Política
Por , redação Marie Claire — São Paulo (SP)


STF volta a julgar descriminalização do porte de drogas para consumo próprio — Foto: Carlos Humberto/SCO/STF
STF volta a julgar descriminalização do porte de drogas para consumo próprio — Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

O julgamento que pode descriminalizar o porte de drogas para consumo próprio voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (6), após seis meses de paralisação. A Corte já formou maioria de 5 votos a 3 a favor da descriminalização. O julgamento foi paralisado novamente, a pedido do ministro Dias Toffoli. Se acompanhada de uma política de reparação efetiva, o novo entendimento da Corte poderia sanar uma ferida aberta, sobretudo, para a população negra – que é mais encarcerada do país pelo crime de tráfico, por vezes de maneira arbitrária. As mulheres pretas e pardas não estão isentas dessa realidade.

Desde 2015, a Corte julga se o Artigo 28 da Lei de Drogas (nº11.343/2006), que criminaliza o porte sem distinguir a figura do usuário e do traficante, é constitucional. Certos pontos da descriminalização do porte de drogas poderiam, em tese, mudar a vida de mulheres encarceradas, mas também as familiares de homens encarcerados pelo crime injustamente ou que precisam recorrer à compra ilegal para garantir uso medicinal aos filhos, por exemplo.

Se o novo entendimento da Corte for favorável, poderia respaldar essas mulheres de diversas maneiras, segundo especialistas ouvidas por Marie Claire. No entanto, elas apontam que a falta de clareza e a ausência de discussão sobre políticas de reparação tornam esse resultado incerto.

Como descriminalização do porte de drogas pelo STF impacta mulheres negras

Há um duplo julgamento que as atinge quando são usuárias. É o que diz Juliana Gonçalves, mestre em políticas públicas integrante do Observatório da Branquitude, que analisa as desigualdades de gênero e raça no país. “Pela questão de raça, mas também por irem contra um modelo normativo da sociedade”, diz.

Ou seja, um entendimento moral de que droga não é “coisa de mulher”.

Para a especialista em políticas públicas, esse julgamento transcende o nível social: ele também é replicado pela polícia – ao infringir direitos durante as revistas, por exemplo, ao negar que ela seja feita por uma oficial mulher – e também pelo judiciário – que é quem vai determinar se a quantidade que ela portava encaixa na de tráfico ou de uso pessoal.

Entretanto, não são todas as mulheres abordadas com maconha que são usuárias. “Há um cenário de mães que precisam fornecer óleos canábicos para fins de saúde terapêutica aos filhos. Por ser um medicamento restrito e caro, acabam recorrendo às bocas atrás do prensado”, diz Gonçalves.

No cenário criminal, poderia tanto avaliar o sistema carcerário – com a diminuição de penas e do encarceramento em massa de mulheres negras –, mas prover justiça a grupos da sociedade civil, majoritariamente formados por mulheres, que cobram a Justiça brasileira pela soltura de seus filhos, maridos e outros homens encarcerados por porte de drogas.

Há impactos além do desgaste físico e emocional gerado pelo encarceramento, já que essas mulheres acabam ainda mais sobrecarregadas: seja com funções ligadas ao trabalho doméstico e de cuidado, seja pelo equilíbrio entre visitas às penitenciárias e jornadas mais intensas ligadas ao trabalho remunerado – já que, com a prisão do homem chefe de família, algumas perdem o provedor financeiro da casa.

“Temos ainda casos de mulheres que têm um homem da família encarcerado, recebendo ameaças ou que acumulam dívidas, e, por isso, precisam levar maconha para dentro da prisão. Mas acabam sendo presas como traficantes, mesmo sem antecedentes criminais e com quantidades pequenas. Algumas, grávidas, que teriam o direito de responder essa pena em liberdade”, aponta Gonçalves.

No entanto, também existem as mulheres que precisam recorrer ao tráfico ilegal de drogas e que não serão contempladas pelo novo entendimento do STF. Nestes casos, a advogada criminalista Priscila Pamela dos Santos, diretora do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e presidente da Comissão Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), aponta que o perfil é de mães solo, pretas e periféricas.

Sem oportunidades no mercado formal e legal e com dificuldade em acessos sociais, elas recorrem ao tráfico para prover aos filhos. No mercado ilegal, adquirem funções que vão de embalar e guardar a droga até o de transporte das substâncias para outros países (função conhecida como “mula”).

“Talvez a gente não consiga ter um impacto de revisão das penas das mulheres”, opina a socióloga Nathália Oliveira, conselheira da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e cofundadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, primeira organização negra do país que busca justiça racial por meio da reforma de política de drogas.

“Caso os juízes entendam que a circunstância não era para uso, e sim para mercância ou outras condutas previstas dentro da lei de drogas. Isso vai depender de como o entendimento da Corte vai embasar a interpretação do judiciário.”

68% das mulheres encarceradas por tráfico no Brasil são negras

Por mais que, em tese, a lei tenha deixado de prever uma pena em prisão – dando lugar a serviços comunitários, multas e comparecimento a curso educativo –, o contrário ainda acontece em grandes níveis; e atinge de forma desproporcional a população negra e pobre.

O tráfico de drogas é o motivo de prisão de 23% de toda população encarcerada brasileira, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), sendo que 68% são pessoas negras, analisa o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Por mais que os homens correspondam a mais de 80% de prisões ligadas ao tráfico, 68% do contingente total de mulheres encarceradas no Brasil cumprem pena por esta razão. A maioria, negras, segundo a Infopen Mulheres.

Em grande parte das vezes, segundo especialistas ouvidas por Marie Claire, de maneira arbitrária: pessoas pretas e pardas têm duas vezes mais chances de se tornarem réus por tráfico do que as brancas; são mais abordadas por "atitude suspeita"; detidas com menor quantidade de drogas e absolvidas com menos frequência.

No Brasil, pessoas pretas e pardas têm duas vezes mais chances de se tornarem réus por tráfico do que as brancas; são mais abordadas por "atitude suspeita"; detidas com menor quantidade de drogas e absolvidas com menos frequência.

"As pessoas abordadas são de bairros periféricos e negras, que são sempre vistas como traficantes. Ao contrário das brancas em bairro nobre, que são lidas como usuárias e passam por penas alternativas", afirma Juliana Gonçalves.

Essa descrição foi reconhecida pelo ministro Alexandre de Moraes ao conceder seu voto favorável: “Os jovens, em especial os negros (pretos e pardos), analfabetos, são considerados traficantes com quantidades bem menores de drogas, maconha ou cocaína, do que os maiores de 30 anos, brancos e portadores de curso superior.”

"Há um alvo apontado para as pessoas negras, que são vistas como elementos suspeitos e abordadas pela polícia diversas vezes. Com o julgamento, teríamos um impacto nessa realidade", pondera Gonçalves.

Pouca margem para mudanças efetivas

Por mais que enxergue o entendimento do STF como um avanço, Priscila Pamela dos Santos diz que não enxerga tantos avanços reais.

Sua visão está relacionada à falta de consenso da Corte sobre a quantidade que se pode portar, mas mais ainda, porque vê que o tribunal parecer ter optado por descriminalizar uma droga mais “simpática” para a população: a maconha. "Justificam que o argumento jurídico para isso é o recurso, que se baseia no caso de uma pessoa que seria presa com maconha. Mas o que se discute é a descriminalização de entorpecentes, não só da maconha. É um erro absurdo", analisa. "O menino negro que for pego com 1,7g de cocaína vai continuar preso como traficante. O branco, não."

"Mesmo que fique fixo no caso da maconha, acho um passo importante para buscar como se alinhar às leis de outros país, ainda que tardiamente”, pensa Nathália Oliveira.

Com a descriminalização, ela avalia que pode existir um aumento de incentivo e financiamento de pesquisas sobre propriedades terapêuticas, além da possibilidade de revisão de pena para quem está encarcerado ou responde a processos de tráfico, enquadrados dentro dessa quantidade estabelecida pela Corte. "Mas isso depende do entendimento dos ministros. Tem a expectativa versus a realidade."

Políticas de reparação

Para Oliveira e Gonçalves, é cedo para dizer se o novo entendimento do STF será acompanhado de uma política de reparação. Para se ter uma ideia, o Ipea estima que, se fosse descriminalizado o porte de maconha até 100 gramas (tese defendida por Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF), até 51% dos presos por tráfico de drogas no Brasil poderiam ser soltos.

Mas o porte é a ponta do iceberg para se pensar numa nova política de drogas no Brasil. Oliveira chama atenção ao fato de que a lógica que sustenta uma dita guerra às drogas (que chancela a militarização dos territórios periféricos e causa impactos diversos nas populações que vivem nas favelas brasileiras) sequer foi colocada em discussão pela Corte.

O mesmo vale para assuntos como regulamentação, postos de venda legalizados, políticas públicas e o que deve acontecer com as pessoas que estão atualmente presas.

Juliana Gonçalves cita, por exemplo, a necessidade de uma política de anistia em massa, como ocorreu com presos políticos da ditadura militar. "O ideal é que a gente produza uma regulamentação da cannabis para exploração de toda sua totalidade, alinhado a uma perspectiva pública comprometida com a produção de direitos de reparação efetiva da população negra por direito”, diz.

Um exemplo: em Nova York, onde a maconha foi legalizada em 2021, foi estipulado que 50% da mercadoria seja vendida por negros, mulheres e pessoas que foram condenadas por uso e venda da planta – que tiveram a vida impactada pela criminalização. "Temos que pensar em políticas de reparação tanto para essas pessoas que estão presas quanto para os territórios, para que o avanço desses debates não favoreça as pessoas brancas", acrescenta Gonçalves.

Mais recente Próxima Brasil assina acordo para elevar a participação das mulheres no setor exportador e diminuir a desigualdade de gênero
Mais do Marie Claire

Torres é sócia de cinco estabelecimentos na capital paulista incluindo A Casa do Porco

Janaina Torres, melhor chef mulher do mundo, se casa em São Paulo; veja o menu do casamento

Em conversa com Marie Claire, surfista conta como está trabalhando duro para construir sua própria carreira; ela também exalta a relação com Gabriel Medina e revela seus cuidados de beleza. Ela e o protetor solar formam uma dupla imbatível

Sophia Medina sobre comparações com o irmão, Gabriel: 'Quero escrever minha própria história'

Para a influenciadora digital Isabella Savaget, 22, o transtorno alimentar era uma forma também de se encaixar em um padrão social, uma vez que pessoas sem deficiência também podem ter a condição

'Com a anorexia nervosa, eu arrumei um jeito de ter controle de alguma parte de mim', diz jovem com paralisia cerebral'

Descubra como os perfumes para cabelo podem transformar a rotina de autocuidado. Reunimos 6 opções a partir de R$ 20 para deixar os fios perfumados e radiantes

Perfume para cabelo: 6 opções para deixar os fios mais cheirosos

Conheça 12 hidratantes faciais disponíveis no mercado de skincare, com fórmulas que oferecem desde hidratação profunda e combate a linhas finas até proteção contra danos ambientais, garantindo uma pele saudável e radiante.

Hidratantes Faciais: 12 opções para aprimorar a sua rotina de skincare e manter a sua pele radiante

De chapéu country a bota texana, lista reúne roupas e acessórios para quem deseja imprimir estilo durante os eventos. Preços variam de R$ 28 a R$ 258 em lojas online

Look country feminino: 7 opções para ter estilo e conforto nos rodeios

Nesta produção documental da Max, público assiste aos momentos pré e pós retomada do estilista no posto de criativo da marca Herchcovitch;Alexandre

Para assistir: documentário revisita carreira de Alexandre Herchcovitch e o retorno do estilista à própria marca

A maranhense Karoline Bezerra Maia, de 34 anos, é considerada a primeira quilombola a tomar posse como promotora de Justiça. A Marie Claire, ela conta sua história com o quilombo de Jutaí, onde seu pai nasceu e cresceu, além da sua trajetória no mundo da advocacia que a levou a desejar um cargo público

'Após passar por desafios financeiros e psicológicos ao prestar concursos, me tornei a primeira promotora quilombola do Brasil'

A dupla de acessórios trend do momento tem um "apoio" de peso, como das famosas Rihanna e Hailey Bieber, e tem tudo para ser a sua favorita nesta temporada; aprenda como produzir um look usando as peças

Disfarce ou estilo? Usar lenço com boné virou trend; aqui estão 6 combinações para te inspirar

Atriz falou sobre o que a motiva a manter o foco em rotina de exercícios físicos, entregou o que a fez a voltar às novelas após 6 anos afastada da TV e comentou semelhanças entre o Festival de Parintins e o Carnaval carioca em entrevista exclusiva a Marie Claire

Viviane Araújo avalia uso de Ozempic para perda de peso: 'Cada um busca sua forma física como acha melhor'