Retratos

Por Mariana Gonzalez, em Colaboração Para Marie Claire

Laura* tem 37 anos, está casada há 20, quer engravidar em breve, mas não sabe quando e se será possível aumentar a família – não por alguma questão de fertilidade sua ou do marido, mas porque ele está detido em uma penitenciária federal, onde qualquer contato físico com os presos está proibido desde 2017.

Há cinco anos, detentos não podem receber visitas íntimas ou mesmo visitas comuns. Há crianças que nasceram nesse tempo e só conhecem seus pais ou avôs à distância, porque a única modalidade de visita permitida é no parlatório, onde um vidro separa presos e familiares, que só podem conversar usando um interfone – que, muitas vezes, tem ruídos e volume baixo, o que dificulta a comunicação.

Algumas das crianças são surdas, portanto não conseguem se comunicar pelo aparelho, outras são hiperativas e, ao ver o pai do outro lado, ficam nervosas e começam a bater no vidro.

São quase 700 famílias de homens detidos no Sistema Penitenciário Federal – atualmente, não há mulheres cumprindo pena em unidades federais – proibidas de abraçar e beijar seus entes queridos desde 2017, quando as visitas foram suspensas por decisão de uma portaria do Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

Mas esse cenário pode mudar a partir desta quinta-feira (9), quando o Supremo Tribunal Federal julga uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) que questiona a legalidade dessas restrições.

Organizações que a encabeçam alegam que a proibição das visitas viola uma série de direitos dos presos, além de punir por consequência seus familiares, inclusive as crianças, que “não podem ser herdeiras das penas dos pais”, defende a advogada Flávia Fróes, presidente do Instituto Anjos da Liberdade.

Para ela, a visita social é um direito dos familiares, especialmente dos filhos, e a visita íntima é um direito também das mulheres. “O que está em jogo não é apenas o direito dos detentos, mas o direito das famílias e das crianças”, afirma.

Visitas são fundamentais para ressocialização

Em presídios comuns, as visitas sociais podem acontecer uma vez por semana, quando detento e familiares, inclusive crianças, podem se encontrar em um pátio por até três horas, monitorados por câmeras de segurança e agentes penitenciários que circulam pelo espaço.

Neste formato, eles podem se abraçar, conversar, compartilhar refeições e brincar com as crianças. Já as visitas íntimas podem acontecer uma vez por mês, por até uma hora, desde que cumpridos uma série de requisitos, por exemplo a comprovação de casamento ou união estável.

Enquanto isso, nas unidades federais, desde a publicação da portaria, em 2017, as visitas íntimas estão totalmente suspensas e os presos só podem receber visitas em dias de semana, em horário previamente agendado, e no parlatório, se comunicando através de vidro e interfone.

“Não existe ressocialização sem a família. E não dá para manter uma convivência familiar através de um vidro”, diz a advogada Flávia Fróes.

A Defensoria Pública da União também defende o direito de presos e familiares: em manifestação anexada à ADPF, o órgão afirma que “a visita com contato físico representa o principal momento de humanização do interno” e que as visitas íntimas também são fundamentais, porque, para além do prazer sexual do interno ou do familiar, “permitem a exteriorização de tudo aquilo que a pessoa costuma reprimir na presença de outras pessoas, como o choro e manifestações de carinho ou temas sensíveis do dia-a-dia, que integram a intimidade”.

Marie Claire teve acesso ao parecer de psiquiatras e psicólogos jurídicos que, a pedido do Instituto Anjos da Liberdade, entrevistaram 28 familiares de 26 internos e constataram que, após a privação das visitas, em 2017, houve aumento de tratamentos com medicações psiquiátricas, tentativas de suicídio e diagnósticos de transtornos mentais tanto nos detentos quanto em familiares mais próximos, como expostas e filhos.

“A privação de contato social físico e familiar constitui fator de risco para o adoecimento mental e comportamento suicida de internos do Sistema Penitenciário Federal”, afirma o parecer, que identificou menções a suicídio e automutilação em pelo menos cinco prontuários analisados.

Os profissionais afirmam ainda que a restrição dos contatos íntimos e sociais sem toque físico dificultam a possibilidade de ressocialização.

Medidas vão contra tratados internacionais

A ação pede, especificamente, que o Supremo considere inconstitucionais os três primeiros parágrafos da Portaria 718, publicada em 2017 pelo Ministério da Justiça e que regulamenta a visita íntima no interior das penitenciárias federais, proibindo o contato físico dos presos com outras pessoas, usando a segurança como justificativa, uma vez que, em teoria, essas penitenciárias deveriam abrigar presos mais perigosos. Mais tarde, em 2019, a portaria foi ratificada pelo então ministro Sergio Moro, que tornou as regras ainda mais rígidas.

Segundo Flávia Fróes, a portaria foi publicada em 2017 como forma de retaliação a assassinatos de agentes penitenciários que ocorreram no Paraná, por ordem de uma liderança da facção detida na Penitenciária Federal em Catanduvas. “Os responsáveis foram denunciados, julgados e condenados, mas todos os presos de penitenciárias federais do país foram punidos, assim como seus familiares”, explica.

A proibição das visitas se soma a uma série de medidas muito rígidas de tratamento aos homens detidos em unidades federais, como o recolhimento em cela individual, sem contato com outros presos; apenas duas horas diárias de banho de sol; e monitoramento de todos os meios de comunicação, inclusive cartas.

“Eles vivem totalmente isolados, em celas com portas que parecem de masmorras, sem acesso a jornais, TV ou qualquer notícia de fora. Não tem como imaginar que tirar o convívio familiar vai ser bom para a segurança pública. Quando você tira de uma pessoa a humanidade –o direito de abraçar um filho, beijar a esposa– nada bom pode sair dali”, critica a advogada.

As organizações que propõem a ação alegam que as medidas não condizem com a Constituição Federal, uma vez que viola direitos fundamentais estão em desacordo com tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de San José da Costa Rica (1992) e as Regras de Mandela (2015), que definem que os prisioneiros devem ter permissão de comunicarem-se periodicamente com seus familiares e amigos por meio de correspondências, telecomunicações, meios digitais e visitas presenciais.

Esse quadro é ainda mais grave considerando o perfil dos internos das penitenciárias federais, argumenta a Defensoria Pública da União na ADPF.

Por lei, devem ser detidos em unidades federais presos cujas penas se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, mas, na prática, “não são raras as vezes em que a Defensoria Pública da União depara-se com internos que lá se encontram sem qualquer razão que justifique a sujeição ao regime de exceção”, afirma o órgão.

Ou, nas palavras de Flávia, “não é só chefão do tráfico que está no presídio federal; tem muito cara de terceiro escalão que foi parar lá porque teve uma briga qualquer no presídio comum”.

Para se ter uma ideia, a Penitenciária Federal de Campo Grande, uma das maiores do país, tinha 149 internos em fevereiro de 2020, mas, de acordo com o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), 53 deles não tinham perfil descrito em lei para estar numa unidade federal –ou seja, mais de um terço deles deveria estar em um presídio estadual comum, que não submete os presos à privação de visitas.

*O nome foi protegido a pedido da fonte

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