Cultura

Por Raissa Rivera


Maria Firmina dos Reis — Foto:  João Gabriel dos Santos Araújo/Reprodução
Maria Firmina dos Reis — Foto:  João Gabriel dos Santos Araújo/Reprodução

Maria Firmina dos Reis carrega o título de primeira mulher romancista do Brasil, além de ser pioneira da afroliteratura brasileira em uma época em que a abolição da escravidão ainda gerava controvérsias e revoltas em um país regido pela mentalidade colonial. Nascida na década de 1820, seu primeiro romance, Úrsula (Ed.Penguin - Companhia, 224 págs., R$ 42,90), foi publicado pela primeira vez em 1859, quase 30 anos antes da Lei Áurea decretar o fim da escravidão no país.

O que chama atenção para a obra de Maria Firmina é não só a crítica à sociedade escravocrata, mas também o fato de que, em seu texto, personagens pretas e mulheres escravizadas tinham espaço como narradoras, expondo conflitos internos e críticas à realidade em que viviam e aos senhores de escravos que regiam sua existência.

De origem pobre, Maria Firmina era filha de pai preto, João Pedro Esteves, e mãe negra alforriada, Leonor Felipa. Mãe e filha se mudaram na década de 30, quando a escritora ainda era criança, para a casa de uma tia na cidade de Guimarães, no Maranhão. A tia em questão tinha condições financeiras melhores, o que permitiu que Maria tivesse acesso a livros e aprendesse a ler e a escrever, embora tenha sido autodidata, já que mulheres não eram bem vistas estudando, trabalhando e praticando a leitura – muito menos uma mulher preta.

Os estudos fizeram com que Maria Firmina se tornasse a primeira mulher aprovada em um concurso público do Maranhão, quando pôde atuar como professora do ensino primário. Ela chegou a fundar a primeira escola gratuita mista para meninos e meninas do país, no início da década de 1880, na região de Maçaricó, em Guimarães. A empreitada durou três anos. A escola fechou as portas por ter escandalizado os moradores locais. Na mesma época, a escritora se aposentou.

Os registros de nascimento de Maria Firmina variam entre 1822 e 1825. O que se tem certeza é que ela nasceu e viveu em São Luís do Maranhão, onde publicou Úrsula pela primeira vez com o pseudônimo “Uma Maranhense”. O livro é considerado o primeiro romance abolicionista escrito por uma mulher na língua portuguesa – possivelmente o primeiro publicado por uma mulher preta na América Latina. Apesar de ter sido escrito em 1859, foi apenas em 11 de agosto de 1860 que o lançamento da obra foi anunciado no jornal A Moderação.

“Acha-se à venda na Tipografia do Progresso, este romance original brasileiro, produção da exma. Sra. D. Maria Firmina dos Reis, professora pública em Guimarães. Saudamos a nossa comprovinciana pelo seu ensaio que revela de sua parte bastante ilustração; e, com mais vagar, emitiremos a nossa opinião, que desde já afiançamos não será desfavorável à nossa distinta comprovinciana”, dizia a publicação.

Quando assumiu o cargo de professora, em 1847, ela se recusou a andar em um palanque desfilando pela cidade nas costas de escravizados, como ditava a tradição.

Anúncio de Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, sob pseudônimo “Uma Maranhense — Foto: Reprodução
Anúncio de Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, sob pseudônimo “Uma Maranhense — Foto: Reprodução

“Na ocasião, Firmina teria afirmado que escravos não eram bichos para levar pessoas montadas neles”, afirma Régia Agostinho da Silva, professora da Universidade Federal do Maranhão e autora do artigo “A mente, essa ninguém pode escravizar: Maria Firmina dos Reis e a escrita feita por mulheres no Maranhão”.

Com o trabalho e o respeito que conquistou como professora, ela conseguiu espaço para publicar suas escritas que traziam personagens pretos em destaque, narrando as crueldades que viviam no dia a dia de trabalho.

Uma de suas personagens em Úrsula, Preta Susana ficou marcada na história da literatura por expor lembranças sobre sua vida em liberdade e contar como foi traficada da África para o Brasil, algo que nunca havia sido feito antes.

Se hoje o impacto da descrição dos porões ainda revira nosso estômago, quão poderosa e impactante teria sido a fala dessa mulher no ano de publicação do romance? Além disso, Reis confere à personagem algo muito valioso: uma narrativa humana e bonita de uma pré-escravidão. Marido, filha, amigas com quem corria e ria na praia enquanto recolhia conchas. Uma África não selvagem, negação do argumento escravista”, declara Jarid Arraes no texto “Ela ousou fazer história”, para a edição 19 da revista literária Quatro Cinco Um.

Embranquecimento e resgate de sua obra

Maria Firmina dos Reis e sua escrita acabaram caindo no esquecimento com o passar das décadas, até que, em 1962, o historiador paraibano Horácio de Almeida encontrou um exemplar de Úrsula em um sebo na cidade do Rio de Janeiro. A obra foi relançada em 1975 e em 1988, além de ter tido uma reedição pela Editora Mulheres em 2004. Mesmo assim, a autora permaneceu sob anonimato para a maior parte do país.

Seu verdadeiro rosto é um mistério até os dias de hoje. Boa parte de seu arquivo pessoal foi perdido ao longo das décadas e não existem fotos dela da época. Na internet, um retrato da escritora gaúcha – e branca – Maria Benedita Borman circula como da autora maranhense. Seu busto no Museu Histórico do Maranhão também é criticado por trazer traços mais “embranquecidos”, como o cabelo liso e o nariz afinado.

Busto de Maria Firmana dos Reis inaugurado em 1975 em São Luis no Museu Histórico do Maranhão — Foto: Divulgação/Diego Emir
Busto de Maria Firmana dos Reis inaugurado em 1975 em São Luis no Museu Histórico do Maranhão — Foto: Divulgação/Diego Emir

Como parte do resgate de sua memória, Maria Firmina dos Reis é a homenageada de 2022 na Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, um dos eventos literários mais importantes do país. Ao anunciá-la, a Flip afirmou que a escolha marca o bicentenário da Independência do Brasil e o centenário da Semana de Arte Moderna: “Valoriza quem trabalha incessantemente pela palavra e por um ambiente cultural e educacional mais acolhedor, seja nos centros econômicos ou nas bordas do país”.

“As personagens e narrativas memoráveis de Maria Firmina têm inspirado coletivos de leitura, professoras e autoras contemporâneas com sua linguagem, imagens e abordagens de um Brasil real e ficcional que atravessa duzentos anos de uma independência controversa. A homenagem a Maria Firmina dos Reis reafirma o propósito da Flip de se conectar com pessoas das mais variadas origens e trajetórias para fazer o Brasil conhecer mais de si mesmo”, diz a Flip.

A obra de Maria Firmina precede clássicos da literatura abolicionista brasileira, como Navio Negreiro (1880), escrito por Castro Alves, e A Escrava Isaura (Fernando Laino Editora, 176 págs., R$ 12,98), de autoria de Bernardo Guimarães. Além de Úrsula, Maria Firmina dos Reis também é autora de “Hino à libertação dos escravos”, um de seus poemas mais famosos e presente em suas coletâneas - como Poemas Avulsos (eBook, 24 págs., R$ 3,13) e Cantos à beira-mar (Cartola Editora, 188 págs., R$ 42,90).

Ela também marcou presença em folhetins da época ao publicar contos que tinham capítulos lançados periodicamente. Entre eles estão o romance indianista Gupeva (eBook, 40 págs, R$ 1,99), publicado no jornal O jardim dos maranhenses, e o conto abolicionista A escrava (Galuba Editorial, 48 págs., R$ 19,90), lançado na Revista Maranhense.

A Escrava conta a história de uma mulher que fazia parte da elite e que tenta salvar uma mulher escravizada do trabalho forçado, mas sem sucesso. Contos à Beira Mar foi sua última publicação, em 1871, trazendo poemas abolicionistas na época. Mesmo tentando uma abordagem que pendia ao diálogo com a burguesia e levar a discussão antiescravagista à classe alta da sociedade, ela acabou caindo no ostracismo.

“Os tempos eram outros. Em 1887, a escravidão era questionada no país inteiro. Em 1859, Maria Firmina dos Reis teve que usar um tom mais brando em seu romance, pois queria conquistar os leitores para a causa antiescravista. Leitores que, na sua imensa maioria, eram da elite e provavelmente tinham escravos”, diz a pesquisadora Régia Agostinho.

Maria Firmina morreu em Guimarães, pobre e cega, no ano de 1917 e pouco se sabe sobre sua vida pessoal e o que fez em seus últimos anos, além de que adotou onze crianças, algumas delas filhas de pessoas escravizadas.

Atualmente, Úrsula já teve cerca de 30 reedições, algumas trazendo A Escrava como apêndice do livro. A autora possui uma biografia publicada por José Nascimento Morais Filho em 1975 e intitulada Maria Firmina: fragmentos de uma vida, título que ressalta a dificuldade em traçar uma linha do tempo para a vida da escritora.

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