• Sabrina Ongaratto
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Ser mãe fazia parte dos planos de vida da consultora especializada em marketing, carioca, radicada em São Paulo, Bettina Boklis, 50 anos. “Como boa virginiana, já tinha programado tudo na minha cabeça: me casaria aos 27 anos e teria dois filhos”, lembra. Mas o plano deu errado. Primeiramente, porque, segundo ela, o casamento, que seria o ponto de partida, não aconteceu. E sem ele, parecia impossível seguir adiante. Mas ela não desistiu. Mesmo sem a figura de um pai, Bettina decidiu se tornar mãe.

336 Maternidade Independente Bettina Boklis e Catharina (Foto: Divulgação)

Bettina Boklis e Catharina (Foto: Divulgação)

Foi com o auxílio da reprodução assistida, utilizando o sêmen de um doador de um banco especializado, que Catharina, 7 anos, veio ao mundo. “Nesse processo, mesmo sem querer, me tornei uma referência para várias pessoas interessadas em saber mais sobre a maternidade independente”, diz. Por ser um assunto pouco difundido no Brasil, Bettina resolveu produzir uma espécie de guia, onde faz um mergulho profundo e biográfico, e defende que ser mãe independente com a ajuda da coragem, ciência e tecnologia não é um objetivo de vida, mas uma opção de exercer o direito à maternidade de um jeito não convencional.

O livro Maternidade independente – um jeito diferente de formar uma família (Editora Jaguatirica), lançado recentemente, é voltado a mulheres que desejam seguir o mesmo caminho de Bettina. A autora reuniu depoimentos de outras mães independentes, especialistas – que abordam os aspectos psicológicos, médicos, científicos, econômicos, legais e sociais que envolvem essa aventura –, além de informações sobre congelamento de óvulos, as diferentes técnicas de reprodução assistida e bancos de sêmen.

A obra, no entanto, não se limita apenas aos desafios da concepção: Bettina relata tudo o que vem depois que o bebê chega em casa. Ou seja, o desafio da educação como mãe-solo, como lidar com a escola, a comunidade composta, em sua maioria, por famílias no formato tradicional e, principalmente, como responder à esperada pergunta: “Quem é o meu papai?”. “Com uma mistura de coragem e fé, gerei Catharina, o amor da minha vida, por meio de reprodução assistida e com ajuda de material genético de um doador anônimo. Essa é a história de como me tornei uma mãe independente por opção, sem um parceiro, sem um pai para ajudar a criar a minha filha. O mais interessante, relembrando o passado, é constatar que a intuição foi minha grande guia”, diz Bettina no livro.

“O objetivo é jogar luz a um tema ainda pouco explorado e, ao mesmo tempo, levar esperança às mulheres que ainda sonham em ser mães”, completa. Confira, a seguir, o bate-papo de Bettina com a CRESCER.


CRESCER: Você diz que suas escolhas profissionais a afastaram do plano inicial de se casar aos 27, e ter filhos aos 30. Na sua opinião, as empresas estão preparadas para dar assistência às mulheres que querem ser mães, sem que seja uma “ameaça” à carreira?
Bettina Boklis: Eu acho que é uma questão cultural. Infelizmente, na nossa sociedade, a maternidade ainda é encarada como uma interrupção na carreira da mulher. Mas várias empresas já entenderam que esse processo faz parte da vida dela, e que isso não significa perda de produtividade. Mas temos de continuar a desconstruir esse preconceito e oferecer um ambiente de trabalho receptivo e empático dentro das corporações e de suas culturas organizacionais. Há uma longa caminhada pela frente.

C: No livro, você comenta sobre os altos custos dos procedimentos clínicos relacionados à reprodução assistida para que uma mulher consiga engravidar. Quais os entraves para mudar esse cenário?
B.B.: Acredito que deveria haver políticas públicas que facilitassem o acesso da população que não possui recursos para o tratamento. No Brasil, existe muito pouco, quase nada. Nos Estados Unidos, há vários incentivos estaduais, federais e também de ONGs disponíveis para as mulheres não só antes do tratamento, como durante e depois. Mesmo diante desse cenário, acho fundamental o esclarecimento do que é o tratamento e de como ele é feito. Ainda existe pouca informação sobre o tema. Eu digo isso porque o procedimento, para mim, não tem a ver só com a questão técnica, tem o emocional, o pós-tratamento e várias questões que abordo no livro.
 

"Não é só porque sou a responsável financeira que sou ‘pãe’. Eu me considero uma mãe com uma responsabilidade mais reforçada"

Bettina Boklis

C: Quais desafios emocionais a maternidade independente exige?
B.B.: A mulher que deseja encarar essa experiência deve ter autonomia emocional, ou seja, capacidade de assumir as escolhas por si só, e não depender de outra pessoa para tomar decisões, para se sentir bem. Ela não deve esperar nenhum comentário de terceiros para ter autoestima. É fundamental saber ficar bem, estando sozinha consigo mesma. Eu sei que é mais difícil do que parece, é um desafio mesmo. Imagine que esse passo na vida de uma mulher vai levar ao rompimento com a família tradicional, um comportamento diferente que pode sofrer um certo tipo de preconceito. O medo e a ansiedade são sentimentos que se vivem durante todo o processo. Por isso, eu super-recomendo o apoio psicológico, com um profissional que vai acompanhar e amparar a mulher durante toda a jornada da maternidade independente.

C: Em sua obra, você afirma que “o papel do pai tem outras dimensões”, e que não se sente também pai – além de mãe. Que papel seria esse?
B.B.: Para mim, o papel do pai se diferencia não só no ato de amar, de doar, quanto de exercer o papel real. Eu enxergo esses papéis como complementares, jamais substituíveis. São visões diferentes, comportamentos distintos, não dá para substituir. Não é só porque sou a responsável financeira que sou “pãe”. Eu me considero uma mãe com uma responsabilidade mais reforçada. 
 

"A maior responsabilidade de ser uma mãe independente é a capacidade de amar e de cuidar de outra pessoa de corpo e alma"

Bettina Boklis

C: Você acha que a Catharina sente falta de uma figura paterna?
B.B.: Ela sente, sim. Mas não é uma dor. É um desejo, porque o modelo da sociedade é construído dessa maneira. Agora, o que eu me esforço e tenho feito para amenizar isso é colocá-la muito próxima aos tios, aliás, supertios – meus irmãos Daniel e Sérgio –, que me ajudam muito a suprir essa lacuna. Eles estão superpresentes nas nossas vidas, mesmo os dois morando fora de São Paulo. Telefonemas, chamadas de vídeo, visitas... tudo isso cria um ambiente acolhedor para que a Catharina se sinta amada por eles. É o que importa.

C: Qual é o principal conselho que você daria para uma mãe que está prestes a embarcar na jornada da maternidade independente, que nem sempre é fácil?
B.B.: Primeiro, leia o livro (risos). Segundo, aconselho a se cercar de muita informação de todo o processo, porque isso eu não tive. Avaliar o momento de vida, os aspectos psicológicos e financeiros. Entender que a maior responsabilidade de ser uma mãe independente é a capacidade de amar e de cuidar de outra pessoa de corpo e alma. É preciso ter claro que a jornada não é fácil, mas é tão transformadora que tudo o que for negativo acaba se revertendo e contagiando as pessoas à sua volta. Isso acontece quando se está feliz com a própria decisão. Mais uma outra coisa que recomendo: ouça também a voz do coração. Ele pulsa!
 

Maternidade independente  – um jeito diferente  de formar uma família de Bettina Boklis,  Editora Jaguatirica, R$ 55,90 (Foto: Divulgação)

Maternidade independente – um jeito diferente de formar uma família de Bettina Boklis, Editora Jaguatirica, R$ 55,90 (Foto: Divulgação)

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