• Depoimento a Kizzy Bortolo
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Aline Cristina Vittorazzo com a família na Ucrânia (Foto: Arquivo Pessoal)

Aline Cristina Vittorazzo com a família na Ucrânia (Foto: Arquivo Pessoal)

Saímos da Ucrânia de forma conturbada e desesperadora, a pé, no dia 27 de fevereiro, no início da guerra. Na ocasião, andamos por muitas horas num frio absurdo, com algumas malas e com a minha filha no colo. Passamos seis meses no Brasil, na casa da minha família. Meu marido é jogador de futebol e tem contrato com um time de futebol aqui na Ucrânia. Em agosto, começaram os treinos e os jogos, mesmo com a guerra ainda acontecendo. Por isso, no dia 12 de agosto, decidimos retornar. 

Minha filha, Manuela, de um ano e dez meses, ao entrar no nosso apartamento, ver os brinquedos e o quartinho dela, andar pela cidade nos lugares que ela já conhece, sorria o tempo todo. Ela ficou radiante por voltar para casa. E ver a felicidade da minha filha não tem preço. Foi nitidamente visível a diferença da Manuela.

Tudo por aqui em Lviv parecia tranquilo. Até que no dia 10 de outubro, às 10 horas da manhã, escutei um barulho muito alto. Era um míssil que tinha caído muito próximo à minha casa. Foi uma explosão tremenda. Escutamos ele caindo e explodindo no chão. Um barulho ensurdecedor. Também dá pra sentir algo estanho no ar, algo que não sei explicar.

Quando o segundo míssil caiu, a janela do meu quarto estremeceu, abriu e fechou com a movimentação do ar. Um desespero. Na hora sentimos bastante medo, tomei um baita susto. A gente não sabia pra onde correr. Por sorte, meu marido estava em casa, era o dia de folga dele. Minha filha se assustou com o barulho e saiu correndo me pedindo colo.

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Na hora, eu e meu marido nos olhamos e, por pensamento, já mudamos o cenário com ela e começamos a brincar com a nossa filha, procurando a distrair para ela não se assustar ainda mais. Ficamos sabendo que os mísseis atingiram a rede elétrica do nosso bairro. O local da queda é a 20 minutos da minha casa.

Ao total foram seis mísseis nesse dia em Lviv. Em Kiev, a capital, a situação foi bastante complicada, pois lá tiveram 47 mísseis por toda a cidade, atingindo as residências de civis. A situação na capital da Ucrânia é altamente assustadora.

Quando retornei à Ucrânia em plena guerra e escutava essas sirenes tocando, confesso que me assustava com o barulho. Agora, a gente já até se acostumou um pouco e passamos a ficar em alerta. Quando soa o segundo toque, que é o sinal amarelo, sabemos que temos que nos esconder 'o mais baixo da terra’ possível, tipo em bunkers, estacionamentos subterrâneos ou algo do tipo.

Um amigo do meu marido nos contou que no período em que estávamos no Brasil, também caiu um míssil aqui perto de casa e matou três pessoas que estavam na rua. Me apavorei. 

Lviv é uma cidade turística da Ucrânia, como se fosse Gramado no sul do Brasil. Aqui tem muita história e muita coisa linda para visitar. A cidade é muito conhecida e como fica localizado do outro lado da Rússia, muitas pessoas vieram se refugiar por aqui. Os ucranianos comentam que, por isso, existem alguns ataques e mísseis por aqui.

Ainda assim, mesmo com todo medo e insegurança com essa guerra, não penso em voltar a viver no Brasil. Vou ficar aqui ao lado do meu marido. Nossa família fala para termos cuidado e termos sabedoria para tomarmos as decisões. Nós sempre os mantemos informados do que tem acontecido por aqui.

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O governo ucraniano nos orienta apenas para não deixarmos de seguir os sinais da sirene e, claro, nos pedem para nos escondermos em caso de ataques. Todos temos um aplicativo baixado pelo celular que toca a sirene quando há ameaça de algum ataque. Tem também as sirenes espalhadas pela cidade. E se junto à sirene vem um alerta amarelo, é sinal de ataques e perigo total, aí a recomendação é sair de casa e se esconder imediatamente.

Às vezes estou no parquinho da praça aqui perto de casa brincando com a minha filha, e eu sempre digo a ela que quando a sirene toca é hora de irmos para casa ver a Meg, nossa cachorrinha. Então, dessa forma, minha filha fica mais tranquila e é uma forma de não apavorá-la em meio a essa correria.

Os ucranianos estão muito fortes na defesa do seu país. Me emociono ao ver o quanto eles se dedicam e se envolvem, tanto os que ficam aqui, ajudando nas doações e organizações, quanto os muitos que vão para o embate lutar pelo seu país. 

A guerra começou no final de fevereiro. Acredito que ainda vai levar um tempo até que cesse, porque a Ucrânia vai lutar com todas as forças para recuperar os territórios que a Rússia foi tomando posse. Nosso único receio é que, como o Putin está perdendo cada vez mais, temo ele usar a tal bomba nuclear para acabar com a Ucrânia. Acho que ainda virá muita coisa pela frente, não só pela garra, mas também pela ajuda que a Ucrânia vem recebendo, como ajuda financeira, equipamentos e também o exército de outros países que vieram para a Ucrânia. 

Não pretendemos voltar para o Brasil. Na verdade, gosto muito de morar na Ucrânia e torço, de coração, que essa guerra acabe logo e que possamos seguir as nossas vidas de forma tranquila como sempre vivemos por aqui. 

Percebo que as pessoas nas ruas aqui em Lviv não estão tão tensas e seguem suas vidas normalmente. E nós também estamos tentando viver normalmente. Apenas quando há os sinais de alerta é que nos escondemos. 

Meu marido ainda tem contrato aqui na Ucrânia até final do ano que vem e, até esse período, temos que ficar aqui para cumprir o contrato. Nossos planos, a princípio, é seguir o contrato dele. Minha filha nasceu em Kiev, ela é ucraniana, nós gostamos muito de viver aqui em Lviv. Confesso que nem queria sair daqui tão cedo. Espero que a guerra não nos impeça de ficar por aqui, onde temos a nossa casa, nossos amigos e toda a nossa estrutura.  

Não tem como se sentir segura por aqui por agora. A gente nunca sabe o que realmente  pode acontecer. Mas, no dia a dia, tentamos seguir uma vida ‘normal’, dentro do possível. Tenho uma mochila de emergência com as nossas coisas mais importantes, como documentos, passaportes, remédios porque em casos de ter que se esconder.

Mas aqui, nos sentimos todos em casa e temos muito orgulho desse país, pela força e pela luta que o povo ucraniano tem. Nós torcemos muito para que a Rússia não consiga tomar mais nenhum pedacinho de terra da Ucrânia. É muito triste ver pessoas tendo que abandonar suas casas, seu trabalho, suas famílias e suas vidas. E perdendo seus familiares e amigos. Só espero que nada de ruim nos aconteça. Desejo do fundo da minha alma que a paz e a tranquilidade possam voltar a estar na nossa Ucrânia querida."