Era só mais uma troca de look de Beyoncé, dentre as tantas que marcam a construção narrativa visual do show da turnê Renaissance. Mas, um chapéu alto, de aba redonda bastante larga e espelhado, usado pela cantora durante apresentação em Nova Jersey, nos EUA, no final de julho, chamou atenção da cantora Erykah Badu para o que ela presumiu ser uma cópia do acessório, uma peça icônica de seu estilo, por Beyoncé.
A artista resolveu publicar no Instagram uma foto de Beyoncé com a legenda: “Acho que sou a estilista de todo mundo”. Nos comentários da publicação, o público se dividiu: enquanto alguns disseram que Badu foi longe demais se referenciando na imagem de Beyoncé, outros consideraram que a cantora deveria se sentir lisonjeada pela homenagem e inspiração – até agora, sem o teor confirmado por Beyoncé ou pelos stylists que trabalham com ela – que, de fato, pode aludir ao chapéu de Badu.
Quando artistas sobem ao palco, o figurino pode se tornar um recurso elementar para se contar uma história. E chapéus são acessórios que funcionam nessas ocasiões, não só como elementos estéticos, por chamarem atenção para a figura central do espetáculo, mas como ingredientes que entregam códigos artísticos e de identidade.
Para a stylist Gabi Rocha, que atende principalmente cantores e cantoras brasileiros negros que usam referências afro diaspóricas, é também um símbolo conceitual. Badu e Beyoncé, analisa, apostam recorrentemente nessa estratégia. “Erykah Badu tem essa estética revolucionária, e que mistura o que vem da diáspora, com o street wear, o rastafari, afrofuturismo e até ufologia. O chapéu dela é uma coisa meio de bruxaria. Beyoncé também aparece em muitos videoclipes, shows e fotos com eles, inclusive nos de Black is King [álbum visual de 2019 inspirado no filme O Rei Leão, que, entre outras narrativas, celebrou a cultura africana]”.
Mesmo o caso envolvendo duas das artistas mais famosas da música negra, com repercussão nas redes sociais entre os fãs das cantoras, Beyoncé e sua equipe ainda não esclareceram se o acessório era, de fato, um plágio ou uma menção implícita a Badu.
Para a stylist Gabi Rocha, no entanto, o caso do chapéu prateado vai além da discussão de “quem influenciou quem” e se houve cópia do estilo. “Pela ordem cronológica, Badu usa o chapéu desde o álbum Baduizm, em 1997. Mas, não dá para cravar que Beyoncé a copiou. Inclusive porque o Renaissance também é contemplado por uma inspiração afrofuturista”.
![No palco, chapéu serve como elemento que traz poder e atrai os olhares para o artista, explica stylist — Foto: Reprodução Instagram](https://cdn.statically.io/img/s2-marieclaire.glbimg.com/rxwu97GUPUZy0ObW_JjgKsuTAcY=/0x0:1080x714/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_51f0194726ca4cae994c33379977582d/internal_photos/bs/2023/i/B/pl1wx0SGG0kYNhbxiMAA/beyoncepalco.jpg)
Caso Prince
Reconhecidamente, Beyoncé é uma artista que reverencia outros artistas. Nas fotos oficiais do álbum, por exemplo, a artista surgiu com um “gun microphone” prateado, no mesmo molde que se tornou marca registrada do cantor Prince.
Já no SuperBowl de 2013, em que dividiu o palco com Bruno Mars, o figurino foi um tributo a Michael Jackson: Beyoncé se apresentou para os milhões de espectadores do evento com uma jaqueta com aplicações em metal que também se assemelhava a uma das peças mais famosas do cantor. “Esses casos são de homenagens, mas que não foram necessariamente explicadas por texto em algum lugar; às vezes, os stylists falam sobre as inspirações nas redes sociais, mas nem sempre”.
Chapéus e a cultura negra
Gabi Rocha explica que, não à toa, as duas artistas apostam nos chapéus como peças de construção imagética dentro do mundo da música. Isso porque os acessórios de cabeça têm mais do que força estética na cultura negra; historicamente, chapéus, turbantes, lenços, quepes, podem ser associados a identidades afro que se reproduzem fora do continente africano e a simbolismos espirituais, tradições e cerimônias.
“Sabemos que há povos africanos em que o acessório de cabeça tem relevância na questão de hierarquia social também; em alguns, só mulheres usam, por exemplo. Então, quando vemos esses itens sendo usados por artistas que levam as referências afro diaspóricas tão a sério, como Beyoncé e Erykah Badu, podemos deduzir que há um conceito construído. Dificilmente é só uma questão estética”.