Designers celebram o legado deixado por Fernando Campana: 'Brasilidade ímpar'

Após a morte de uma das referências no setor de design, importantes mulheres da área falam a Marie Claire sobre o magnífico trabalho de Campana e o legado deixado pelo artista para as próximas gerações

Por Raíssa Rivera


Fernando Campana deixa legado para gerações de designers — Foto: Reprodução/Instagram

Fernando Campana, uma das maiores referências em design no Brasil, deixou um legado inegável e inspirador para as próximas gerações e também à aquelas que acompanharam de perto seu trabalho. A morte do artista -- sem causa divulgada -- foi anunciada na quarta-feira (16), pela página do Estúdio Campana, que fundou ao lado do irmão mais velho, Humberto. O designer morreu aos 61 anos.

Além do sucesso de suas próprias criações, Fernando marcou a memória daqueles que seguiram sua trajetória e deixa lições para profissionais do futuro, impactando o design de mobiliários com a forma como unia o rotineiro ao imaginário, transformando peças cotidianas em verdadeiros statements do mundo da moda e da arte.

Em relato a Marie Claire, mulheres importantes da área de design falam sobre a própria relação com o trabalho de Fernando Campana, a admiração pela disruptividade do artista e as mensagens que suas criações passam para o futuro da indústria.

Adélia Borges — Foto: Mariana Chama

Adélia Borges (Curadora, pesquisadora e crítica de design)

"A dupla de irmãos Humberto e Fernando Campana é incontornável na história do design brasileiro. Eles falavam, com as suas criações, que a forma não segue só a função, que a forma segue a emoção, que a forma segue a poesia; Contestando mesmo os conceitos de usabilidade, com formas muito carregadas de simbolismo. Os dois sempre trabalharam juntos, o Humberto trazendo a questão mais subjetiva, mais onírica, formado em Direito, e o Fernando trazendo essa formação em Arquitetura, essa capacidade de projetar. Até ontem, não dava para falar de um sem falar do outro. É uma perda muito precoce e fico muito temerosa. Espero que o Humberto consiga superar a dor e continuar esse trabalho que é tão bonito e tão rico. O Fernando nos deixa muito precocemente, mas deixando esse legado para os designers brasileiros, criando uma verdadeira escola, liberando os designers para expressar mais suas questões pessoais em suas criações. Muita dor nesse momento".

Heloisa Crocco — Foto: Divulgação

Heloisa Crocco (Crocco Studio Design)

"A proposta dos irmãos Campana é de uma coragem criativa e de uma brasilidade ímpar. É um espetáculo a forma de inspiração deles, eu vi algumas palestras e achei de uma inteligência única. O legado que fica é deles mostrarem o trabalho para o Brasil e para o exterior de uma forma que só vem a enriquecer o setor. É lamentável [a morte de um deles] pela beleza desse trabalho de dois irmãos. É tão lindo ver dois irmãos se complementarem e fazerem uma trajetória dessas. É um pesar Fernando não estar mais entre nós. O design dele tinha humor e frescor".

Noemi Saga — Foto: Tomas Arthuzzi

Noemi Saga (Noemi Saga Atelier)

"O trabalho de Fernando Campana representa um marco simbólico da nossa cultura para o mundo. Com criações genuínas, espontâneas e cheias de liberdade, são influências que permeiam criações do nosso design. Tive oportunidade de participar de uma palestra com o Fernando e acompanhar suas inovações nos mais importantes eventos de design. Sempre foi motivo de orgulho. Ver a poltrona vermelha numa produção industrial para o mundo foi uma prova de que a originalidade e criatividade são valores do nosso design".

HISTÓRIA E LEGADO

O Estúdio Campana foi criado em 1984 e a marca dos irmãos ganhou o mundo pouco mais de 10 anos depois. Em 1998, abriram uma exposição no MoMA (Museum of Modern Art), em Nova York, com Ingo Maurer, artista alemão que morreu em 2019. Uma de suas obras mais conhecidas, uma cadeira vermelha feita com 500 metros de corda, é peça permanente no MoMA atualmente.

“No início, tiveram muita dificuldade de aceitação, até que a exposição no MoMA abriu as portas para eles no mercado internacional. A partir daí, houve um reconhecimento enorme. Até então eram só produções artesanais, e depois foi um estouro”, lembra Adélia Borges, pesquisadora brasileira autora do livro Design + artesanato: o caminho brasileiro.

Cadeira vermelha criada pelos irmãos Campana — Foto: Divulgação

O trabalho da dupla atraiu olhares internacionais ao transformar peças de mobiliário do cotidiano em ítens mais abstratos e disruptivos, trabalhando com os olhares distintos de cada um, mas sempre complementares. Nascido em Brotas, no interior de São Paulo, Fernando se formou em arquitetura pelo Unicentro Belas Artes de São Paulo, enquanto Humberto é formado em direito.

“A Campana está constantemente investigando novas possibilidades dentro do Design: da fabricação de móveis à arquitetura, paisagismo, moda, cenografia e muito mais. Unir disciplinas e incentivar a troca de conhecimentos entre comunidades e artistas são fontes vitais de inspiração, repertório novo e liberdade de pensamento”, informa o site do estúdio.

Entre os lugares em que chegaram a expor suas obras ao redor do mundo estão: Pompidou de Paris, o Design Museum de Londres e o Museu de Arte Contemporânea de Tóquio. Eles também ganharam a cultura pop pelo fator inusitado de suas peças, sendo sucesso entre nomes que vão desde Karl Lagerfeld, que atuou como diretor criativo da Chanel e da Fendi, até Lady Gaga e Kylie Jenner. Fernando e Humberto também assinaram peças para grifes como Lacoste e Louis Vuitton ao longo da carreira.

“Eles surgiram com uma postura de inequívoco DNA brasileiro, ou seja, essa capacidade de fazer coisas a partir de materiais e processos precários que a gente tem disseminada entre a população. Eles pegam isso e fazem criações que também contestam aquele axioma, que estava tão forte no design brasileiro naquele momento, de que a forma segue a função”, aponta Adélia.

Os irmãos Fernando e Humberto Campana — Foto: Reprodução/Instagram
Os irmãos Fernando e Humberto Campana — Foto: @vivispaco
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