Há um pouco de Ney Matogrosso, muito de Gal Costa, de Rosalía e de Maria Bethânia e um tanto mais de Frida Kahlo no apartamento novo de Sarah Oliveira, a comunicadora que você conhece da MTV e de projetos audiovisuais que ela emplacou ao longo das últimas duas décadas na TV e nos streamings. A casa para a qual se mudou em dezembro do ano passado – ela foi casada por 15 anos, e tem dois filhos, Martin, de 8, e Chloe, de 11 – é como uma nova clareira aberta em sua vida.
Objetivamente, o imóvel é bem iluminado (inclusive, ainda não há cortinas, devido à mudança recente) e desponta para uma partezinha do Parque Trianon, uma área remanescente de Mata Atlântica. Foi esse visual, aliás, que a conquistou para comprá-lo. Em um viés mais subjetivo, na sala, um ambiente aberto de uma ponta a outra, é onde Oliveira tateia novas perspectivas para a vida. Não é exagero. “Rompi tratados, traí os ritos, quebrei a lança”, rememora para a equipe de Marie Claire a música “Sangue Latino”, de Secos & Molhados, banda de Matogrosso, para, então, se posicionar sobre quanto a liberdade tem feito parte das suas elaborações cotidianas.
“É muito feminina essa frase, ir na contramão de tratados, dos esquemas. Fazer os seus próprios acordos”, analisa. “As escolhas para nós, mulheres, podem ser muito solitárias e, por vezes, são vistas como abandonos. E não são, são escolhas, assim como os homens fazem. Nesse mundo patriarcal, nós somos julgadas, a gente se julga. Mas temos que encontrar artifícios para não cair nisso.”
Sarah Oliveira nos recebeu em seu apartamento no Jardim Paulista por uma manhã inteira. A entrevista aconteceu dias depois de a comunicadora ter dado a primeira festa de aniversário – fez 45 anos – naquele lugar, celebrando com amigos. “Foi minha volta às festas, e as minhas sempre são um momento onde pessoas de diferentes mundos se encontram. Houve uma energia muito forte neste ano.” Muitos disseram que o lar já estava com a cara da moradora. “Tudo aqui tem história.”
O círculo dos afetos
A área da vitrola é uma visita ao passado familiar. “Pedi para a minha avó paterna me dar esse móvel e fiz uma boa reforma. Além de vitrola, ele também é um rádio dos anos 50”. Apoiado ao lado está um violão autografado por Chitãozinho e Xororó que ela ganhou da dupla durante as gravações do programa Viva Voz, que foi ao ar de 2010 a 2013, no canal GNT. Mais acima, uma foto do “orixá vivo” Gilberto Gil mostrando a língua, feita pela fotógrafa Flávia Montenegro, uma amiga de Sarah. Bem na entrada do apartamento, ela pendurou na parede uma ilustração do irmão Henrique César, artista plástico. Quem olha para o final da sala vê um rádio agigantado em uma pintura feita também por ele.
“O rádio é meu fundamento”, pontua a comunicadora, que fez o curso de Rádio e TV na Faap e começou a trabalhar na emissora 89 FM, a Rádio Rock, antes de se consagrar como VJ da MTV. Hoje ela tem um quadro na Eldorado FM.
Para além dos objetos enredados nesses afetos, há um de maior dimensão: a relação entre Sarah, a mãe, que é psicanalista, e a obra de Frida Kahlo. Sarah conta que, aos 11 anos, ficou fascinada pela artista mexicana pelo fato de a mãe ter feito uma tese de doutorado visitando as pinturas de Kahlo. O apego à história de dores (e da subversão delas) de uma das mulheres mais conhecidas da arte mundial se traduz em livros, quadros e cartões-postais com a figura da pintora por todo o canto.
E o caso é bem esse: presa a uma cama pela deficiência física, Frida Kahlo se libertava escrevendo e pintando sobre sua realidade, imaginando o que lhe era possível e o que não era.
Para Oliveira, a comunicação é sua ferramenta para se colocar no mundo. E é com ela que vibra em diferentes modulações, conquistando um público tão apaixonado por música quanto ela. Se ao vê-la você pensa: “Cresci assistindo a Sarah na MTV”, pode acreditar, são pelo menos três gerações com a memória do icônico Disk MTV sendo apresentado por ela de 2000 a 2006. “Além de a MTV ter sido um marco cultural, e foi uma honra ter trabalhado em um lugar tão progressista, com tantas mulheres trabalhando, tive sorte de estar naqueles anos 2000, em que bombou de audiência. Todo mundo assistia, e peguei um público de 8 anos até o de 40 anos.”
Sarah Oliveira segue enveredando pela música. Até fará uma participação especial na cinebiografia de Ney Matogrosso, dirigida pelo outro irmão, Esmir Filho. Na trama, ela será uma repórter que aborda o cantor sobre uma performance ousada que ele fez. Na empreitada pelo audiovisual, está numa temporada de gestar projetos para contar mais ao mundo sobre o momento de entendimento da liberdade em que experimenta.
Amor ao Brasil
Paulistana, como o sotaque entrega, mas sem se ater aos limites que esse adjetivo pode carregar, ela, aliás, é uma mulher de amor pelo Brasil. Sempre que pode, vai a Salvador, ao Rio de Janeiro e ao Recife, de um modo um tanto poético, agradecer por esses pontos geográficos existirem. “O Rio para mim é música; todos os shows a que fui na infância, como Paulinho da Viola e Elba Ramalho, eram no Canecão, porque tínhamos casa lá.” Do mesmo modo, se conecta à capital pernambucana por conta de um nome: Lenine. “Ele é o meu ídolo. Amo muitos artistas, mas ele foi aquele que descobri sozinha e parecia que era eu que mostrava a música dele para as pessoas do meu círculo. Por isso, ia todo ano no Carnaval vê-lo tocar.”
Na capital baiana, o elo ainda se firma pelo conhecimento das crenças afro-brasileiras, diz. A aproximação dos orixás e de outros elementos da cultura negra se deu por causa da música e se espraia em imagens dispostas no apartamento. “Há pessoas, como o Emicida, que realocam essa ancestralidade. O Marcelo D2 fez isso nos anos 90 também. E, assim, eu valorizo e louvo Oxum, sabendo que a gente está em um país com um sincretismo maravilhoso, e precisamos pelo menos entender as religiões de matrizes africanas.”