• Manuela Azenha
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Uma semana depois do ataque à jornalista Vera Magalhães, no último debate presidencial, foi a vez da advogada e apresentadora Gabriela Prioli ser alvo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores. E nesta terça-feira (6), a vítima foi a jornalista Amanda Klein, comentarista da Jovem Pan.

Ao ser questionado por Amanda sobre a origem do dinheiro com que membros da família Bolsonaro compraram mansões, o presidente respondeu: “Amanda, você é casada com uma pessoa que vota em mim. Não sei como é seu convívio com ele na sua casa”. A jornalista logo o interrompeu: “A minha vida particular não está em pauta aqui”.

Os episódios são exemplos recentes de um fenômeno cada vez mais comum: agressões contra jornalistas mulheres perpetuadas por Bolsonaro e seus apoiadores. Nos primeiros sete meses de 2022 foram registrados 55 ataques com viés de gênero contra jornalistas, segundo monitoramento da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Quase metade dos casos (47%) se refere a ataques à reputação e à moral, usando a aparência, a sexualidade ou traços sexistas de personalidade para ofender as mulheres jornalistas. Em 43% dos alertas monitorados pela Abraji, a vítima cobre temas políticos.

As ofensas recebidas por mulheres jornalistas no Twitter são mais do que o dobro das enviadas aos colegas homens, segundo estudo feito pela revista Azmina com a InternetLab, de 2021. As mais atacadas são as que atuam na cobertura política.

Vera Magalhães (Foto: Wanezza Soares)

Vera Magalhães (Foto: Wanezza Soares)

Vera teve que sair do debate presidencial, em 28 de agosto, escoltada por seguranças. “Nunca pensei em andar com segurança, embora já tenha sido aconselhada. Mas nesse dia temi pela claque que incluía ex-ministros de Estado e que já tinha quase provocado agressões físicas na plateia externa ao estúdio”, conta a jornalista.

Na ocasião, Vera perguntou a Ciro Gomes (PDT) sobre a relação entre a baixa cobertura vacinal do país e as fake news espalhadas por Bolsonaro durante a pandemia de covid-19, ao que o presidente contestou: "Não poderia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim, tem alguma paixão por mim, você não pode tomar partido em um debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro".

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As profissionais entrevistadas pela reportagem afirmam que a violência sofrida por elas no governo atual, incitada de forma sistemática por figuras de autoridade, é incomparável a qualquer outro período. Para elas, também é nítida a diferença de tratamento dado a profissionais homens e mulheres, que são criticadas de forma mais agressiva e, muitas vezes, com ofensas no âmbito pessoal, de cunho sexual ou quanto à aparência.

“Governos, em geral, não gostam de imprensa livre e crítica. Mas o que acontece agora é sem precedentes porque parte do presidente em pessoa, investido do cargo, e é sempre acompanhado de tentativas de fetichização da mulher jornalista, de desqualificação de sua capacidade profissional ou da imputação de propósitos obscuros no seu trabalho. Com colegas homens não funciona assim”, argumenta Vera.

Um dos casos mais notórios foi o da jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, autora da reportagem que denunciou os disparos em massa efetuados pela campanha de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Foram duas ondas de ataques. A primeira veio logo após publicar a matéria.

Patricia Campos Mello (Foto: Felipe Campos Mello)

Patricia Campos Mello (Foto: Felipe Campos Mello)

“Naquele momento, o medo era mais por minha segurança e da minha família. Ligaram no meu celular e me disseram que iam dar um murro na minha cara. Falaram que eu tinha que sair do país se quisesse proteger meu filho de 6 anos. Compartilhavam minha agenda em grupos bolsonaristas chamando as pessoas para irem me confrontar. Foi assustador. Nunca tinha sofrido nada parecido. A vida inteira sou repórter, cobri bastante conflitos, migrações, guerras. Mesmo nesses lugares super perigosos, o alvo são os civis. Foi muito estranho e triste ser alvo desse tipo de ameaça num país supostamente democrático, no meio de uma eleição, e sendo jornalista”, relata. Por orientação da Folha, passou um período de 20 dias com guarda-costas.

Em 2020 ocorreu a segunda onda, dessa vez desencadeada por um depoimento falso de Hans River na CPI das Fake News, que acusou Patricia de tentar seduzi-lo em troca de informações. A fala foi repetida publicamente por Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-RJ). Os ataques todos então passaram a conter teor sexual. “Fizeram uma montagem com a minha cara em um filme pornô, milhares de memes nojentos e mensagens horrorosas, ameaças de estupro. Muita gente compartilhou isso, vereadores, deputados”, conta a jornalista.

“Você acorda e pensa: o que será que vai acontecer hoje? Qual a mentira que vão espalhar? Qual o ataque sexista? Você vive sobressaltado. Era uma quantidade tão brutal de foto pornográfica, me ameaçando de estupro, que eu nem olhava mais as redes sociais. Pedia para amigos me avisarem se tinha algo que eu deveria encaminhar pra polícia. Quanto mais você olha, mais se intoxica. É o pior das pessoas que vem à tona, e ainda incitados por autoridades”, continua.

Juliana Dal Piva (Foto: Mauro Figa)

Juliana Dal Piva (Foto: Mauro Figa)

A jornalista do UOL Juliana dal Piva, autora de uma série de reportagens com denúncias contra a família Bolsonaro, inaugurou uma nova rotina para tentar se proteger dos ataques que sabia que viriam após lançar o último episódio do podcast “A vida secreta de Jair”, nessa segunda-feira (5).

Ela contratou uma jornalista amiga para administrar suas redes, monitorar e tirar prints de ameaças e ofensas - a maior parte de cunho sexual e misógino. “Vou mandar tudo pra minha advogada, pedir judicialmente a identificação de todos e pretendo processar também. Mas só vou ver o detalhe disso com quem está cuidando para mim mais tarde. Estou tentando não olhar para me concentrar e conseguir trabalhar”, contou.

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Juliana já fechou os perfis em redes sociais em outras ocasiões, mas diz que por ora não pretende fazer isso: “Recebo muita informação e contatos importantes por lá. Sair seria aceitar a intimidação”. Como medidas de segurança, a jornalista nunca posta imagens de onde está e nem com familiares. Em 2021 chegou a passar três semanas fora do Rio de Janeiro, onde vive, após ser atacada pelo advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef. Com relação ao trabalho, optou por priorizar grandes reportagens e publicar menos no dia a dia. Também evitou cobrir campanha de rua de candidatos neste ano.

“Antes do governo Bolsonaro, nunca tinha tido a minha integridade física ameaçada por conta de uma reportagem ou pelo meu trabalho em si. O comportamento do presidente em relação à imprensa passa uma imagem que ‘autoriza’ e até encoraja essa situação junto aos apoiadores dele. Há um extremo desrespeito ao nosso trabalho que é até inspirado no que Donald Trump, ex-presidente dos EUA, fazia por lá. Acredito que seja parte de uma estratégia política. Problemas aconteceram em governos anteriores, mas é inegável o tanto que é pior agora. Não tenho nenhuma lembrança, por exemplo, de um candidato à presidência ofender uma jornalista ao vivo em rede nacional durante um debate”, opina Juliana.

Daniela Pinheiro (Foto: Divulgação)

Daniela Pinheiro (Foto: Divulgação)

Faz três anos que a jornalista Daniela Pinheiro, ex-editora-chefe da revista Época, não pisa no Brasil. Em 2019, a semanal publicou uma matéria em que o repórter João Paulo Saconi fez sessões de terapia com a psicóloga Heloisa Bolsonaro, casada com Eduardo Bolsonaro. A repercussão da reportagem foi avassaladora. O ápice dos ataques foi quando compartilharam no Twitter a foto da filha de Daniela, então com 8 anos.

Após o episódio, a jornalista pediu demissão da Época e saiu do Brasil à convite da Reuters com uma bolsa para estudar em Oxford, na Inglaterra. Depois mudou-se para Portugal, onde vive até hoje. Não tem planos de voltar ao Brasil.

“Fiquei dois anos sem escrever nada depois do que passei. Comecei a escrever minha coluna no UOL quando achei que estava pronta. Você fica sempre num sinal de alerta, nunca é agradável, não dá para relaxar. Se para num lugar e alguém te olha esquisito, entra em pânico. Não é um cara com um símbolo nazista numa camisa, mas um idiota qualquer, como o que tentou dar um tiro na Cristina Kirchner, e passou despercebido na multidão. Você pensa duas vezes antes de escrever, e a auto censura é pior do que censura. Como jornalista, se isso acontece, está tudo errado, melhor não fazer. Agora me sinto melhor, mas faço outro tipo de jornalismo, fora do Brasil e mais analítico”, conta Daniela.

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“Faz quatro anos que não é novidade para ninguém que mulheres jornalistas são as mais atacadas. O que as empresas, instituições, organizações estão fazendo para mudar isso? Essas pessoas que atacam sofrem represálias ou se sentem livres para continuar? Eu diria que é a segunda opção”, argumenta. “Depois a esquerda faz ciranda, nota de repúdio. Isso não adianta nada. Tem que doer no bolso de quem faz esses ataques.”

Patrícia processou Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e o deputado estadual André Fernandes (PL-CE) por injúria sexual. Venceu em segunda instância nos três casos, mas ainda cabe recurso. Também entrou com uma ação judicial contra Allan dos Santos, que foi julgada improcedente. “O juiz achou que era liberdade de imprensa. O Allan botava minha cara e pedia para as pessoas fazerem memes pornográficos”, afirma Patricia. O processo contra Hans River ainda aguarda sentença.

“Nunca deixei de escrever ou dizer algo por medo, mas todas as vezes que vou publicar uma matéria mais complicada, que toca no cerne do bolsonarismo, paro e penso: ‘Meu deus, o que vai acontecer agora?’. Dá medo. Há 10 anos, jornalista se preocupava em ouvir todos os lados, checar documentos. Agora faz tudo isso e ainda se preocupa se vão fazer fake news com sua cara, se vão ameaçar meu filho. Isso passou a fazer parte da nossa profissão, principalmente de mulher jornalista. Não está certo isso”, declara a repórter.