Dia 15 de junho é o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2011, com o objetivo de chamar a atenção para a existência de violações dos direitos dos idosos e divulgar formas de denunciá-las e combatê-las. No início deste mês, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, lançou uma campanha com o slogan “respeito não tem prazo de validade”, com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a necessidade da garantia de direitos, dignidade e combate à violência contra pessoas idosas.
A violência física, verbal e psicológica, a discriminação, o abuso e o preconceito contra as pessoas mais velhas não estão presentes apenas na sociedade e na família, mas também dentro de nós mesmas, como mostra Valéria, uma escritora de 60 anos. Ela, como dezenas de mulheres que entrevistei para a minha pesquisa de pós-doutorado em psicologia social sobre envelhecimento, autonomia e felicidade, tem pânico de envelhecer e só enxerga feiura, doença e decadência na própria velhice.
“Qual é o problema de dizer que sou velha? Para que ficar dando um nome mais bonito se isso não muda nada a violência, preconceito e intolerância que enfrento todos os dias? Eu sofro e fico deprimida com a decadência do meu corpo: fico procurando rugas, cabelos brancos, manchas na pele. Tenho pânico de ficar doente, sozinha e dependente. Eu me sinto invisível, abandonada e desvalorizada. A velhice é uma merda, um tipo de morte antecipada”.
Nos seis primeiros meses de 2024, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania registrou 74.620 denúncias violência contra idosos. A realidade é muito mais assustadora, pois a maioria tem vergonha e medo de denunciar seus agressores: os próprios filhos na maior parte dos casos; e também os netos, cônjuges, genros e noras. Entre os abusos mais comuns, estão:
1. Negligência: quando deixam de oferecer cuidados básicos ao idoso, como higiene, saúde, medicamentos, proteção contra frio ou calor;
2. Abandono: quando há ausência ou omissão dos familiares ou responsáveis, governamentais ou institucionais, de prestarem socorro a um idoso que precisa de proteção;
3. Violência física: quando é usada a força para obrigar o idoso a fazer o que não deseja, ferindo, provocando dor, incapacidade ou até a morte;
4. Violência psicológica ou emocional: comportamentos que prejudicam a autoestima ou o bem-estar do idoso, como xingamento, susto, constrangimento, impedimento de que vejam amigos e familiares, tortura psíquica;
5. Violência financeira ou material: a exploração ou o uso não consentido de seus recursos financeiros e patrimoniais;
O Estatuto da Pessoa Idosa, Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003, dispõe que a pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, garantindo-lhe todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. A Lei dispõe que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.
Os 118 artigos do Estatuto garantem os direitos dos brasileiros de mais de 60 anos. No entanto, ele está muito longe de ser respeitado. O Censo Demográfico 2022 mostrou a tendência crescente de envelhecimento da população brasileira: somos 32 milhões de brasileiros de 60 anos ou mais. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, mostrou que a população entre 60 e 64 anos é a mais afetada pela depressão, que atinge 13,2% dos idosos do Brasil.
Apesar de lutar há mais de trinta anos para mudar essa triste realidade, tenho consciência de que o que eu faço é pouco, muito pouco. Por isso, quando me sinto uma formiguinha prestes a ser esmagada, gosto de me lembrar do meu amigo Betinho, o Herbert José de Sousa, que me contou a fábula do beija-flor.
"Há muito tempo atrás uma floresta começou a pegar fogo. Todos os animais fugiram para salvar a própria pele. Um leão parou de correr quando viu um beija-flor pegando com seu bico a água do rio, jogando no fogo e voltando para o rio. ‘Ah, beija-flor, você acha que sozinho vai apagar este fogaréu todo?’, o leão perguntou. O beija-flor respondeu: ‘Sei que não posso apagar o incêndio sozinho; estou apenas fazendo a minha parte’".
Será que, como o beija-flor, estamos fazendo a nossa parte?