A França passa por um verdadeiro terremoto no cenário político, por causa da reforma da Previdência. É estranho que em meio a tantos assuntos de primeira ordem, uma entrevista seguida de fotos tenha causado tanta polêmica.
Marléne Schiappa, secretária de Estado, posou para fotos e foi entrevistada pela revista Playboy --embora a publicação seja conhecida pela nudez, de acordo com as imagens que já vazaram, a secretária aparece vestida. A revista deve sair na quinta-feira (6), mas as críticas não esperaram --inclusive de companheiras do governo.
Schiappa se posicionou publicamente em uma rede social afirmando que defende o direito da mulher de fazer o que quiser com o corpo em qualquer lugar e a qualquer momento: "Na França, as mulheres são livres, não importa se isso incomoda os retrógrados e os hipócritas".
Ela tem 40 anos e, antes de ser política, era escritora e publicou livros sobre os desafios da maternidade, saúde da mulher e gravidez. Em 2010, publicou uma obra reunindo dicas de sexo. Em 2018, quando era ministra dos Direitos Iguais, Schiappa conseguiu aprovar leis para tornar ilegal o assédio na rua.
A oposição acusou o governo de “cortina de fumaça”. A questão é: para quem? O incômodo com a pose e a entrevista concedida tem origem no machismo de quem se incomoda, de direita ou de esquerda.
Em tempos de crise ninguém pede aos homens para deixarem de lado suas partidas de futebol para lamentarem sobre a perda de empregos crescente. Nunca vi cobrarem o celibato de homem nenhum em tempos de vacas gordas ou magras. Também, nunca vi nenhum homem ser cancelado porque concedeu uma entrevista a qualquer meio de comunicação, por mais questionável que possa ser.
Ou seja, a polêmica em torno da entrevista de Marléne tem a ver com o controle sobre o corpo de uma mulher que, ao escolher o caminho da vida pública, virou propriedade do público.
Tratando a sexualidade de uma mulher como algo passível de ser publicamente discutido e aprovado, ou não, (mais uma vez) a sociedade nos retira o direito de individualidade e de exercitarmos os nossos direitos --que não são individualistas--, alguns dos pilares da nossa democracia, já tão limitada.
A sexualidade da mulher sempre foi retratada como algo impuro e repugnante, podemos ser Maria Madalena ou a Virgem Maria, nunca as duas. A primeira-ministra Elisabeth Borne disse a Schiappa que a decisão "não foi apropriada, especialmente no período atual". Sandrine Rousseau, parlamentar do Partido Verde, também questionou a ministra.
Toda figura pública está sujeita a ser criticada por seus posicionamentos, é o ônus inevitável da notoriedade, porém, os argumentos devem ser referentes à posição política do governo que Marlene representa. É preciso banir o machismo --ainda que elea venha das próprias mulheres-- do exercício da política. É preciso que nos critiquem pelo viés do pensamento para que tenhamos a dignidade de nos defender no plano das ideias.
* Isa Penna é advogada, ativista pelos direitos das mulheres e foi deputada estadual de São Paulo entre 2019 e 2023