Sexo

Por Julia Fontes, Colaboração para Marie Claire — São Paulo

O que o prazer anal dos homens – e então considere os cisgêneros e heterossexuais – tem a ver com a liberação sexual feminina? “O sexo é reflexo da maneira como a sociedade se organiza, e esse modelo pode sim aprisionar corpos e desejos”, diz Ingrid Gerolimich, socióloga, psicanalista e membro da Sociedade Psicanalítica Iracy Doyle.

Para ela, quando se trata de erotismo, a rígida hierarquia de gênero não só afeta diretamente as mulheres (como estamos cansadas de saber), mas acaba sendo também nociva e limitante para os homens – que estão inseridos numa espécie de desempenho sexual compulsório que os priva de vivenciar sexualidades mais plenas, felizes e prazerosas. “Falar sobre o prazer anal deles é abrir portas para o gozo de toda uma sociedade que ainda vê o sexo com inúmeros tabus e censuras”, Ingrid acrescenta.

“É difícil falar sobre isso em uma sociedade que, para começar, tem o ‘vai tomar no cu’ como exemplo de algo ruim”, diz o programador paulistano Wilson Cavalheiro, 35 anos, sobre a falta de quem converse sobre o prazer anal masculino com maturidade e naturalidade. Suas experiências nesse sentido só vieram depois de passar um bom tempo questionando o que vem a ser masculinidade. “Talvez, topar ser penetrado seja resultado dessa reflexão toda”, conta Wilson, que teve a primeira experiência com o prazer anal sendo penetrado pela “cintaralha” de uma ex-namorada muito a fim da coisa.

“Logo depois da primeira penetração, me vi colocado num outro lugar que nunca tinha estado durante o sexo. Além do prazer e da conexão, me senti diferente dentro da dinâmica sexual. Foi revelador”, diz. “Foi tudo devagar e com carinho. Percebi que, de alguma forma, eu estava mais vulnerável à vontade dela, e a gente conversava bastante. Foi o que mais me marcou, poder falar abertamente do que desejávamos.”

Wilson acredita que a experiência mudou a maneira como ele encara o papel de penetrar suas parceiras. “Tento ficar mais atento sobre como está a pessoa, evito trazer uma performatividade irreal – que acaba sendo ensinada pra gente executar sem antes prestar atenção no que a parceira está querendo.” Tipo performance britadeira? “Tipo”, responde o programador.

Ele ainda conta que, depois de ser penetrado, passou a entender o consentimento – coisa com a qual jamais havia parado para pensar antes – como algo que continua em negociação inclusive durante o sexo, e não apenas antes da transa. “O consentimento não é um contrato que você assina e não pode voltar atrás depois. É uma troca constante de percepção do que está acontecendo com o outro. É também estado de presença. Ele precisa estar presente até o fim. Realmente não sei se chegaria a essa percepção sem a experiência com o sexo anal”, avalia.

Silêncio e tabu

Como Wilson, o jornalista paulistano J.*, de 24 anos, também teve sua primeira vez com o prazer anal com uma mulher. Antes disso, ele não tinha nem sequer se tocado para saber a sensação. Hoje, mesmo depois de estrear na modalidade, ele ainda sente uma barreira invisível pairando no ar quando cogita propor a dinâmica com alguma parceira.

J. percebe que, embora os homens cisgêneros e héteros não conversem sobre isso de maneira tranquila, a ideia de penetração anal está presente no campo da tiração de sarro e da homofobia. “Como vivi demais dentro disso tudo, tive embates comigo mesmo sobre o que significa a masculinidade, o que a configura e o que a ameaça. Até hoje tenho dificuldade de saber como conseguir falar para alguém enfiar o dedo no meu ânus.”

A falta de diálogo com parceiras, aliás, é uma constante para todos os homens ouvidos pela reportagem. Segundo eles, quando a penetração masculina acontece, quase nunca há conversa aberta sobre ela antes ou depois; via de regra, a dupla age como se nada tivesse rolado.

“É uma dinâmica bem maluca, porque eu gostaria de ser mais penetrado nas vezes em que transo. Só tive experiências com dedo, e quando me pergunto por que nunca fui penetrado de outra forma, me vem essa questão de que pode ser uma barreira relacionada ao machismo partindo de mim – porque eu poderia falar mais sobre o que quero, do que gosto ou não no sexo”, diz J.

“Onde o homem ‘come’ e a mulher ‘dá’”

Para D.*, engenheiro paulistano de 33 anos, as vezes em que foi penetrado também acabaram acontecendo sem que ninguém conversasse a respeito, muito mais pelos sinais do momento – e depois, “claro”, o silêncio reina como se nada tivesse acontecido. “Imagino que muitos homens têm sim vontade, mas sentem medo de como a situação será recebida pela mulher. Ela também pode não esperar esse comportamento vindo de um homem por não conseguir enxergá-lo como passivo ou vulnerável na hora do sexo. Hoje, consigo enxergar o sexo como uma troca, não só como entrega de um dos lados, como fomos induzidos a enxergar – onde o homem ‘come’ e a mulher ‘dá’”, observa.

Nas primeiras vezes em que se tocou “lá”, D. relata que foi por pura curiosidade. No entanto, lhe ocorreu que talvez aquela não fosse uma maneira “normal” de sentir prazer, e que talvez, por isso, pudesse ser bissexual – mesmo não tendo nenhuma atração por homens. A dúvida se desfez quando entendeu a penetração anal como prazer fisiológico, não relacionado à orientação sexual.

“Mas foi uma autorreflexão, porque acredito que nenhum homem está aberto a conversar sobre isso com um amigo ou mesmo com a parceira. Você ouve a respeito e vai tentar [se tocar], vê que é bom e continua. Mesmo assim, tratando como uma coisa que só pode fazer esporadicamente, para não sentir que tá gostando… É meio doido”, define.

Atualmente em uma relação estável, D. deixa a decisão sobre ser penetrado a critério da parceira. “Fico mais à mercê de ela querer ou não, vou percebendo os sinais. Se ela está disposta, vai rolar; caso contrário, não peço. Acho que pedir pode comprometer um pouco a relação, principalmente se a parceira ainda não quebrou esse paradigma. Deve ser por isso que alguns homens preferem ser penetrados por profissionais do sexo”, conclui.

“Tem que dar pra aprender a comer”

Trabalhadora sexual de Niterói (RJ), Érica Cusk, 36, é não monogâmica e membro de grupos para sexo liberal. Ela também observa o silêncio dos homens no que tange o prazer anal, literalmente. Érica estima que, de seus clientes, penetrados que chegam pedindo são poucos, “uns 5%”. Os que se mostram disponíveis espontaneamente para um beijo grego são por volta de 30%. Se ela tomar a iniciativa, diz que o número sobe para cerca de 40%. “Uma vez, um cliente viu meu dildo e perdeu a concentração. Ele não conseguia fazer mais nada porque, na verdade, queria meu sex toy – e aí o programa foi sobre isso”, conta.

Na experiência de Érica com clientes homens cisgêneros, a necessidade de reafirmar a orientação sexual está muito mais presente fora dos programas do que dentro deles. “Até porque o trabalho sexual já existe num lugar de segredo e cumplicidade”, explica.

Embora conheça bem os próprios fetiches e não goste de ser a figura dominante na cama, Érica acredita que penetrar o parceiro não deveria ser tabu também para as mulheres. “Quando a gente aprende a dar um prazer mais elaborado, aquilo também nos satisfaz”, reflete. “Muito pouca gente tá ligada nos aspectos do fetichismo. Quando você conhece e explora essa possibilidade, o sexo tem um sabor a mais.”

Ela também acredita que experimentar ser penetrado seja uma experiência importante para que os homens se tornem melhores amantes. “O que acho que acontece é que quando uma pessoa com próstata – que está acostumada a exercer o papel de ativo – se abre para receber o prazer anal, ela se torna mais sensível quando vai ser ativa. Se o cara só penetra, vai ter muita dificuldade de entender a dinâmica de quem está sendo penetrado.”

Quem manda na cama?

“Se você tem recurso de prazer exclusivo em corpos como o seu [que tem a próstata, por exemplo], por que você não vai usar isso?”, indaga Érica. Para Ingrid Gerolimich, a questão é outra. A especialista avalia que, no sexo, assim como no campo do trabalho, da amizade e de todas as relações sociais de um homem, as interações são marcadas por uma mesma questão central: a definição hierárquica dos papéis sociais de homens e mulheres. “A gente vai ver homens exercendo seu papel social no sexo de uma maneira que se percebe muito mais a transa como um instrumento de poder e dominação do que necessariamente um instrumento de prazer”, opina.

“Falar da estimulação da próstata através de penetração, quando a gente vive numa sociedade falocêntrica – que coloca o pênis como objeto até espiritual e religioso em várias culturas como elemento de força, conquista e poder –, pode não ser um grande argumento.” Ingrid diz que, para boa parte dos homens, imaginar ser penetrado é colocar-se na posição de ser dominado, vulnerável, inferior, violado ou submetido, já que é isso o que marca o imaginário da penetração na nossa cultura.

A especialista observa que esse modelo de hierarquia de gênero afeta diretamente as mulheres, mas acaba sendo nocivo também para os homens – que ficam tão tensos para desempenhar um papel social no sexo que acabam se privando de vivenciar uma vida sexual mais plena, feliz e prazerosa. “Eles crescem bombardeados pela ideia de que homem não pode ter sentimentos ou configurar sua existência da forma que faz mais sentido para eles. Isso afeta a saúde mental, emocional e até física de uma pessoa. A quantidade de homens que já receberam diagnóstico tardio de câncer de próstata por evitar o exame de toque é um forte exemplo disso”, lembra a psicanalista.

Em seu livro O Direito ao Sexo, a filósofa, professora e colunista da The New Yorker, Amia Srinivasan, ressalta que, na sociedade atual, alguns corpos “são para o prazer, a posse, o consumo, a adoração, o serviço e a validação de outros corpos”, numa dura crítica ao sistema patriarcal ainda vigente. Tristemente, um dos trechos mais populares da obra parece estar longe de perder a atualidade: “O sexo, que supomos ser o mais privado dos atos, é na verdade algo público. Os papéis que desempenhamos, as emoções que sentimos, quem dá, quem tira, quem exige, quem serve, quem deseja, quem é desejado, quem se beneficia, quem sofre: todas essas regras foram estabelecidas muito antes de entrarmos no mundo.”

*Os nomes foram omitidos a pedido dos entrevistados

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