A funcionária pública Jamila Vieira surgiu tranquila, vestindo um suéter cinza, brincos perolados e cabelo preso para a conversa com a Marie Claire, realizada por videochamada. Seu olhar é bem mais tranquilo e ela parece mais calma do que nos vídeos que compartilhou no seu perfil do TikTok, quando relatou aos seguidores a morte do pai, João Pedro Vieira. Ele foi uma das vítimas das inundações no Rio Grande do Sul.
João Pedro se mudou para a cidade de Salvador do Sul, município de quase oito mil habitantes na Serra Gaúcha, em fevereiro deste ano, para ficar mais próximo da família. Aos 73 anos, ele queria conviver mais com os netos e com os irmãos, Max e Jaqueson.
Jamila conta que o pai estava diferente nos momentos que antecederam a tragédia. "De uns dias para cá, ele vinha meio estranho, me dizendo que ele sentia Deus falando com ele, dizendo que ele ia partir", conta.
Esse sentimento foi ampliado quando João Pedro relatou um sonho. Ele contou que viu o pastor de sua igreja dentro de seu quarto, retirando água com um rodo. No sonho, o pastor teria feito um alerta. "João, o Senhor mandou te dizer que vai te levar nos próximos dias".
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Esse pensamento tomou conta do pai de Jamila, que, desde então, se preparou para a própria morte. "No domingo, dia 28 de abril, ele chegou bem triste aqui em casa e falou para mim e para o meu marido, Tiago, que iria partir em breve, porque o Senhor disse que o levaria", declarou a funcionária pública.
João Pedro se despediu da família antes de morrer na tragédia do RS
João Pedro então reuniu a família e avisou que sua morte estava próxima. "Ele estava muito triste, como se estivesse realmente se despedindo. Ele me falou: 'filha, eu não vou poder ver o aniversário de 15 anos da minha neta'". Ao ser questionado de onde estava tirando aqueles pensamentos, ele então contou o sonho que teve. "Deus falou comigo. A voz de Deus entrou no quarto quando eu estava orando hoje e falou que vai me levar nos próximos dias".
Além de se despedir das crianças, ele pediu para a sua neta mais velha, Maria Laura, o perdoar pelo fato de não poder estar presente na sua festa de 15 anos. Ela disse que o perdoava, mesmo sem entender aquela situação.
Na terça-feira (30) aconteceu a tragédia: as chuvas chegaram com força e todos foram pegos de surpresa. "Fui dormir às 8:30 da noite, e foi quando houve um acidente. O morro da casa dele desmoronou e todas as três casas foram completamente destruídas. Os vizinhos me ligaram. Uma delas disse, aos gritos: 'Mila, seu pai foi soterrado'. Fiquei em choque e comecei a me tremer e passar mal. Meu marido foi para lá e achei alguém para ficar com as crianças. Fui também."
"A gente ficou ali bem em frente na casa, pensando: 'O que será do corpo do meu pai? Deve estar todo destruído'. E você fica pensando um monte de coisas...", recorda. Ela conta que teve um pressentimento, algo dizia que seu pai havia morrido dormindo. Foi então que um bombeiro contou que o corpo de João Pedro foi encontrado na cama, com um cobertor. "Tiraram meu pai dos escombros pelos braços e pelas pernas. Olhei e pensei: a gente não é nada."
"A gente não é nada" - Jamila Vieira
Bíblia estava aberta em capítulo sobre enchente
A funcionária pública conta que quis levar como herança da casa do seu pai uma Bíblia, que foi encontrada por uns dos vizinhos. "Estava aberta em Jeremias 47. Foi a última palavra que ele leu, estava marcada. Jeremias 47.2 fala sobre as águas que viriam do norte que inundaria a terra em sua plenitude, as cidades, os habitantes e as pessoas gritariam por socorro."
Agora, dias após a tragédia, Jamile ainda fala com tristeza, mas mostrando força. "Tive essa experiência que eu considero sobrenatural, mas a dor de não ter mais a pessoa e a saudade vão permanecer em mim. O meu conforto mesmo vem de Deus", declara ela, conformada.