Celebridades
Por — de São Paulo (SP)

Uma usuária publicou um relato no X, antigo Twitter, que viralizou nas redes sociais nesta quinta-feira (9). Ela contou em detalhes os momentos de desespero que viveu ao conseguir fugir das cheias que atingiram o Rio Grande do Sul.

Ariane do Carmo resolveu se pronunciar após ler comentários ofensivos nas redes sociais. Ela precisou escapar às pressas do prédio em que morava em Lajeado.

"E tudo isso para entrar na Internet e ler que gaúchos merecem passar por isso. Que esse estado não merece piedade. Que aqui residem brancos separatistas nazistas egoístas e outros istas e outros absurdos que desconsideram a pluralidade desse estado, mas não apenas que desconsideram o BÁSICO da humanidade: que ninguém "merece" ficar preso em um corredor escuro acuado pela água; ninguém merece perder a vida ou os entes queridos; ninguém merece ter de lutar por água potável", disse ela em um dos trechos.

Ela conseguiu escapar ao lado da irmã e do filho, ainda bebê.

Leia o relato completo abaixo:

Quando a água começou a subir eu nem pensei em sair de casa porque eu moro em um andar "alto". Diziam que a cheia seria maior que a outra cheia, mas maior quanto? Eu moro no quinto andar. Quando a água chegou na frente do prédio eu desci para pensar na vida e vi o síndico tirando a caixa do alarme de incêndio do prédio, recém instalada - "Ih, Ariane, isso é caro". Eu segurei a lâmpada de emergência que ele usava de lanterna pra ajudar e comentei "mas nem chega nessa altura, Joir"

Ele disse que também achava que não. Mas por via das dúvidas... eu olhei a água, que mal chegava na ponta da calçada, e falei: "não sei se saio. Aqui é seguro, mas vamos ficar sem luz e talvez ilhados". "Se tu quer ir", ele disse, e me olhou nos olhos, "vai AGORA" Eu senti uma urgência naquela voz que me fez mover. Eu e o síndico já havíamos conversado antes sobre o nível da água. As lojas no térreo e os dois primeiros aptos (o 001 e 002) foram esvaziados, por precaução. A subsíndica queria esvaziar também os apartamentos em cima daqueles (101 e 102) por via das dúvidas e o síndico achava que ela estava gerando pânico à toa.

Vejam bem: meu síndico não é nenhum tipo de negacionista. Ao contrário. Ele é excelente. Mas em todas as cheias do rio morando há 40 anos no prédio, a água chegou uma vez, ano passado (na que era, então, a "maior cheia", "histórica") apenas naquelas duas primeiras unidades- sem cobri-las, parcialmente apenas. E isso na "pior cheia de todas". "A Ilzete tá com medo, mas para a água chegar no 101-102, só se Lajeado já estiver submersa. Pra pegar enchente ali, Estrela inteira já foi, Arroio do Meio já foi, ih, acabou tudo". Errado ele não estava.

O porém é que a natureza disse "ok" e Lajeado se foi, Arroio se foi, Estrela se foi. E quase todas as nossas cidades. Eu só não fiquei no prédio por conta daquele "sai AGORA". A possibilidade da impossibilidade de deslocamento me criou uma urgência. Perguntei a ele se teria uma meia hora pra me organizar e ele fez cara de que talvez nem isso. Subi contendo os muitos lances de escada e perguntei pra minha irmã, de 18 anos, se a gente saía ou ficava. Era uma trovoada medonha lá fora e as ruas laterais ao prédio e a garagem já estavam com água. "Tenho medo de tá expondo a gente a risco à toa, porque aqui estamos seguras, só vamos ficar sem luz". A gente tá segura?" Ela perguntou. "Certeza, a água não passa do saguão". Mesmo assim, pelo sim pelo não, ela quis sair, por medo de ficar sem água e luz comigo e com o bebê - porque ainda tem o bebê - presa no prédio. Arrumamos uma mochila rápida para a decisão tomada as pressas. Rápida não, absurdamente rápida e apavorada. Eu nem sei o que pus naquela mochila. Muitos pares de calça para o bebê. Nenhuma meia. Blusas pra mim. Nenhuma calcinha.

Ração para a cachorra - ainda tem a cachorra - nenhum documento. Uma lanterna com bateria pela metade. Nenhum carregador de lanterna. E desci. Eu não sei quantos minutos levei para fazer minha mochila, mas quando cheguei lá embaixo, já não dava mais pra sair. A água estava acima do meu joelho. Meu bebê estava preso em mim com um canguru

Nas minhas costas uma mochila pesada e gigante. Em uma mão uma sacola de compras pesada com água e ração. Na outra o guarda-chuva. Eu tava toda tomada pra atravessar aquela água com segurança. Minha irmã tinha também uma mochila, a dela. O guarda chuva numa mão. A cachorra (eufórica com o passeio) na outra. Minha cachorra é grande. Como passar aquilo ali? Foi o síndico, de novo, quem surgiu. Ele nos disse pra dobrar as calças até bem alto (molharam igual).

Eu passei erguendo os pés do bebê. Minha irmã com sua mochila. E ele fez duas viagens carregando no colo o cachorro em uma e na outra as bagagens. No meio do caminho perdi meu chinelo, estourou. Eu saí assim pela cidade, cheia de carga, com um peso muito maior do que consigo, aguentar e ainda não sei como segurei, mochila, sacola, bebê amarrado no meu corpo tentando evitar que ela se molhasse (consegui), descalça pisando aquela água suja até a casa de um amigo, que nos deu abrigo.

O síndico ficou no prédio. Ele e mais cinco. Não porque fosse irresponsável, não porque estivesse ignorando qualquer aviso, mas porque a gente mora em uma rua que não alaga. Porque a água, quando muito, chegaria no apto 01, mas jamais no 101. Ela chegou até o 202. Os vizinhos que ficaram no prédio ficaram presos. A água subiu nível por nível - os andares no meu prédio não ficam emparelhados, sobem de "meio a meio", de modo que o 103-104 é acima do 101-102, que é acima do 01-02. O 201-202 está acima dos demais. A água engoliu todos eles. Só parou no 203. A casa do síndico era o 103. À medida que a água ia subindo, os cinco do prédio foram ARROMBANDO as unidades inferiores onde ela iria entrar para tentar SALVAR as coisas dos vizinhos que haviam saído do prédio.

Isso mesmo, nessa situação de desespero. Presos num corredor e vendo a água subindo, eles tiveram o heroísmo de sair buscando os pertences dos outros moradores pra tentar preservar algo, o que desse da cada um. Isso totalmente no escuro, sem água, somente com as luzes de emergência do prédio. Ouvi que uma das moradoras tinha um colchão de bebê no apartamento, do seu filho, e usou como balsa para transportar boiando os bens dos vizinhos. Eles colocavam os itens em cima e empurravam para o corredor, onde outros içavam o colchão para os níveis mais altos. O filho de uma vizinha se cortou no braço. Gravemente. Não havia mais Internet. No grupo do condomínio ela avisou que precisava de socorro médico. Já não tinha mais como subir. Como disse o síndico, para chegar água no 102, toda a região já estaria submersa antes. Estava.

As redes de 3g estavam fora. Energia elétrica também. Os barcos eram insuficientes e ninguém conseguia ligar. Eles não tiveram escolha além de seguir presos no prédio, passar a noite ali, fugindo da água e subindo o que podiam, cada vez mais alto. Quando o rio passou de trinta metros, só tinha dois andares de fora. O vice-governador disse que uma barragem rompeu e deveriam evacuar até a cota 40. Isso cobriria até o meu apartamento, que é o último. Todas as minhas coisas, meus documentos.

Mas o pior era pensar no síndico, que carregou minha cachorra no colo, preso na área de 2m² da escada. Na penumbra, vendo a água subir, com um rapaz com o braço cortado do lado. Felizmente a água não subiu até os 40m. Nós não sabíamos que eles estavam retirando coisas dos apartamentos atingidos. Eles fizeram isso sem nem ter como se comunicar com o mundo. Quando puderam avisar no grupo, dois dias depois, eu chorei. Enquanto eles tentavam dar o seu melhor pelos outros nessa situação extrema, em algum lugar da Internet um ou uma imbecil de outro estado digitava que gaúchos "merecem" sofrer a enchente. Que gaúchos "merecem" que ninguém se importe.

Na casa do meu amigo eu estava sem meus remédios de uso contínuo, que esqueci na pressa, pensando como fazer pois não posso ficar sem eles, correndo atrás de receita (no apocalipse) de notícias (no apocalipse) de água potável (no apocalipse). A pouca água que levei comigo ficou para o meu bebê e eu não tinha nenhuma chance contra as filas de 2 a 3 horas no mercado já que tinha um bebê. Fui conseguir umas garrafas em uma farmácia, onde desabei chorando de gratidão e pavor, tudo ao mesmo tempo, na frente de desconhecidos.

No meio disso tudo, meu marido estava na cidade vizinha quando começou o problema. Não é como se tudo isso tivesse levado dias. Foram poucas horas. Ele saiu pra trabalhar num dia normal de terça-feira como todas as terças são, mas não conseguiu voltar. Meu marido sumiu por horas naquela terça. Quando apareceu, me avisou que houve um desmoronamento na estrada, que não tinha por onde passar e que já não tinha luz nem Internet na cidade onde estava, que também começou a alagar. Convenci ele a não tentar voltar por rota nenhuma.

E a não tentar voltar. Ele disse que dormiria lá. No dia seguinte foi quando a água atingiu o nível máximo. Deslizamentos por todo lado, nenhuma rota era segura. A enchente carregou pontes e estradas. Eu morria de medo dele ter levantado de manhã naquela quarta e decidido. Tentar voltar. Da chuva ter diminuído na cidade onde ele estava e ele ter pensado que era seguro retornar.

E eu não tinha como me comunicar Mandei SMS, whats, tudo que tinha a disposição. Mas não chegava. Eu tinha pesadelos e alucinações com o corpo dele afogado. Eu tinha crises de choro e meu bebê, mesmo sem saber o motivo do choro, mas de algum jeito adivinhando, me fazia carinho e dizia "papai tá bem". Naquela quarta eu fui dormir agarrada na nossa filha e o cheiro dela era igual ao dele e entrei em pânico. Acordei no meio da noite apavorada achando que ele estava no quarto. A minha cabeça saiu completamente do lugar e ainda não voltou, mas eu não podia surtar totalmente porque tinha meu bebê gaúcho pra cuidar. Meu bebê gaúcho que, segundo alguns na Internet, não merecia piedade.

Eu fui ter notícia do meu marido 2 dias depois. Felizmente a salvo. Aliás desde a enchente eu experimento choro, uma dor de cabeça que não passa, tremores por todo corpo e CULPA. Porque tem "gente muito pior do que eu e no final eu não perdi nada". E tudo isso para entrar na Internet e ler que gaúchos merecem passar por isso. Que esse estado não merece piedade. Que aqui residem brancos separatistas nazistas egoístas e outros istas e outros absurdos que desconsideram a pluralidade desse estado, mas não apenas que desconsideram o BÁSICO da humanidade: que ninguém "merece" ficar preso em um corredor escuro acuado pela água; ninguém merece perder a vida ou os entes queridos; ninguém merece ter de lutar por água potável.

E que é claro que já ocorreram diversas tragédias nesse país e a condução do governo nessas ocasiões sempre deixou a desejar mas que mesmo assim ninguém "merece" ter sua dor ignorada e ver o resto do mundo parecer não se importar quando uma região inteira é alagada.

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