, ele faz chantagem emocional ou persuade pelo medo, pena ou culpa”, diz Félix.

Segundo a conselheira, muito desse receio em denunciar vem da sociedade em geral não enxergar a criança e o adolescente como sujeito de direitos. “A Lei Federal que cria o Estatuto da Criança e do Adolescente tem apenas 34 anos, e muitos ainda acham que ela tira a autoridade dos pais”, diz.

Para quebrar esse silêncio, o remédio, de novo, é conversar muito com a criança e ensinar sobre consciência corporal, para que ela saiba diferenciar um carinho de um abuso e tenha um adulto de confiança a quem relatar algo de errado.

Para Bortolozzi, quando um adulto recebe um relato de abuso sexual o mais importante é acreditar na criança, tentar manter a calma e nunca julgar a vítima. “Não a critique por ter demorado para contar. Diga que está feliz que a criança confiou em você, que ela é muito corajosa, que você vai protegê-la e que você vai agir para resolver a situação”, afirma.

Em muitos casos, as mães de indivíduos abusados também precisam de apoio psicológico para quebrar o ciclo de violência e acreditar em seus filhos. A maioria das especialistas consultadas nessa reportagem afirma que muitas delas têm dificuldade em aceitar que o companheiro é um abusador. “Houve um caso em que uma mãe de duas crianças abusadas disse que isso era normal, que tinha acontecido com ela também”, diz Schwandner.

Como denunciar

A primeira denúncia de uma suspeita ou da ciência de um caso de violência sexual pode ser feita anonimamente por meio do canal telefônico Disque 100, que vai encaminhar para os órgãos responsáveis, como polícia ou Ministério Público.

A denúncia também pode ser registrada diretamente em uma delegacia ou em uma Promotoria de Justiça da sua cidade, ou o responsável ou pessoa preocupada com a criança pode ainda procurar o Conselho Tutelar mais próximo para receber orientações.

A partir da denúncia, cada caso vai ser encaminhado conforme a situação, com registro de boletim de ocorrência, pedido de medidas protetivas para a criança (se necessário), depoimento especial da vítima, encaminhamento para atendimento de assistência social e profilaxia contra doenças e interrupção de uma gravidez, se for o caso.

Em algumas cidades existem centros integrados que funcionam como um ponto único que concentra o encaminhamento a vários serviços públicos como saúde, assistência social, defensoria pública, delegacia de proteção à criança e adolescente, Vara da Infância, promotorias de defesa da infância e juventude.

Mas, em algumas situações, o sistema jurídico falha. Foi o caso de uma menina de 11 anos que engravidou em 2022 depois de passar por relações sexuais forçadas, e foi impedida pela juíza Joana Ribeiro Zimmer, em Florianópolis, de interromper a gestação. O aborto foi negado pelo Hospital Universitário, da Universidade Federal de Santa Catarina, que alegou que só faria o procedimento com autorização da Justiça. Porém, a legislação já autoriza a interrupção da gestação nesse tipo de caso, não sendo necessária a autorização judicial.

É quando alguma etapa do processo falha que entram outros órgãos de defesa da criança, como o Conselho Tutelar. “O Conselho Tutelar não tem o papel de investigar, mas o de ajudar as famílias, orientar e atuar quando existe alguma negligência em relação à proteção da criança”, diz a conselheira Patrícia Félix.

Segundo a promotora Jéssika da Luz, existe um protocolo a ser seguido para ouvir a criança que denuncia um abuso. Um dos pontos é que os adultos não devem ficar perguntando várias vezes sobre o que aconteceu. “Isso revitimiza a vítima de abuso”, diz.

Esse protocolo de atendimento foi estabelecido pela Lei Federal 13.471, de 2017, que integra o sistema de acolhimento às vítimas de violência sexual e torna o atendimento mais humanizado por meio da “escuta especializada” e do “depoimento especial”, que são procedimentos que respeitam o tempo de elaboração da experiência do abuso e oferecem espaços mais acolhedores para ouvir as vítimas, evitando assim a repetição do interrogatório sobre o que aconteceu, como apontou Jéssika da Luz. “Não exponha a criança que sofreu abuso, não deixe que toda a vizinhança fique sabendo, por exemplo”, complementa a conselheira tutelar Patrícia Félix.

Neste mês de maio, e especificamente no dia 18, Dia Nacional do Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) promoveu eventos e lançou campanhas de conscientização sobre o tema.

Uma delas, batizada de “Quebre o ciclo da violência”, convoca todos os adultos a serem pessoas em quem as crianças e adolescentes podem confiar para denunciar qualquer tipo de violência sexual. A campanha chama a sociedade civil a não se silenciar diante de sinais emitidos por crianças e adolescentes que possam sofrer com violências físicas e psicológicas. “Todos são responsáveis por assegurar que crianças e adolescentes sejam tratados com respeito e como sujeitos de direitos”, diz a secretária-executiva do MDHC, Rita Oliveira.

Dicas de livros de educação sexual para crianças:

- “Meu Corpo, Meu Corpinho” - de Roseli Mendonça e ilustrado por Ludmila Fernandes (Editora Matrescência)

- “Pipo e Fifi” - de Carolina Arcari, ilustrado por Isabela Santos (Editora Caqui)

- “Pode parar” - de Isabel Diniz, ilustrado por Gabriela Molinaro (Editora Conto com Você)

- “Não Me Toca, Seu Boboca!” - de Andrea Taubman e ilustrado por Thais Linhares (Editora Aletria)

- “Leila” - de Tino Freitas, ilustrado por Thaís Beltrame (Editora Abacatte)

Esse conteúdo foi oferecido em parceria com Vibra, em prol da campanha contra a exploração sexual de crianças e adolescentes.

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