![Gabriela Prioli lança novo livro, 'Ideologias' — Foto: Iude Richele](https://cdn.statically.io/img/s2-marieclaire.glbimg.com/Fly4edXh_EaoslfR9XdBmyxwnYk=/0x0:4095x6143/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_51f0194726ca4cae994c33379977582d/internal_photos/bs/2022/k/i/BzOmDFQOya1Ao2gucB6A/image00002.jpeg)
Gabriela Prioli levava uma carreira próspera como advogada criminalista, sócia de um dos maiores escritórios do país, Toron, Torihara e Szafir, e professora de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Até que sua vida deu uma guinada, quando, em 2020, largou a advocacia e aceitou o convite para ser comentarista na CNN. Habituada à retórica do debate pela atuação no direito penal, sentiu-se confortável e desempenhou com naturalidade a função na televisão.
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A partir daí, a notoriedade veio a galope. Hoje são mais de três milhões de seguidores em suas redes sociais e quase um milhão de inscritos em seu canal no Youtube. Ainda comanda o programa de entrevistas À Prioli, na CNN, e a terceira edição do seu Clube do Livro, em parceria com Leandro Karnal, pelo qual já passaram mais de 20 mil alunos.
Após o sucesso do best-seller Política para todos (ed. Cia das Letras, 272 pp., R$ 39,90), lançado em 2021, a advogada e apresentadora - que também está grávida de 9 meses - lança seu segundo livro, Ideologias (ed. Cia das Letras, 232 pp., R$ 59,90). A obra explica de maneira didática quem são e o que pensam os liberais, os conservadores e os socialistas.
![Livro 'Ideologias', de Gabriela Prioli — Foto: Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-marieclaire.glbimg.com/Z12_OvjIgcXUYLDmwNIG_qeXl-8=/0x0:2800x4200/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_51f0194726ca4cae994c33379977582d/internal_photos/bs/2022/w/O/iS8o12ToKAV22BBi9ZXw/ideologias-capa.jpg)
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
MARIE CLAIRE De onde veio a ideia de escrever o livro 'Ideologias'?
GABRIELA PRIOLI De uma discussão em sala de aula, em 2020. Meus alunos, depois de certas aulas, vieram me dizer que tinham gostado de ideias de determinados autores, mas ficavam incomodados quando se identificavam com liberais ou socialistas. Com esse livro quero explicar que essas macro ideologias têm nuances e se comunicam, essas ideias são criadas a partir de determinado contexto histórico. É natural que elas mudem, que combinemos diferentes ideias. Não precisamos ter medo de um nominho, precisamos entender o que ele significa. Não quero que ninguém sinta vergonha ou medo de ler um autor e dizer que concordou com ele, mas que se sintam confortáveis e tenham confiança para expor o que acreditam.
MC Vivemos um momento de intensa violência política, em especial para as figuras públicas femininas. Queria que você contasse o pior episódio de violência pelo qual você já passou, e como lida com isso.
GP O pior episódio que já passei foram os ataques decorrentes da postagem de [Jair] Bolsonaro, pouco antes do primeiro turno das eleições. Essa é uma técnica utilizada por parcela da extrema-direita, conhecida fora do Brasil como apito de cachorro. Jogam luz no alvo, a militância entende o recado e vai para cima da pessoa. Recebi diversas ameaças, mas sou mais protegida do que várias pessoas que não podem contar com a estrutura que eu tenho. Estava grávida de quase 8 meses, num momento mais frágil. Mas lido com isso sabendo que não posso esmorecer. Só me faz ter mais convicção para combater aquilo que considero mais nefasto: a violência. É preciso combatê-la por aquelas pessoas que não têm a estrutura de proteção que eu tenho.
MC Você se considera uma pessoa de esquerda, centro ou direita?
GP Adoro essa pergunta, porque todo mundo tenta. Nunca me auto identifiquei politicamente por uma questão estratégica. Se eu me atribuir um rótulo, muitas pessoas vão deixar de me escutar. É uma opção para furar minha bolha e atingir mais pessoas. As pessoas podem ler Ideologias e depois dizer se me consideram de centro, direita ou esquerda.
MC E o que que pensa sobre os resultados dessas eleições presidenciais? O que podemos esperar do governo Lula?
GP O resultado precisa ser respeitado, esse é o principal. Espero do governo Lula a materialização do compromisso de uma frente ampla, que foi divulgada durante a campanha. Espero essa amplitude de ideais e propostas.
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MC Acha que o bolsonarismo terá força ainda no futuro do país? Qual o saldo das eleições, quais forças políticas saíram mais fortes e mais fracas destas eleições?
GP O bolsonarismo continua como força política, vimos isso nos resultados apertados das urnas. Justamente por isso acredito que o governo Lula deva concretizar o projeto que divulgou durante a campanha, para que possamos aglutinar mais gente dentro do campo democrático, no qual certamente haverá divergências. O que a gente vai ter de desafio para o futuro é uma disputa de lideranças mais pra frente: vamos ter de pensar numa sucessão no campo de Lula e aposto em um cenário de disputa dentro do bolsonarismo.
Nas mid terms americanas, [Donald] Trump não teve a força que imaginavam, portanto a posição de extrema direita se enfraqueceu. As pessoas optaram por nomes mais moderados. Aqui, Bolsonaro perde e fica pela primeira vez sem cargo público. Temos duas lideranças em colégios eleitorais muito importantes, [Romeu] Zema em Minas e Tarcísio de Freitas em São Paulo, que podem se apresentar como possibilidades de direita moderada, e podem ser uma pedra no sapato do Bolsonaro. Temos que ver como vão se resolver internamente.
MC Você enxerga o bolsonarismo como uma ameaça à democracia?
GP Enxergo o bolsonarismo como ameaça à democracia até porque o bolsonarismo se apresenta declaradamente como tal. Em diversas oportunidades Bolsonaro falou abertamente sobre isso, enalteceu a ditadura militar, fala de enfraquecer o judiciário e o Supremo Tribunal Federal. A prova mais cristalina é a colocação em xeque sem nenhuma prova dos resultados das urnas, e uma contestação completamente oportunista, que se refere apenas àquela eleição que eles perderam.
O sistema eleitoral é válido para eleger o PL, que é a maior bancada do Congresso Nacional, para eleger muitos aliados para o Senado, para eleger os governadores que mencionei. Mas em relação à Presidência, a única eleição desfavorável a ele, Bolsonaro reitera o questionamento do sistema eleitoral que ele já faz desde que ocupa a cadeira. Não tem como dizer que o bolsonarismo não é uma ameaça à democracia se temos um monte de gente em nome dele questionando os resultados e pedindo intervenção militar. São eles que dizem, não sou eu.
MC Como advogada criminalista e apresentadora, de que forma você avalia a coberta midiática da operação Lava Jato?
GP Eu particularmente tenho críticas à atuação da imprensa durante a operação Lava Jato. Compreendo em alguma medida porque talvez faltasse conhecimento técnico para uma avaliação melhor. Tivemos um movimento de criminalização da política da qual a imprensa faz parte, mas não é a única culpada. Vemos inclusive lideranças políticas propagando isso.
O combate à corrupção é uma iniciativa fundamental, então a Lava Jato é importantíssima. Esquemas foram provados, dinheiro foi devolvido aos cofres públicos, pessoas foram condenados. Mas a Lava Jato cometeu diversas ilegalidades. Sob o pretexto de combate à corrupção, na condução da Lava Jato, tanto por parte do juiz Sergio Moro, quanto por parte dos procuradores, houve um desvio da formalidade do processo penal.
A justificativa era de que um fim pretensamente nobre justificaria todos os meios. Isso desestrutura a operação, porque no futuro temos várias anulações e decisões que fazem com que aquilo que parecia avanço seja desconstruído porque estruturado em bases absolutamente frágeis e ilegais. E também é um contrassenso porque você não pode trabalhar pelo cumprimento da lei se desviando da lei. A lei vale para todos, inclusive para juízes e procuradores. Essa crítica não existia, a imprensa comprou uma versão da narrativa e encampou de forma acrítica por muito tempo, e difundiu uma mensagem de criminalização da política que é extremamente prejudicial porque generalizante.
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MC Você estudou a cracolândia de São Paulo em seu mestrado. Qual a sua opinião sobre a chamada “guerra às drogas”? Você defende a legalização das drogas?
GP Defendo a descriminalização principalmente da conduta do usuário de drogas. A descriminalização das drogas pode ser uma boa proposta já que a criminalização não tem produzido efeitos positivos desde que foi implementada. Mas acho que talvez a gente não esteja pronto ainda, no sentido de maturidade política, então precisa de um movimento do Congresso Nacional, e consequentemente de uma adesão da população, que é quem vota nesses parlamentares. Mas a descriminalização do usuário acho que podemos endereçar com mais facilidade. Já temos uma lei que não aplica mais pena de prisão, mas ainda temos essa conduta classificada como crime e portanto movemos nosso sistema de justiça criminal em virtude dessas ocorrências. Sistema esse que não dá conta de punir os homicídios.
Enquanto estamos prendendo um pequeno traficante e usando a polícia para dar conta de ocorrências de porte de drogas, conseguimos solucionar menos de 10% dos homicídios. Fingimos que temos segurança a partir dessa guerra às drogas, que produz ainda mais violência, mas estamos muito mais inseguros porque não conseguimos usar nosso aparato de segurança para lidar com crimes muito mais graves, como homicídios.
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MC Como foi viver a maternidade neste ano eleitoral, momento histórico do país? E o que você pensa sobre o mundo no qual sua filha chegará em breve?
GP A maternidade foi uma experiência tranquila. Tenho muitos privilégios, uma vida confortável num país em que poucas pessoas a têm. Fui um pouco demandada profissionalmente, porque foi ano eleitoral e demandavam minha participação. Talvez tivesse trabalhado um pouco menos, mas também não sei se conseguiria porque gosto de trabalhar. Cá estou dando entrevista sobre o meu livro, com 9 meses.
Espero que a gente tenha um mundo mais livre, em que as pessoas possam exercer a sua liberdade por ter a condição material para fazer isso. Espero que não tenhamos nenhum retrocesso democrático, mas isso é mais otimismo do que análise. Temos que ser otimistas porque é o que nos movimenta em direção àquilo que a gente acredita.