Eu, Leitora
Por , em colaboração para Marie Claire — Rio de Janeiro (RJ)

"Eu sou do sul da Bahia. Uma mulher indígena do povo Tupinambá de Olivença. Vivi a minha vida inteira na cultura, só que não fui reconhecida como indígena porque ele precisa ser dado pelo governo e o povo Tupinambá só foi reconhecido em 2002. Morei numa cidade de 5.000 habitantes próxima de Itabuna, a 30 km São José da Vitória, na maior parte da minha vida e lá, quando criança, sofri abuso sexual.

Fui criada pela minha família. A gente era produtor de cacau e a minha mãe se casou com um policial militar. Ele foi o meu primeiro abusador, quando eu tinha três anos de idade. Foi só aos 11, durante uma aula sobre o corpo humano na escola, que tive uma primeira noção do que estava acontecendo comigo. Contei para a minha mãe e ela não acreditou, porque ele fez um cenário para que pudesse cometer o abuso e ainda descredibilizar a vítima."

"Eu me lembro que ele me pegava no quarto dormindo. Teve uma vez, quando a minha mãe estava trabalhando, que ele me levou para um quarto, abusou de mim e, um tempo depois, quando ouviu os cachorros latindo, percebeu que era minha mãe chegando. Ele me pegou no colo e me jogou pela janela, mas a minha sorte foi que eu fiquei pendurada. Foi uma cena horrível, porque eu não podia gritar, já que achava que estava fazendo uma coisa errada e não queria apanhar da minha mãe.

Ele foi o primeiro abusador, mas não foi o único. E isso é o que acontece quando ocorre o primeiro abuso com crianças, elas entram nesse vício da violência e outros abusadores percebem. Minha mãe trabalhava muito e costumava ficar o dia todo fora de casa, por isso, me deixava com vizinhos ou conhecidos enquanto ela não retornava. Lembro de estar dormindo na casa de um vizinho e acordei com ele fazendo sexo oral olhando para mim. Em outro momento, passei o dia com um casal de colegas da minha mãe e um deles me colocava para ver as pessoas tomando banho, mandava eu olhar... era algo que acontecia diariamente.

Logo depois, tive um abscesso ao lado da minha vagina. Fui ao médico, porque ficou muito feio e estava próximo demais do meu órgão sexual. Minha avó paterna, Dona Lourdes, sempre me dizia que o corpo arruma um jeito de explodir as suas emoções, então esse abscesso foi a forma do meu pedir socorro, porque ele não estava aguentando mais — e nem eu.

Esse profissional era de um hospital do interior e é claro que o pensamento ainda é machista e a sociedade patriarcal. Quando me examinou, disse: 'Meu Deus do céu, o que aconteceu com essa menina que ela tem uma vagina de uma mulher de mais de 40 anos?'. Logo após isso, chamaram a minha mãe em uma salinha e não deu em nada, porque ela não me acolheu em nenhum momento, se preocupando com o que eu poderia estar vivendo longe da vista dela.

Quando a criança passa por alguma situação dentro de casa, leva-se para o hospital, mas ela vai acompanhada dos pais e não era a minha mãe que me abusava, mas ela era a esposa do abusador e jamais acreditaria que ele faria algo desse tipo comigo. Por isso ninguém tomou uma posição de denúncia ou foi atrás da polícia e eu acabei voltando para aquele pesadelo. Depois de um tempo, não aguentei a inércia da minha mãe nessa situação e contei para a minha irmã, Jamile, que me aconselhou: 'Se for verdade, vai lá e fala para ele'. E foi o que fiz, o enfrentei e revelei que tinha contado para alguém da família o que aconteceu, mas o resultado não foi o que eu esperava, porque ele ligou para a minha mãe e fez a cabeça dela.

Naquele mesmo dia, quando chegou em casa, ela me bateu com a palmatória pedindo para que eu contasse a verdade e parasse de mentir. No final, falei que era mentira por medo de algo pior acontecer e ela me expulsou de casa, me mandando para casa da minha avó, com quem não tinha quase nenhum contato.

Fiquei lá por cinco anos e ela me culpou pelo que tinha ocorrido, me colocando para ir à igreja todos os dias, porque achava que era o caminho para recomeçar ou tirar essa sujeira da minha vida. Foi uma violência estar ali pagando a penitência de uma coisa que eu não era culpada e não era esse tipo de apoio e nem de tratamento que deveria ter sido dado a uma vítima. Acabei saindo da casa da minha avó também, voltei para a minha mãe com 15 anos."

"Foi nesse novo momento que ela reconheceu que eu tinha sofrido abuso sexual infantil, mas que o criminoso disse que se houvesse alguma denúncia a 'boca dela ia amanhecer com formiga'. Por medo, ela não fez nada e eu desisti, porque já tinha passado muito tempo e ninguém acreditaria em mim.

Em busca de uma renda, já que minha mãe não tinha condições de sustentar a casa, entrei para o mundo da exploração sexual. Eu era cercada de homens mais velhos e poderosos que me faziam acreditar que se estivesse com eles, seria valorizada e teria respeito. Fiquei nesse ciclo até os 28 anos, achando que o meu corpo tinha sido feito para isso."

Jennyffer Bransfor Tupinambá foi abusada sexualmente pelo padrasto e expulsa de casa — Foto: Reprodução/Instagram
Jennyffer Bransfor Tupinambá foi abusada sexualmente pelo padrasto e expulsa de casa — Foto: Reprodução/Instagram

"Tive as minhas primeiras duas filhas dentro desse período de exploração, de não entendimento, de achar que tinha nascido para ser um produto sexual e foi aí que consegui compreender o que é ter uma infância saudável, porque pude proporcionar isso para elas.

Estava morando em Itabuna, na Bahia, quando conheci o Flávio, o pai de Valentina, minha terceira filha. Foi a primeira relação que alguém zelou por mim. Ter alguém para cuidar dela, como ele cuidou, a realização de uma gravidez saudável, não tem preço. Infelizmente, ele acabou falecendo e foi quando me afundei de vez.

Fiquei dois anos nessa redoma. Minhas filhas falam que eu saía, cuidava da minha outra pequena, mas não tenho essa lembrança. Quando saí do fundo do poço, estava lascada, passando fome — e falei: 'Não posso deixá-las viverem assim', decidindo que iria tentar a vida em São Paulo.

Foi muito sofrimento, vim sozinha e queria trazer as minhas filhas, que ficaram na Bahia, comigo, por isso trabalhei de faxineira e tudo que me arrumavam para juntar dinheiro. Consegui alcançar esse objetivo três meses depois da minha mudança. Eu e minha filha mais velha compramos um curso de Marketing Digital e decidimos que faríamos disso a nossa renda e nossa forma de sustento. Nessa época que lançaram o Clubhouse, um aplicativo de voz, e foi lá que comecei a me posicionar como ativista no abuso sexual infantil.

Luto muito para que as crianças não passem pelo que eu passei e os dados mostram que a cada 15 minutos a gente tem uma delas nesse cenário, e é muito triste, ainda hoje, em 2024, termos estatísticas altas desse jeito.

Me aproximei da Luciana Temer, do Instituto Liberta, e ela me chamou para fazer o primeiro evento 'Não se cale: uma voz chama a outra'. E lá finalmente compreendi todas as violências pelas quais passei e tive a consciência de que não era culpada de nada que me aconteceu. Quantas mulheres morrem sem saber disso? É uma luta diária entre viver e querer morrer todos os dias.

Hoje, aos meus 40 anos, me sinto muito mais forte. Estou na ATL (Acampamento Terra Livre), que é a maior Assembleia dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil. Além do ciberativismo, na questão de usar as redes sociais para a educação no enfrentamento à violência sexual e exploração infantil, eu tenho um perfil chamado SOS Mulheres BR. Geralmente, pego um caso que tem repercussão, crio conteúdo em cima dele e divulgo. Os vídeos batem 130 mil visualizações em média.

Para além disso, faço palestras, integro o grupo Mulheres do Brasil, regido por Luiza Trajano, dona da Magazine Luiza, sou membro da Virada Feminina, um coletivo de mulheres, e nesse contexto a gente discute o abuso sexual e exploração infantil, tentando combatê-los, dando educação em busca da prevenção de crimes como esses. O povo tupinambá do cacicado da Jamampoty vai implementar o primeiro conjunto de regras para essa prevenção, conscientizando a população e evitando que crianças ainda vivam isso. Movimentos como o Me Too, estão se disponibilizando para atuar com a gente nessa campanha."

"Graças à mãe natureza, consegui escapar do meu ciclo de violência e minhas três filhas me mostraram o que é o amor, principalmente o de família, que nunca tive e é uma construção muito forte. Quero que outras pessoas tenham a oportunidade de sair desse pesadelo e consigam ter uma vida decente, como eu alcancei, e vou batalhar por isso até o fim."

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