Começou a contagem regressiva para receber meu terceiro filho. Em poucos dias ele estará aqui comigo e uma nova aventura terá início. Um dos maiores aprendizados que tive nessa jornada foi que a vida não é feita de uma só emoção. As experiências podem misturar tudo que a gente sente.
Eu me lembrei da analogia que o filme Divertida Mente apresentou com as bolinhas das memórias. Inicialmente, só quatro cores representavam as emoções: amarela - memórias alegres, azul - memórias tristes… até que num momento do filme as bolinhas passam a ter muitas cores. As memórias, as experiências e os eventos não são de uma cor só. A gravidez é assim. Você pode estar muito feliz e, ao mesmo tempo, chorar de cansaço, de tristeza, de medo... Ter um irmão pode ser muito legal e, também, assustador.
Foi assim que eu me senti quando recebi recentemente a indicação como Top Voice do LinkedIn (é uma iniciativa da rede social que reconhece perfis que compartilham conteúdos relevantes e de autoridade sobre determinada área). Foi como receber uma promoção grávida. O reconhecimento do meu trabalho em um lugar de destaque, no qual eu passo a ter mais olhares voltados para mim. Me senti em um conflito interno. Um misto de sentimentos. Fiquei muito feliz, orgulhosa, animada e, ao mesmo tempo, ansiosa, pressionada e me questionei: será mesmo que precisava ser agora? Será que não seria a hora de ser mais esquecida do que promovida?
Então, me lembrei de quando fundei a Filhos no Currículo e queria gritar aos quatro cantos que filhos são potência na vida de pais e mães e que, diferente do que o mercado de trabalho nos mostra, eles não são impedimento para o crescimento na vida profissional.
À época, conheci uma mulher que me ensinou uma grande lição que retomo agora, ela me disse: "Eu fui promovida no meu retorno da licença-maternidade e era a última coisa que eu queria, pedi demissão pouco tempo depois". Eu lembro que quando ouvi as palavras dela, elas não faziam sentido para mim e a julguei. Julguei porque, para mim, todas as mulheres queriam que isso acontecesse e nós, enquanto empresa, queríamos que isso acontecesse com todas as mulheres, para mostrar para o mundo como um filho era uma transformação positiva na carreira.
Quando se é promovida, é como chegar em um novo lugar, que exigirá novas competências e, talvez, nos sintamos incapazes de dar conta, com medo, ansiosas e pressionadas. Ficar sob os holofotes num momento de tamanha vulnerabilidade e transformação não é algo confortável para muitas de nós.
Hoje eu consigo compreender o que ela quis dizer. O óbvio para um não é tão óbvio para o outro. O respeito a cada experiência sempre deve ser levado em consideração e, mais do que isso, existe um fato: uma criança não transforma a vida de uma mãe sem o amparo de toda uma rede de pessoas que entenda e apoie isso.
Sinto que o que faz diferença na transformação positiva da experiência da maternidade não é puramente a competência individual de cada mulher, mas sim a consciência coletiva de toda sociedade, que pode criar um ambiente seguro, acolhedor e que respeite o tempo de cada mulher para que ela saia do seu casulo forte e com asas abertas para voar.
Dados recentes da pesquisa “De Mãe em Mãe” (Universidade de São Paulo), que entrevistou mais de 800 mães de todo país, mostram que 97% das mulheres se sentem sobrecarregadas quase todos os dias da semana. Elas também sofrem mais com o burnout do que os homens. A constatação está nos dados da pesquisa Women in the Workplace de 2021. 42% das entrevistadas já sofreram com diversos sintomas da doença. Em 2022, uma a cada três mulheres pensou em deixar o emprego devido ao burnout (Fonte: JP News).
Ser mãe é um convite constante para o nosso desenvolvimento pessoal porque não há, na minha opinião, permissão de desistir. Isso é ao mesmo tempo exaustivo e imensamente poderoso. Nos dias mais difíceis eu me cobro, choro, me culpo, reclamo, desorganizo, peço ajuda e depois, assim como o sol nasce todos os dias, vem o suspiro, a retomada e as perguntas: O que posso aprender? O que preciso mudar? O que deixo ir? O que fica?
Essa terceira experiência já deixa suas marcas em mim. Com 40 anos, os médicos a nomeiam gestação geriátrica, o que para mim foi uma surpresa, uma vez que há um aumento significativo de mulheres que engravidam após os 35 anos. Num primeiro momento, achei a nomenclatura bastante pejorativa e usei o senso de humor para lidar com isso. Depois, decidi aproveitar cada segundo da minha atual maturidade para viver de forma inteira como não havia conseguido nas outras duas gestações.
Na primeira, eu me preocupava demais com as transformações no meu corpo, queria ser uma grávida como as grávidas que eu imaginava e me assustei com o que acontecia a cada semana. Na segunda gestação, sucumbi emocionalmente e não dei conta. Naquele momento, pedi demissão ainda grávida e fiquei bastante confusa. Estar grávida dessa vez me trouxe uma leveza diferente, como quem tem alguma intimidade com a mudança, mas que ainda assim se coloca humildemente no lugar de curiosa com o que a vida vai trazer.
Outro grande aprendizado tem sido minha limitação: "Tudo não terás." A importância de fazer escolhas e abrir mão de uma vez por todas da falsa ideia de que mulheres, especialmente mães, são multitarefas. Não somos. Somos capazes de muitas tarefas, mas não todas ao mesmo tempo. Este final de ano pesou demais para mim. A quantidade de tomada de decisões sobre diversos assuntos, as férias em casa de duas crianças e o último mês de gestação formaram um combo perfeito para a minha exaustão. Eu fiz muito menos do que eu gostaria, do que havia planejado, me cobrei infinitamente mais. Me senti ansiosa, cansada, apreensiva, culpada, incapaz.
Essa limitação que a maternidade nos impõe é algo que não podemos ignorar. Você não pode deixar de entender que o tempo, a vontade, o desejo, a realidade vão se limitando como se a cada dia você fosse ficando cada vez mais espremida. Como quem entra num casulo e vai se sentindo apertado. É hora de eliminar tarefas, sair de cena, "despriorizar", se é que essa é uma palavra que existe. Conseguir aceitar isso é difícil e passa a ser um aprendizado e, como qualquer aprendizado, leva tempo, disciplina, respeito e responsabilidade para se aprender.
Assim, me despeço de dentro do meu casulo por um momento, sabendo que posso contar com um time incrível para me ajudar - e que no meu tempo eu poderei retomar meu voos.
Com carinho, Camila.
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