Jules de Faria

Por Jules de Faria

Jornalista, escritora e pós-graduada em neurociências e comportamento. À frente do Estúdio Jules como consultora criativa e mãe.

Em 2015, a Pixar lançou Divertida Mente e alegrou crianças e adultos ao personificar a Alegria, o Medo, a Raiva, a Tristeza e o Nojinho que viviam na cabeça de Riley, uma menina em meio a mudanças familiares. Recentemente, a empresa lançou o primeiro trailer da continuação. A garota agora tem 13 anos e, como as mulheres podem já imaginar, uma nova emoção tornou-se o grande destaque: a ansiedade. Talvez seja o primeiro momento em que lidar com a ansiedade se mostrará fofo e engraçado. Estou, hmm, ansiosa para ver.

O motivo dessa relação tão próxima com o feminino é o modo como o mundo e a sociedade lidam com as mulheres. A sobrecarga de responsabilidades domésticas e de cuidado frequentemente recai sobre elas. A violência sexual e de gênero também cria um ambiente de insegurança que impacta profundamente a saúde mental.

Sem falar nas disparidades econômicas, incluindo a persistente diferença salarial entre os gêneros, adicionando pressões financeiras consideráveis. E não estamos falando só das adultas. Meninas da Gen Z, em particular, estão em crise de ansiedade e estresse graças à pressão nas redes sociais por corpos perfeitos.

É claro que nem todas as respostas de “luta ou fuga” que disparam seu coração são iguais. O grau e a seriedade dessa condição variam, dependendo do indivíduo, contexto, situação atual e diversos outros componentes. Mas quem já leu nem que seja um pouquinho sobre o que é viver enquanto mulher sabe que elas não estão seguras nem nas ruas (45% já tiveram o corpo tocado), nem no trabalho (76% reconhecem ter passado por pelo menos um episódio de violência e assédio) e muito menos em suas próprias casas (uma mulher é vítima de violência doméstica a cada quatro horas).

Não parece (e não é) justo que vivamos nos limites da calma enquanto a outra metade do mundo dorme como anjos. No TikTok, essa tendência aparece de forma irônica na frase frequentemente repetida de “atrás de uma mulher ansiosa, há um homem totalmente despreocupado”. Vídeos mostram mulheres atribuladas e homens em paz, talvez pensando no Império Romano.

Isso sobre a antiga Roma também se trata de um meme que ganhou matéria até no New York Times: rapazes admitiam em gravações que pensavam com muita frequência no império e suas conquistas e desavenças. “É isso que acontece quando você tem todos os seus direitos garantidos”, brinca a jovem comediante Mary Beth Barone em um vídeo de comédia stand-up. Realmente foi surpresa para todos nós, cujo tempo de lazer tornou-se escasso graças aos fardos sociais em nossos braços, inclusive o de continuar batalhando para garantir novas e manter as já conquistadas liberdades.

Falar sobre saúde mental de maneira estrutural é importante para combater estigmas que permeiam a vida de indivíduos, é claro. Mas principalmente para irmos além dos sintomas e resolvermos a raiz do problema. Chega de achar que as mulheres são naturalmente “estressadas”, “chatas” ou estão “de TPM eterna”. Elas só querem viver em segurança e, quem sabe, ter um tempinho livre para pensar no Império Romano também.

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