Se seu pequeno está a caminho e você começou a pesquisar sobre parto domiciliar, provavelmente já notou que, além de uma equipe qualificada, é preciso ter um bom preparo geral. Para isso, informação é primordial. Conversamos com a enfermeira obstetra Thais Bernardo para esclarecer os principais pontos sobre o assunto, que você confere a seguir. Ela é especialista em Saúde da Família pela Unifesp e sócia da ComMadre, onde coordena a equipe e o atendimento de pré-natal, parto domiciliar, hospitalar e pós-parto.
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1. Escolher os profissionais e formar uma equipe de confiança
Um dos primeiros pontos do planejamento para o parto domiciliar é a escolha dos profissionais que vão amparar mãe e bebê. “É primordial que a gestante escolha uma equipe técnica capacitada, com experiência em atendimento extra-hospitalar e que tenha os materiais adequados para todas as situações, incluindo emergências”, diz Thais Bernardo.
Ela explica que, em geral, essa equipe é composta por duas ou até três enfermeiras obstetras ou obstetrizes, também conhecidas atualmente como “parteiras urbanas”. “Podem fazer parte também a doula (acompanhante de parto que dá suporte físico e emocional à gestante, mas não tem função técnica no parto), fisioterapeuta pélvica e fotógrafa, se a gestante desejar”, explica a profissional.
Segundo ela, não é recomendado ter apenas uma parteira, para garantir que haja uma profissional para a mãe e outra para o bebê, em caso de intercorrências com ambos. Já a presença de um médico obstetra não é necessária, “uma vez que as enfermeiras obstetras e as obstetrizes são profissionais capacitadas para o atendimento do parto de risco habitual e primeiros cuidados com o recém-nascido”, pontua, acrescentando que o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) respalda a atuação dessas profissionais em parto domiciliar.
2. Preparar o ambiente e os materiais de casa
Se você está preocupada com a necessidade de uma limpeza específica da casa ou do cômodo onde pretende dar à luz, calma. “É preciso que esteja limpa como de costume, não tem que haver nada estéril”, esclarece Thais.
Entre os materiais requisitados previamente estão itens como lençóis absorventes descartáveis para a cama, fraldas de pano para secar o bebê e mantê-lo aquecido, aquecedor de ambiente para dias frios e piscina inflável ou banheira, caso a gestante deseje usar para o alívio das dores. Já outros equipamentos específicos são providenciados pelas profissionais, “como sonnar, materiais de sutura perineal (caso haja laceração espontânea), medicamentos para hemorragia, materiais para reanimação neonatal”, entre outros, exemplifica a parteira.
3. Observar os acessos da casa e a localização de hospitais próximos
Um ponto que complementa a preparação do ambiente e que não pode deixar de ser lembrado é a questão dos acessos à residência. Prédios sem elevador, por exemplo, podem representar dificuldades em um caso de necessidade de transferência da mulher. O mesmo vale para escadas estreitas. “Também é necessário um hospital-maternidade a no máximo 15 minutos de distância do local, para os casos de emergência”, acrescenta a enfermeira obstetra.
4. Estar preparada para emergências
Certamente, ninguém quer pensar na possibilidade de ter intercorrências, mas antecipar situações de risco é primordial para garantir que tudo saia bem. Aliado ao item anterior, vale ressaltar a necessidade de ter planos alternativos bem definidos, que Thais chama de B (transferência para o hospital sem emergência) e C (transferência de emergência).
No caso do plano B, como não há urgência, a mulher pode ser levada para um hospital mais longe, com até uma hora de distância. Já no C, o tempo de distância de no máximo 15 minutos é essencial, e é importante verificar antes as condições da instituição para saber, por exemplo, se tem anestesia e cesárea disponíveis.
Se a transferência for necessária, ela é feita preferencialmente por ambulância privada ou SAMU. “No caso da nossa equipe, trabalhamos com uma empresa de remoção que é acionada durante o parto e a ambulância permanece na porta da residência até 2 horas depois”, conta a profissional. Portanto, esse é um ponto importantíssimo a ser esclarecido previamente com a equipe escolhida.
5. Avaliar a possibilidade de deixar o/a obstetra de prontidão
Além de ter um conjunto qualificado de profissionais no parto domiciliar, vale questionar a possibilidade de ter um médico de retaguarda para os casos de transferência. “Assim que saímos da residência, a médica também se desloca para o hospital e nos aguarda para assumir o cuidado da gestante no hospital combinado previamente”, conta Thais Bernardo a respeito de como sua equipe trabalha. Quando não há essa profissional de backup, a gestante é recebida pelo médico plantonista do hospital para o qual for encaminhada, seja público ou privado.
Para tanto, é primordial que as enfermeiras obstetras e/ou obstetrizes estejam preparadas para reconhecer que o parto se tornou um caso de emergência.
6. Fazer um pré-natal adequado
Ter um bom pré-natal é essencial para a gestação de modo geral, mas também para identificar se há fatores de risco que possam contraindicar o parto domiciliar, além de ajudar a mulher nas decisões sobre o nascimento do bebê. “Ele é fundamental para preparar a família para a experiência, além de trazer o máximo de informação possível para que a gestante possa fazer escolhas, traçar um bom plano de parto e se sentir segura, independentemente do local”, reforça Thais.
7. Ter um plano de parto bem pensado
O plano de parto é um documento escrito pela grávida sobre as suas preferências para todo o processo: trabalho de parto, parto, pós-parto imediato e cuidados com o bebê. A enfermeira obstetra reforça que, nele, “pode conter também particularidades sobre os hábitos e crenças da família, para que a equipe se alinhe às expectativas da gestante”. Isso, vale ressaltar, cabe tanto no parto domiciliar quanto no hospitalar.
“Fazer um plano de parto pode ajudar a gestante a conhecer mais sobre os procedimentos do parto e, assim, se proteger de intervenções desnecessárias e até de violências obstétricas e neonatais”, alerta a parteira.
8. Escolher quem estará presente de forma ativa
Além dos profissionais, é importante pensar com antecedência quais são as pessoas que estarão presentes naquele momento, dando amparo à mulher. O companheiro, a mãe da gestante, uma grande amiga… Seja quem for, o importante é que esse acompanhante esteja preparado para viver a experiência do parto fora do hospital, como aconselha Thais: “Para isso, é necessário ir às consultas, frequentar cursos de preparação e partilhar responsabilidades. Escolher um parto em casa é uma decisão que vai requerer da gestante e do acompanhante muito estudo e firmeza”. Isso, não só em relação ao momento de dar à luz, mas também aos comentários e julgamentos de pessoas ao redor que pouco conhecem o assunto e questionam a segurança da escolha.
9. Pensar na alimentação durante o trabalho de parto
Embora muitas mulheres se sintam nauseadas em algumas fases do trabalho de parto e apresentem vômitos, Thais Bernardo explica que é importante se alimentar. “Sempre sugerimos ter em casa isotônicos, sucos, açaí, sorvete, mel, chocolate, repositor calórico e água de coco para serem oferecidos à gestante”, relata.
10. Conversar e se informar muito
Seja com amigas que passaram por essa experiência, seja buscando informações em comunidades de apoio, trocar ideias sobre o assunto é essencial. “Fazer parte de grupos que partilhem dos mesmos interesses fortalece as nossas escolhas!”, lembra Thais. Por isso, ela reforça que assistir a vídeos e documentários, ler relatos, fazer cursos online ou presenciais (tanto para mães quanto para pais ou outro acompanhante), pode ajudar muito a aumentar a confiança acerca do parto domiciliar.
E a consulta com o pediatra, quando acontece?
Thais Bernardo explica que o exame físico do bebê (avaliação de reflexos, vitalidade, nota Apgar, peso e medidas) e aplicação de vitamina K são feitos pelas parteiras logo após o nascimento. Se tudo estiver dentro da normalidade, o bebê só será avaliado pelo pediatra na consulta que acontecerá nos primeiros dias de vida, assim como os demais testes (pezinho, orelhinha etc) e vacinas.
“A família recebe visitas da equipe nos dias que se seguem ao parto e, caso haja intercorrências, como a icterícia neonatal, pode haver a necessidade de internação do recém-nascido para fototerapia, ou até mesmo de fazer a fototerapia domiciliar, acompanhada por um pediatra”, finaliza a enfermeira.