Moda
Por , redação Marie Claire — São Paulo (SP)


Carol Barreto é autora do livro "Modativismo" — Foto: Divulgação
Carol Barreto é autora do livro "Modativismo" — Foto: Divulgação

Carol Barreto é uma mulher que, dentro do mercado da moda, não fecha os olhos para outras questões sociais. Desigualdade de acesso, racismo e as lutas das comunidades minoritárias e minorizadas são colocados em pauta tanto em seu discurso dentro das salas de aula -- ela é professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) -- quanto no seu mais novo recente (e primeiro) livro, publicado pela editora Paralela, o Modativismo: quando a moda encontra a luta. Tudo isso ainda permeia seu trabalho como designer de moda autoral, pesquisadora do tema e figurinista.

O Modativismo surgiu de sua tese de Doutorado. No texto, a autora usa uma linguagem mais cotidiana e fala de suas próprias vivências no mundo fashion. Em cada linha, expõe a moda de forma crítica e com a esperança de mudar as práticas de desigualdade perpetuadas pelas pessoas que circulam no segmento. A atuação dela nessa seara já tem 10 anos, quando ela criou o conceito que dá nome ao livro. Ele, aliás, virou projeto, que busca unir a criação prática de roupas com formação política.

"O questionamento do quanto a moda poderia ser um espaço de luta e conversão social sempre me intrigou e fez com que eu direcionasse meus estudos e minha prática artística e política nessa direção", contou a autora em entrevista a Marie Claire.

Abaixo, você lê os principais trechos da conversa com Carol Barreto:

Livro "Modativismo", de Carol Barreto — Foto: Divulgação
Livro "Modativismo", de Carol Barreto — Foto: Divulgação

MARIE CLAIRE Como foi a construção da sua relação com a moda e como sua experiência de vida te levou para o tema?

CAROL BARRETO Minha relação com a moda nasceu junto comigo, porque lembro de um interesse e de uma curiosidade meus desde muito cedo. Sempre gostei de acessórios, batom vermelho para ir para escola… Sempre tive certeza do quanto eu gostava de moda. Só não tinha tanta certeza do quanto a moda poderia ser um espaço de contribuição social e de transformação.

Quando ingressei na graduação [ela fez faculdade de Letras na Universidade Estadual de Feira de Santana], me preocupei com isso e me questionei sobre investir num campo de trabalho que me parecia ser fútil e desnecessário na vida das pessoas. Mas, o questionamento do quanto a moda poderia ser um espaço de luta e conversão social sempre me intrigou e fez com que eu direcionasse meus estudos e minha prática artística e política nessa direção.

No início da graduação, busquei caminhos para construir a transição de Letras para as Artes Visuais e encontrei o Núcleo de Desenho e Artes, onde alguns professores me adotaram como bolsista de extensão universitária, e aí eu pude propor meus projetos. Em 2001, fiz o meu primeiro desfile, resultado de um curso de extensão que ofereci para estudantes de uma escola pública, que consistia numa oficina de redesenho de roupas e customização e já aplicava a metodologia do Modativismo, mas sem o nome oficial ainda. E é o que eu faço até hoje, produzindo um ensino-aprendizagem que não privilegia classe social, raça, etnia, orientação sexual e capacidade física, que é o que a moda faz.

Venho de uma terra que me deu o privilégio de ter contato com a cultura de resistência da população negra desde muito cedo, do entendimento do que é ser uma pessoa negra no Brasil e na Bahia. Então chego na graduação com uma consciência política que não era comum aos outros ingressantes.

Eu também sempre fiz passarelas com roupas funcionais, embora com o fazer artístico de alta complexidade, porque, para as comunidades afro-brasileiras e originárias, a arte não se separa do funcional e do cotidiano, ao contrário do conceito que aprendemos que a arte não pode ter funcionalidade nem intencionalidade.

MC Quais foram os maiores desafios que você enfrentou nessa trajetória?

CB Eu conto no livro que neguei meu primeiro convite para uma exposição internacional no museu em Washington, nos Estados Unidos, porque não acreditava que uma foto da minha coleção pudesse ser considerada arte e estar em exposição no museu. Essa resposta ao convite vem [do trauma] de muitas portas fechadas no campo da moda para mim.

Participei com uma coleção de uma semana de moda no Brasil em 2014, em que eu já saí como pré-convidada para o ano seguinte. Mas não se confirmou. Até eu entender que aquele silêncio era intencional. E foi o mesmo trabalho que levei, naquele ano, para a Black Fashion Week Paris. Eu tenho usado muito o termo “invisibilização estratégica” para fazer esse comparativo no Brasil.

Sou de uma geração em que a gente começa a ter uma atuação comercial e, por isso, precisa negociar muita coisa. Para que uma modelo negra aparecesse em um editorial, por exemplo, ela precisava ser extremamente magra.

Foi muito difícil lidar com esses “nãos” enquanto eu acreditava que poderia ter uma carreira como artista no Brasil. E com minha experiência no exterior, vi que não é meu trabalho que tem problemas, é essa invisibilidade estratégica que não tenho como mudar.

MC Desde o começo, qual foi o objetivo do projeto “Modativismo”? O que está por trás desse conceito?

CB O Modativismo é um cuidado com os processos para que os resultados das imagens que a gente produz possam ser respeitáveis a nós e extensivos à nossa comunidade.

Entendendo que o mercado da moda é racista e exclui, oprime e massacra a gente até hoje, passamos construir uma formação política junto a uma formação técnica de excelência, que só pode acontecer quando eu compartilho essas oportunidades, gerando emprego e renda a partir da moda.

A intenção conceitual do Modativismo também era um enfrentamento a esse conceito de arte que diz que a arte não pode ter funcionalidade nem discurso. Então, nos grupos de pesquisa que eu frequento, a gente sempre tratou de ativismo também para provocar esse campo de respeitabilidade dentro da universidade e do universo da produção intelectual.

Carol Barreto é a criadora do conceito "Modativismo" — Foto: Divulgação
Carol Barreto é a criadora do conceito "Modativismo" — Foto: Divulgação

MC Como falar de ativismo de moda no Brasil? Quais são os desafios?

CB Ativismo não é um simples incômodo com a desigualdade social e um post no Instagram sobre isso. Ativismo é um projeto político, comunitário e coletivo que tem uma interlocução com o movimento social organizado por melhores condições de vida e, para isso, precisa de estudo, análise e metodologia. É um termo que, no campo da moda, também virou moda. E é aí que está a grande cilada.

No campo das imagens, a gente vê um crescimento na ocupação de espaços por minorias. Agora a gente precisa que as pessoas dentro da estrutura sejam essas mesmas minorias, e não só a aparência das coisas.

É muito importante que, quando a gente fala sobre ativismo de moda, possamos compreender que a efetiva transformação social precisa ser garantida.

MC Sempre houve ativistas na moda, mas, com as questões ambientais, o assunto tem sido mais percebido. Como você vê a relação entre as questões climáticas que estamos vivendo agora e o consumo fashion?

CB A gente não tem como separar o meio ambiente das pessoas e nos dissociar do acesso à saúde pública, saneamento básico, qualidade de moradia, dentre outros itens básicos da vida humana. Estamos no momento limite para entender o quanto de racismo existe na discussão de meio ambiente, e não se discute racismo ambiental para falar sobre o meio ambiente.

Fazer um tecido de garrafa pet, lavar uma calça jeans com menos água e usar pigmento natural não impacta na produção da desigualdade, e a moda é um dos elementos centrais para a produção da desigualdade.

Mudando o olhar, a gente muda a forma de consumir, e mudando a forma de consumir, a pessoa entende que o mesmo dinheiro investido em 10 bolsas iguais pode ser investido naquilo que tem um significado histórico, emocional e que a alia à comunidade.

As pessoas no Brasil não entendem sua própria "posicionalidade", seu grupo racial, seu lugar de fala. Se eu não me entendo como comunidade nesses pontos, quando a enchente chegar, por exemplo, não vou entender que preciso mudar a maneira de produzir as coisas. Só mudo a maneira de produzir as coisas quando as relações comigo, com as pessoas e com o meio ambiente e com o meu redor possam ser modificadas.

MC E qual o papel do consumidor nessa luta por uma moda mais responsável e sustentável?

CB Eu vejo o consumidor igual ao público de um teatro. Se no teatro se fala muito de formação de público, o desafio agora é formação de público na moda, e acho que as iniciativas independentes têm conseguido.

Escutava muito das minhas alunas que eu não tinha cara de estudante de moda. Então, como é que uma consumidora comum, que não seja uma mulher branca, de classe média alta e padrão, entra na loja de uma marca sem ter a certeza de que vai ser maltratada? Como eu educo o consumidor se as equipes não estão sendo educadas?

Essa criticidade precisa chegar nas pessoas e a mídia de moda tem um papel central. Se antes eram as revistas que ditavam o certo e o errado, hoje são as influenciadoras e a internet, o filtro do Instagram que embranquece e afina o nariz, por exemplo.

Ao mesmo tempo em que é preciso educar a subjetividade das pessoas, as marcas precisam caber na diversidade de "corporalidades" do Brasil. E eu acho que a mídia de moda é essencial para sintonizar as ideias das pessoas que produzem e das pessoas que consomem.

MC Qual o lugar que a moda e a aparência ocupam no processo de empoderamento e de reconhecimento das mulheres negras?

CB É um espaço central. No livro eu trago minha própria experiência, mesmo sendo uma mulher negra de pele clara, entendendo esse colorismo e essa pigmentocracia no Brasil como um espaço de gerar camadas internas no processo de subalternização.

Fomos nós, mulheres negras, que reivindicamos um espaço de autonomia e autodeterminação e de não existir sob o olhar do estereótipo e inferiorização.

Quanto do racismo internalizado fez com que a gente colocasse a nossa saúde em risco durante tantos anos e o quanto isso foi pouco discutido, e hoje é um caminho sem volta?

A aparência, para mim, é um dos primeiros espaços de exercício da relação de poder. É onde se marca gênero, raça, orientação afetiva e sexual, dentre outros marcadores sociais e diferenças. É preciso entender esse campo de complexidade das aparências como espaço: se é um espaço de controle, também pode ser um espaço de emancipação.

Carol Barreto aborda inclusão, sustentabilidade e igualdade no mundo da moda — Foto: Divulgação
Carol Barreto aborda inclusão, sustentabilidade e igualdade no mundo da moda — Foto: Divulgação

MC E quais são as suas esperanças para o futuro da moda, especialmente em termos de inclusão e sustentabilidade?

CB Espero que essas minhas contribuições, como intelectual, do projeto e do coletivo Modativismo sejam um bom compartilhamento de experiências que nasce da afetividade. É a construção de afetos de qualidade que realmente transforma.

Com a pandemia, a gente aprende que a vida não está só no corpo físico. Uma vez cerceada nossa liberdade,a gente precisou de muita imaginação para produzir um futuro e acreditar que poderíamos estar vivos amanhã. E o Modativismo é um espaço para que mulheres negras, como eu, possam se imaginar no futuro e ter certeza que estarão vivas amanhã, não apenas materialmente, ocupando espaços de trabalho e exploração, mas construindo o mundo através da criação, do imaginário, da produção intelectual e artística. Que não esteja só no lugar, mas também no saber, articulando o saber e fazendo a mesma vida.

MC Por que escrever sobre Modativismo? Qual é o impacto de existir um livro sobre isso?

CB São decisões que me arriscam muito, pautadas em muita coragem. A partir das minhas experiências na Black Fashion Week Paris e da recepção do meu trabalho em Paris e no Brasil, eu entendi que estava fazendo algo revolucionário e que, se não fosse registrar essa história, ninguém ia fazer por mim, porque o meu trabalho não aparecia nas revistas nem era visto como relevante.

Eu literalmente perguntei às pessoas: “Você entendeu qual é a relação entre moda e racismo ou quer que eu desenhe?”. Desenhei e escrevi minha tese numa linguagem que fale com a minha comunidade. E a ideia era ser um livro de bolso que leve as reflexões a vários lugares. O efeito é real, é assim que a gente produz conhecimento: no meio das nossas demandas do cotidiano.

Eu declaro como uma oferenda, para que esse processo tão árduo que empreendi, de transformar memória e ancestralidade em beleza, seja registrado de uma maneira dentro da perspectiva do afrofuturismo, que é produzir um futuro mais produtivo para as gerações que vêm depois de mim.

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