Diário da Cozinheira

Por Carla Pernambuco

Chef de cozinha

em colaboração para Marie Claire — de São Paulo

Nativo do Brasil, os portugueses levaram o caju para a África e a Ásia, onde ele se adaptou e passou a ser cultivado — precisa de umidade e calor dos trópicos. Os portugueses também o carregaram para a Europa e tanto o pseudofruto, como a castanha se tornaram iguarias concorridas nas mesas europeias.

As cores exuberantes do caju no cajueiro da Nutmel (Ceará) — Foto: Divulgação/Nutmel
As cores exuberantes do caju no cajueiro da Nutmel (Ceará) — Foto: Divulgação/Nutmel

Fruto dentre todos o mais belo, o caju possui as cores do pôr-do-sol em si: do laranja impetuoso aos vermelhos pujantes e amarelos vivazes, é o astro de seu próprio espetáculo. O encantador rei-sol com a coroa invertida pode confundir aqueles que, deslumbrados com sua beleza, publicam sua imagem com a castanha para cima, acreditando ser essa a forma natural do fruto majestoso. Tanto faz, o caju segue impassível em sua realeza multicor ilustrando a natureza e a arte. J. Borges, artista popular, mestre e Patrimônio Vivo de Pernambuco, é o gravador autodidata da vida nordestina e brasileira: reconhecido internacionalmente, reproduz em suas xilogravuras o caju de forma recorrente e sempre bela, destacando seus matizes.

Os cajus do artista J. Borges — Foto: Reprodução
Os cajus do artista J. Borges — Foto: Reprodução

No Brasil colônia dos anos 1640, o artista holandês Albert Eckhout, vindo para a capitania de Pernambuco com Maurício de Nassau, fixou seu olhar nas pessoas, animais e plantas. Ele foi um dos primeiros artistas europeus a retratar cenas do Novo Mundo — o caju e o cajueiro já estavam lá. Em uma das pinturas sobre tela, A Mameluca, a mulher carrega um cesto com flores debaixo de um cajueiro — não fosse a diferença de algumas centenas de anos, ia acreditar que Eckhout me viu passeando por lá à cata de castanhas...

“A Mameluca”, de Albert Eckhout — Foto: Reprodução
“A Mameluca”, de Albert Eckhout — Foto: Reprodução

Carnoso e rosado, com caju e as castanhas se faz arte e receitas: o suco, os doces, compotas, cachaça, vinagre, rapadura, manteiga, a caipirinha de caju, clássica no Nordeste, até vinho. Ah! E o Caju Amigo, icônico drinque paulistano nascido no saudoso Pandoro. O caju tem poucas calorias, é rico em aminoácidos, vitaminas e minerais e é um excelente substituto da carne, com textura semelhante — a “carne de caju” é apreciada por veganos, gregos e baianos. Ao final desta coluna tem minha receita de Torta de castanha com compota dourada de caju, que está publicada no livro As Doceiras, autoria em dupla com a amiga e chef Carolina Brandão.

É do suco do caju, clarificado e caramelizado, que se obtém a famosa cajuína. A cajuína cristalina em Teresina, descrita na canção de Caetano, foi a bebida servida pelo pai de seu amigo e parceiro compositor, o piauiense Torquato Neto, morto aos 27 anos. Todos os versos da melodia fazem rima com a palavra título da canção e logo na primeira estrofe a pergunta eleva fruto e pensamento à questão inescapável: “Existirmos, a que será que se destina?” — o caju filosófico.

A cajuína é uma bebida diferente — não deixe de provar: não alcoólica, faz parte da tradição alimentar indígena e se tornou Patrimônio Cultural do Estado do Piauí, que está entre os estados nordestinos produtores de caju. O Rio Grande do Norte é outro, e onde se encontra o maior cajueiro do mundo, o Cajueiro de Pirangi, com meio quilômetro de diâmetro estendido sobre uma área de 9 mil metros quadrados. Sombra e frutos e uma lenda bonita habitam o cajueiro em Natal — dizem que foi plantado há 150 anos por um pescador que morreu aos 93 descansando sob sua copa.

Se o caju é o astro-rei, a castanha é a rainha, estrela de todo o potencial do conjunto! O Ceará é o estado que concentra a maior produção de caju no Brasil. Em Beberibe, município litorâneo a 80 quilômetros de Fortaleza, Joana Vieira chefia uma fazenda produtora com 45 mil pés nativos que produzem a castanha orgânica de sua marca Nutmel. Joana é pernambucana e adora trabalhar; desde menina atua na área comercial dos negócios de alimentos da família e agora no seu próprio, com seu xodó: a castanha de caju.

A propriedade é orgânica há mais de 30 anos, com longevos cajueiros nativos. Uma curiosidade: o caju é 85% água e as áreas de produção de cajueiros nativos são de sequeiro, não há irrigação. O caju cai do pé e se torna matéria orgânica na fazenda, umedecendo e protegendo o solo de forma natural e permitindo coletar a castanha com facilidade. As castanhas retiradas então são processadas para o consumo. Somente a poda é feita pela ação humana. O terroir do caju no Ceará fornece castanhas com sabor amanteigado e componentes nutritivos bem preservados.

Joana Vieira na fazenda de produtos da Nutmel — Foto: Acervo pessoal
Joana Vieira na fazenda de produtos da Nutmel — Foto: Acervo pessoal

É uma Joana entusiasmada quem narra todo o ciclo do ecossistema na fazenda onde o cultivo orgânico produz castanhas e, ainda, mel de abelhas — tudo sem o uso de agrotóxicos ou químicos. Na levada da saúde, a castanha de caju oferece muitos benefícios, inclusive como substituto proteico – o leite, o creme de leite de castanha, a pasta de castanha. Feita a partir do leite, a pasta de castanha de caju é um produto que permite várias aplicações, e encontrou no café o seu par perfeito — a dupla está fazendo sucesso em cafeterias no Oriente.

Por aqui, viajo no caju lembrando a batidinha carioca que mistura leite de coco e o caju para beber na areia enquanto ouço o samba-enredo do carnaval 2024 que já me roubou o coração: “Pede caju que eu dou, pé de caju que dá”.

Torta de castanha do Pará e ricota com compota dourada de caju — Foto: Acervo pessoal
Torta de castanha do Pará e ricota com compota dourada de caju — Foto: Acervo pessoal

Torta de castanha do Pará e ricota com compota dourada de caju

Ingredientes
Torta
500g de ricota cremosa
1 lata de leite condensado
4 ovos
200g de castanha do pará
50g de açúcar
Gotas de baunilha
2 colheres de sopa de amido de milho

Modo de preparo
Torta
Bata no liquidificador o leite condensado, os ovos, a castanha do pará e metade da ricota. Fora do liquidificador incorpore o restante da ricota, o amido de milho, a baunilha e o açúcar. Asse em forma redonda de 20 cm de diâmetro untada com manteiga e forrada com papel manteiga.
Asse em banho maria à 160oC por cerca de 40 minutos.

Ingredientes
Compota dourada de caju
8 unidades de caju fresco
2 xícaras de açúcar
1 1/2 xícara de água
Suco de 2 limões cravo

Modo de preparo
Compota dourada de caju
Descasque os cajus conservando as castanhas. Amasse-os entre os dedos extraindo um pouco do suco, reserve os cajus e o suco, e regue-os com o suco de limão. Caramelize metade do açúcar, junte a água e o açúcar restante e leve ao fogo brando fervendo até reduzir à 2/3. Junte os cajus com o suco à calda e cozinhe por cerca de 30 minutos, ou até bem macios. Deixe esfriar e conserve-os imersos na calda. Use-os para decorar a torta.

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