Histórias
 


A advogada Sheyla Belo Madeiro, 45, de Recife, Pernambuco, decidiu que não dependeria de um marido para começar a sua própria família. "Antes, eu achava que primeiro tinha que conhecer uma pessoa legal para casar e depois ter filhos. Mas, como uma pessoa com deficiência visual, não achava que isso iria acontecer comigo", disse ela, em entrevista exclusiva à CRESCER. Aos 37 anos, morando sozinha e com seus sonhos profissionais realizados, ela sentia que faltava algo: ser mãe. "Decidi que não ia mais esperar pelo parceiro ideal que não existe", destacou.

No entanto, o caminho até a maternidade foi longo. Foram anos de espera na fila da adoção até que ela finalmente conseguiu engravidar por Fertilização In Vitro (FIV). Então, em 6 de janeiro de 2023, Shelya se tornou mãe da pequena Beatriz, hoje com um 1 ano e 5 meses.

Sheyla no parto de Beatriz — Foto: Arquivo pessoal/Deborah Ghelman
Sheyla no parto de Beatriz — Foto: Arquivo pessoal/Deborah Ghelman

Vivendo com glaucoma congênito

Sheyla tinha apenas um mês de vida quando foi diagnosticada com glaucoma congênito — quando o olho não se desenvolve normalmente e a pressão intraocular aumenta, danificando o nervo óptico. "Eu e a minha irmã gêmea nascemos com os olhos muito azuis e grandes, o que chamou a atenção dos médicos", explica. Se não tratado a tempo, o glaucoma congênito pode levar à cegueira.

"Fizemos a primeira cirurgia aos 45 dias de vida e, no meu caso, as cirurgias não pararam mais até os 15 anos. Eu fiz mais de 40 procedimentos, entre eles, um transplante de córnea. Hoje, eu tenho 2% de visão no melhor olho, que é o direito, o olho esquerdo é nulo", afirma. Mesmo com uma porcentagem baixa de visão, Sheyla diz que seu cérebro se adaptou bem. "Eu tive um bom acompanhamento com médicos e professores e consigo utilizar 100% da capacidade do meu olho para enxergar o que eu enxergo hoje, que são cores borradas e vultos", conta.

Ela foi alfabetizada em Braille primeiramente e, com o avanço das tecnologias, conseguiu ampliar seu conhecimento geral. Antes de ser mãe, ela focou em sua carreira. "Eu sempre foquei muito na minha vida profissional, na minha faculdade, então, eu estudei bastante, fiz vestibular e passei em Direito. Como a pessoa com deficiência têm baixa empregabilidade, eu me preocupava muito com essa questão. Eu advoguei por um ano e depois passei no concurso público", relata.

Até então, a maternidade não estava nos seus planos. "Eu atrelava a maternidade a um parceiro. Eu, como uma pessoa com deficiência visual, não tinha a esperança de conhecer uma pessoa legal para casar e depois ter filhos", lembra. Mas, quando percebeu que já havia realizado seus sonhos profissionais, ela ainda sentia falta de algo. "Quando eu fiz 37 anos, eu resolvi que ia adotar uma criança. Decidi que não ia mais esperar pelo parceiro ideal que não existe", destaca.

Em busca da maternidade

Sheyla logo se cadastrou e entrou para a fila de adoção, mas parecia que a sorte não estava do seu lado. Depois de três anos de espera, ela ainda não tinha conseguido adotar uma criança. "Em 2020, uma amiga casada que havia passado por uma FIV me chamou, ela sabia que eu buscava a maternidade independentemente. Foi quando decidi fazer uma consulta com o médico dela e não tive dúvidas", recorda.

Pouco depois, ela já estava se preparando para o procedimento. Infelizmente, mais uma vez, as coisas não saíram como o planejado — foi quando veio a pandemia da covid-19. "Mas eu segui com o meu sonho, porque eu estava muito certa desse caminho", diz. Quando completou 41 anos, correndo contra o tempo do relógio biológico, ela precisava coletar seus óvulos urgentemente. Mas, durante os exames, ela descobriu que tinha miomas no útero.

"Antes do início de qualquer tratamento é muito importante uma avaliação aprofundada para o diagnóstico e eventual correção de problemas que podem atrapalhar ou impedir uma gravidez, como miomas, pólipos e endometriose", explica Dani Ejzenberg, especialista em reprodução humana da Nilo Frantz Medicina Reprodutiva, que acompanhou o caso de Sheyla. Por isso, ela não poderia fazer a transferência dos embriões antes da cirurgia para removê-los. Então, foi necessário congelar os embriões.

"Eu tive sete óvulos. Dessees, quatro não eram viáveis e três formaram embriões, mas nenhum deles transformou-se em blastocisto, que é o embrião de cinco dias que dá para ser congelado", explica. Assim, o desejo da maternidade teve que ser adiado mais uma vez.

'Meu coração já dizia que eu era mãe'

Sheyla durante a gravidez — Foto: Arquivo pessoal/Deborah Ghelman
Sheyla durante a gravidez — Foto: Arquivo pessoal/Deborah Ghelman

Depois da cirurgia para remover os miomas, o médico ofereceu a opção da embriodoação — doação de embriões, que traria uma maior chance de sucesso com a gravidez. Ela topou a ideia e já começou a fazer uma nova rodada de exames. Sheyla optou por adquirir dois embriões não biopsiados, isto pe, que não passaram por análise genética para detectar possíveis anomalias ou patologias, pois seria mais rápido. Em pouco tempo, ela conseguiu doadores. "Eu esperei minha próxima menstruação e fui para São Paulo. Em 19 de abril de 2022, começamos a preparar o endométrio para receber o embrião e a transferência foi feita em 6 de maio", lembra.

Dois dias depois, ela não conteve a ansiedade e comprou um teste de farmácia. "Deu positivo na mesma hora! Descobri que estava grávida dia 8 de maio de 2022, no Dia das Mães. Eu não tinha sintomas, mas meu coração já dizia que eu era mãe", recorda. Na manhã seguinte, ela foi para um laboratório fazer o teste de sangue, que confirmou o resultado.

O parto

A gravidez de Sheyla foi tranquila, mas ela manteve um pré-natal bem rigoroso por conta do glaucoma. "É fundamental o acompanhamento conjunto do obstetra e do oftalmologista durante todo o pré-natal e no parto. O acompanhamento inadequado do glaucoma pode levar a uma piora do quadro e, em casos extremos, até a cegueira, assim como o uso de medicação inadequada na gravidez para o glaucoma também pode aumentar o risco de malformações fetais", alertou Dani Ejzenberg.

Na reta final da gestação, ela teve polidrâmnio — aumento da quantidade de líquido amniótico. "Ele pode ser causado por problemas na placenta, no feto ou na mãe. Porém, em torno de 50% dos casos não tem uma causa conhecida. Durante a gravidez, isso pode acarretar em dificuldades respiratórias para a gestante, parto prematuro, rompimento da bolsa antes do parto, descolamento prematuro da placenta e dificuldade de contração do útero após o parto", esclarece Ejzenberg.

Por isso, Sheyla precisou agendar uma cesárea com 37 semanas gestacionais. "Eu já sabia que não poderia ter um parto normal. Em função do glaucoma congênito, eu não posso fazer grande esforços, pois aumenta a pressão ocular e pode levar à cegueira. Eu luto com todas as minhas forças para não perder o resíduo visual que eu tenho", explica ela. Felizmente, tudo correu bem e Beatriz nasceu em 6 de janeiro de 2023.

Sheyla e Beatriz — Foto: Arquivo pessoal/Carla Gomes
Sheyla e Beatriz — Foto: Arquivo pessoal/Carla Gomes

'Eu tinha muito medo'

Os primeiros dias como mãe foram repletos de desafios. "Eu tinha muito medo. Tinha medo de não conseguir dar banho nela, não conseguir trocar a fralda... Teve um dia que eu estava sozinha com ela em casa e tinha que trocar a fralda, ela tinha só 12 dias de vida. Eu me desesperei, porque ela sempre chorava quando precisava trocar a fralda. Mas, eu me acalmei, pensei que não era o fim do mundo e troquei a fralda. Nesse dia, ela não chorou", recorda.

Aos poucos, ela foi pegando o jeito e se adaptando com seu novo papel como mãe. E, claro, enfrentou outras dificuldades que qualquer pai ou mãe costuma ter com bebês bebês: dar remédio, introdução alimentar, lavagem nasal... Para superá-los, ela conta com uma ótima rede de apoio. "Tenho duas funcionárias maravilhosas. Tenho a minha mãe que praticamente mora aqui comigo e a minha irmã que veio morar comigo depois da pandemia", afirma. "Eu já saio com ela sozinha desde os quatro meses para ir para a casa de outras pessoas, mas ainda não fico sozinha com ela em lugares públicos", diz.

'Foi uma escolha consciente e planejada'

Beatriz tem 1 ano e 5 meses — Foto: Arquivo pessoal/Carla Gomes
Beatriz tem 1 ano e 5 meses — Foto: Arquivo pessoal/Carla Gomes

"Eu me tornei uma pessoa plena e feliz com essa decisão, exercendo essa máxima autonomia de optar por uma maternidade independente. Foi uma escolha consciente e planejada, executada com muita lucidez por uma mulher que quer exercer uma maternidade sem que tenha um parceiro", destaca. Sheyla sabe que a maternidade independente ainda é um tabu e busca mostrar que é uma forma válida de construir uma família.

"Muitas pessoas entendem que a maternidade independente é um duplo fracasso — porque a mulher não casou, não foi capaz de encontrar um parceiro, e porque a criança que ela traz ao mundo vai viver em condição desvantajosa por não ter um pai. Trazendo para o meu lugar de fala, que é o de pessoa com deficiência, pode ser visto até como um fracasso triplo", diz. "Mas eu penso que uma forma de quebrar esse preconceito é fazer as pessoas entenderem que a maternidade independente é uma escolha de uma mulher que abdicou da sua liberdade, do dinheiro e do tempo para gerar um ser humano com um amor incondicional, que é o sentimento mais puro, então, isso não não pode ser julgado", ressalta.

Para quem está pensando em seguir esse caminho, Sheyla orienta que é importante ter uma boa estabilidade na vida e muita certeza do que quer. "Precisa ter autonomia emocional e independência financeira, tem que se sentir capaz de dirigir sua vida e suas escolhas. Quando tomei minha decisão, eu sabia que eu era a única pessoa responsável pela minha vida e não tinha mais nenhum empecilho para ser mãe a não ser a questão biológica — de eu não conseguir reproduzir [sozinha]", ressalta. "São muitos os desafios, mas, hoje, tenho uma bebê fofa e maravilhosa", finaliza.

Regras para embriodoação no Brasil

A doação de embriões é legalizada no Brasil e possui normas que devem ser atendidas para ser realizada, determinadas pela resolução do CFM 2.320/2022, atualizada em setembro de 2022. Saiba quais são os requisitos:

1. A doação não pode ter caráter lucrativo ou comercial.
2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa, exceto na doação de gametas ou embriões para parentesco de até 4º (quarto) grau, de um dos receptores (primeiro grau: pais e filhos; segundo grau: avós e irmãos; terceiro grau: tios e sobrinhos; quarto grau: primos), desde que não incorra em consanguinidade.
2.1. Deve constar em prontuário o relatório médico atestando a adequação da saúde física e mental de todos os envolvidos.
2.2. A doadora de óvulos ou embriões não pode ser a cedente temporária do útero.
3. A doação de gametas pode ser realizada a partir da maioridade civil, sendo a idade limite de 37 (trinta e sete) anos para a mulher e de 45 (quarenta e cinco) anos para o homem.
3.1. Exceções ao limite da idade feminina podem ser aceitas nos casos de doação de oócitos previamente congelados, embriões previamente congelados e doação familiar conforme descrito no item 2, desde que a receptora/receptores seja(m) devidamente esclarecida(os) sobre os riscos que envolvem a prole.
4. Deve ser mantido, obrigatoriamente, sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores, com a ressalva do item 2 do Capítulo IV. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente aos médicos, resguardando a identidade civil do(a) doador(a).
5. As clínicas, centros ou serviços onde são feitas as doações devem manter, de forma permanente, um registro com dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas, de acordo com a legislação vigente.
6. Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) tenha produzido mais de 2 (dois) nascimentos de crianças de sexos diferentes em uma área de 1 (um) milhão de habitantes. Exceto quando uma mesma família receptora escolher um(a) mesmo(a) doador(a), que pode, então, contribuir com quantas gestações forem desejadas.
7. Não é permitido aos médicos, funcionários e demais integrantes da equipe multidisciplinar das clínicas, unidades ou serviços serem doadores nos programas de reprodução assistida.
8. É permitida a doação voluntária de gametas, bem como a situação identificada como doação compartilhada de oócitos em reprodução assistida, em que doadora e receptora compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento.
9. A escolha das doadoras de oócitos, nos casos de doação compartilhada, é de responsabilidade do médico assistente. Dentro do possível, o médico assistente deve selecionar a doadora que tenha a maior semelhança fenotípica com a receptora, que deve dar sua anuência à escolha.
10. A responsabilidade pela seleção dos doadores é exclusiva dos usuários quando da utilização de banco de gametas ou embriões.
11. Na eventualidade de embriões formados por gametas de pacientes ou doadores distintos, a transferência embrionária deverá ser realizada com embriões de uma única origem para a segurança da prole e rastreabilidade

Mais recente Próxima Mãe engravida de gêmeos duas vezes em apenas um ano: "Elas se completam"
Mais de Crescer

Ela postou a foto do produto e divertiu a web. ““Achei que fosse o rosto de um demônio”, comentou uma pessoa

Mulher encomenda bolo de aniversário da Hello Kitty e recebe “demônio”

A chamada "chupeta virtual", segundo os pesquisadores, impede que as crianças aprendam a controlar suas emoções, gerando ainda mais raiva: “Eles precisam da ajuda dos pais durante esse processo de aprendizagem, não da ajuda de um dispositivo digital”, disse a autora principal do estudo

Eletrônicos não devem ser usados para acalmar birras, alertam cientistas. Entenda

"Ajudar alguém a criar a família dos seus sonhos não tem preço", disse a mãe de dois norte-americana Lauren Brown, 36 anos. Ela e a esposa tiveram seus dois filhos com esperma de doadores e agora estão "retribuindo" a ajuda que receberam

Mãe que engravidou com esperma de doador, se torna barriga de aluguel de casal gay

A mãe disse que levou um susto quando a cratera misteriosa surgiu em seu jardim. Felizmente, ela conseguiu pegar o filho antes que ele caísse — "Um novo medo desbloqueado", disse ela

Buraco misterioso de 3 metros surge em jardim e bebê quase é "engolido"

Em uma imagem logo após o parto, o bebê está com a cabeça bem pontuda e, 24 horas depois, ela volta ao normal. Entenda por que e como isso acontece!

Cabeça de recém-nascido muda de formato e impressiona web

Consultamos os seguidores da CRESCER para saber quais gírias e expressões já causaram dúvida nas conversas do dia a dia com os filhos; confira os significados

Descubra o significado de sigma, tilt, mewing e outras palavras que bombam entre os pré-adolescentes!

O pequeno ficou dentro do veículo o dia todo e não resistiu. A mãe só percebeu quando viu uma chamada perdida da babá, na hora de sair do trabalho

“Corpo do meu bebê sem vida me assombra e nunca vou me perdoar”, diz mãe que perdeu o filho depois de esquecê-lo no carro

Mulher foi chamada de heroína depois de brigar com um homem que tentava roubar o carro, em que ela estava com seu neto

Avó dá soco em homem para proteger o neto

A mulher precisou tomar a difícil decisão de desligar os aparelhos que mantinham as crianças vivas

Arrasada, mãe faz alerta após perder os dois filhos, enquanto brincavam de “Marco Polo” na piscina

Pensando em montar um look igual ao do seu filho? Veja opções de calçados, roupas e acessórios que vão ajudar a coordenar o visual com os pequenos de um jeito estiloso e divertido

Tal pai, tal filho: 5 opções de produtos para combinar o look com as crianças