Diário da Cozinheira

Por Carla Pernambuco

Chef de cozinha

em colaboração para Marie Claire — São Paulo

Cada um que puxe a sardinha para o seu lado; eu puxo é o bacalhau! O peixe me representa, entre pratos emblemáticos da cozinha multicultural, e me fascina, com tanta história para contar que vai além das batatas, azeitonas e cebolas que o acompanham. Em sua jornada através do tempo e da geografia do planeta, perseguido por navegadores do descobrimento, comerciantes e fiéis comensais à mesa, o bacalhau escreveu uma narrativa própria. É o que diz o jornalista americano Mark Kurlansky em sua obra de 1997, Bacalhau: a história do peixe que mudou o mundo (Ed. Nova Fronteira, 254 págs., R$ 43,20).

No livro, ele apresenta uma relação de exploradores, mercadores, pescadores e cozinheiros que tiveram seus caminhos cruzados na rota desse peixe. Segundo Kurlansky, muitos povos se lançaram ao mar, desde a Idade Média, atrás dos grandes cardumes e, nesse trajeto, foram escritas belas epopeias náuticas. Vikings, bascos, ingleses e ibéricos estavam atrás do peixe, enquanto a Europa, guiada pelo catolicismo e seus jejuns e um elaborado apetite, consumia o bacalhau às suas maneiras. O autor tempera a narrativa com detalhes culinários ligados às tradições de épocas até os nossos tempos.

A salga e a secura eram técnicas empregadas pelos bascos e vikings não necessariamente nessa ordem — acredita-se que os bascos chegaram antes a destinos reclamados pelos europeus por conta de sua busca pelo bacalhau nas águas geladas do Norte do hemisfério. O Gadus morhua, espécie do Mar do Norte, era salgado para enfrentar o longo transporte até ser comercializado e consumido. Outras espécies passavam pelo processo e carregaram consigo até os nossos dias o título de bacalhau, causando certa confusão. No Brasil, as indústrias são obrigadas a informar no próprio rótulo o nome científico das espécies de peixes utilizados para produtos salgados. Para ficar claro: Gadus morhua pode ser chamado de bacalhau, bacalhau do Porto ou Cod; o Gadus macrocephalus pode ser chamado de bacalhau ou bacalhau do Pacífico e o Gadus ogac pode ser chamado de bacalhau ou bacalhau da Groelândia.

“Há mil maneiras de fazer o bacalhau” — essa expressão costuma ser empregada quando se pretende dizer que existem inúmeras formas de resolver determinado assunto ou problema. Se o problema é como preparar a iguaria, as soluções são muitas e incluo uma das minhas, o Bacalhau à Brás do Carlota, com a receita, ao final. Como embaixadora da conceituada marca portuguesa Caxamar, desde setembro deste ano, trarei mais novidades para À Gomes de Sá, à Zé do Pipo, bacalhoada — as receitas se tornaram clássicas em nossa extensa coleção de delícias luso-brasileiras e são presença garantida nas mesas de grandes festas — a Quaresma, a Páscoa, o Natal e aquela data que pede uma refeição excepcional. É bacalhau na certa!

Grelhado, assado, desfiado, cremoso, em bolinhos, seja como for, Portugal é responsável pelo consumo de 20% de todo o bacalhau pescado no mundo, em torno de 70 mil toneladas por ano servidas à mesa dos portugueses. A Noruega é o maior produtor e 95% de sua produção é exportada — Portugal e Brasil, seus maiores compradores. No entanto, das “mil maneiras de fazer bacalhau”, precisa-se ter em conta, agora, que a espécie está em risco de extinção e medidas para a redução da captura estão sendo tomadas a fim de preservar o peixe e todas suas qualidades de iguaria.

O português Eça de Queiroz, em 1884, escreveu uma carta para seu amigo distante em que confessava: “Os meus romances no fundo são franceses, como eu sou em quase tudo um francês – exceto num certo fundo sincero de tristeza lírica, que é uma característica portuguesa, num gosto depravado pelo fadinho e no justo amor do bacalhau de cebolada”.  Somos, Eça...

Bacalhau à Brás – 6 porções

Ingredientes
900g de bacalhau limpo, dessalgado e em lascas grandes
1 cebola grande fatiada finamente
Azeite extra-virgem
10 gemas peneiradas
½ xícara de creme de leite
4 xícaras de batata palha

Modo de fazer
Doure a cebola no azeite em abundância. Junte o bacalhau e salteie.
Em um bowl, misture as gemas ao creme.
Em uma frigideira à parte, aqueça um pouco de azeite de oliva e acrescente as gemas.
Misture o bacalhau às gemas, cozinhando rapidamente para que as gemas não sequem.
Junte 2 xícaras de batata palha e misture bem. Retire do fogo e finalize com a batata palha restante. Sirva bem quente sobre um purê de batatas e acompanhado da tappenade de azeitonas pretas.

Tappenade

Ingredientes
200g de azeitonas pretas sem caroço
4 filés de anchova
2 colheres de sopa de alcaparra
1 colher de sopa de manjericão fresco picado
1/3 de xícara de azeite extra-virgem

Modo de fazer
Pique muito bem todos os ingredientes e misture até formar uma pasta. Pode-se utilizar o processador de alimentos, cuidando para não triturar demais.

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