Camila Antunes - Filhos no currículo
 

Por Marlon Camacho


Eu deixei o trabalho para ficar com o meu filho. Eu sabia que não era uma decisão comum para um homem como eu. Na época, formado em engenharia da computação, cursava uma pós graduação e trabalhava de segunda a sexta-feira no setor administrativo de um shopping grande da capital do país. Em paralelo, havia assumido a direção de uma ONG em meio período. Eram quase 60 horas semanais de trabalho.

Ainda sim, eu entrei para uma estatística quase que majoritariamente feminina: a de pessoas que saem do mercado de trabalho para cuidar dos filhos. 48% das mulheres se veem nessa encruzilhada e saem do mercado de trabalho até dois anos após a chegada dos filhos, segundo dados da FGV. Essa dor é essencialmente delas, mas foi também a minha história.

Pai e bebê — Foto: Reprodução
Pai e bebê — Foto: Reprodução

Uma pesquisa recente realizada pela Filhos no Currículo com a Infojobs, que mapeou o bem-estar parental nas empresas brasileiras, constatou que 4 em cada 10 homens já consideraram deixar seus trabalhos para cuidarem dos filhos. Claro que entre pensamento e prática existe um grande caminho e que homens ainda não tomam esse passo de coragem, mas definitivamente é uma estatística que vem crescendo e nos traz grande otimismo acerca desse tema.

Eu mesmo fui criado para ser o homem provedor, pai de família, responsável. Desde sempre meu sobrenome carrega um machismo que não tinha consciência que eu vivia. Me chamo Marlon CaMACHO, e as piadas de que eu tinha que ser o "macho" fizeram parte da minha história e da minha constituição como pessoa.

Acontece que minha esposa também tinha a sua intensa carga horária semanal de trabalho (de quase 80 horas!), dado que estava iniciando sua residência média. Quando ela ficou grávida do nosso primeiro filho, meu papel era garantir o funcionamento da casa. A pressão sob os meus ombros aumentava e o planejamento financeiro da família apertava. Dividíamos contas e algumas tarefas, isso era suficiente para eu entender que não tinha espaço emocional para outras demandas.

Na gestação o papel do pai parece ser secundário, me lembro do dia que no caminho para uma das consultas de pré-natal me questionei porque estava indo para aquele médico, me sentia apenas o motorista. Me sentia distante, desconectado, grosseiro e com pouca ou nenhuma percepção do que acontecia com ela. Eu não me via envolvido na equação.

Eu também não tinha nenhuma experiência com criança. Não peguei no colo outros bebês, não convivia e tampouco me sentia preparado e jeitoso para essa função. Isso é coisa de mulher. Cuidar é tarefa feminina, eu pensava. Até que vivi a experiência mais transformadora da minha vida: o parto do Joaquim.

O que eu não poderia prever era a revolução que aquele dia causaria na minha existência como ser humano, como homem e como profissional.

Voltei à minha rotina depois de 20 dias de licença-paternidade. Na época, lembro de achar um grande avanço ter essa oportunidade, uma vez que no Brasil a legislação prevê apenas 5 dias para o pai em casa. Ou seja, eu iria ter quatro vezes mais tempo com meu filho e isso já fazia de mim um "paizão".

No nosso país, apenas 1% das empresas aderiram ao programa Empresa Cidadã, o qual prevê uma licença estendida de 5 para 20 dias para os homens (tomando como referência informações do Ministério da Economia, dados da Receita Federal e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2019).

Mas é fato que vínculo não se constrói em 5 dias, nem mesmo em 20. Quando voltei pro trabalho, meu tempo com o Joaquim ficou muito escasso. Lembro de estar com ele nos primeiros meses, brincando, acolhendo, mas eu não me sentia “lá”.

Quando chegou o fim da licença-maternidade de minha esposa, ela voltou para a sua carga horária de trabalho intensa. Ela tinha que finalizar sua residência em ginecologia e obstetrícia. Foi diante dessa situação que eu entendi que precisava assumir o protagonismo em casa. Eu precisava ser corresponsável pela criação e cuidado do meu filho. Eu não queria mais ser um coadjuvante ou um “paizão”, somente um pai ativo.

O sucesso de um homem, por muitas vezes, está atrelado apenas ao sucesso profissional, a quantidade de dinheiro que ele coloca em casa. Por vezes, eu tinha a sensação de que eu estava fazendo mais do que a minha obrigação como homem, o machismo estrutural também vivia em mim. Eu sentia a relação desequilibrada com a ideia equivocada de que os cuidados são uma tarefa da mulher.

Por que essa atribuição recai apenas para elas? Por que elas têm que sacrificar suas carreiras de forma compulsória? Por que os homens não são capazes de assumir os cuidados dos filhos?

Fiquei em casa como o cuidador principal do meu filho até ele completar três anos de idade. Eu enfrentei muitos preconceitos, muitos questionamentos internos, encontrei com minhas sombras, medos e crenças sobre o tema. Me senti bem sozinho. Ainda é uma desconstrução constante em mim, entender o que é ser pai, para então me reconstruir pai.

Apesar de saber que a minha história não representa muitas realidades, ela é um manifesto para ampliar nosso repertório de possibilidades. Quando um filho chega, tudo pode mudar e temos que estar dispostos a aceitar essa mudança, a inovar, a buscar novos caminhos, a nos tornarmos melhores pessoas.

Meus filhos também me oportunizaram perceber que eu não estou sozinho nesse desafio. Tivemos o Antônio alguns anos depois, e meu compromisso só aumenta.

Meu trabalho se tornou ajudar outros homens, pessoas, empresas e sociedade a perceberem que filho é um assunto de todos. Que todos devemos nos implicar e nos importar. Quando comecei a participar e facilitar rodas de conversa entre pais, comecei a ouvir outros homens falando que negaram propostas de emprego em prol de mais tempo com os filhos. Ali eu comecei a perceber que não estamos sozinhos, era muito bom assistir homens mais engajados com suas paternidades.

Minha história é também um pedido de ajuda: vamos normalizar e incentivar a presença paterna nos assuntos domésticos e de cuidado. Nós somos uma peça importante nessa equação.

Hoje atuo como consultor e palestrante na Filhos no Currículo, que é uma consultoria de parentalidade comprometida a ajudar as empresas a construírem um ambiente de bem-estar parental para que as pessoas possam conciliar filhos e carreira. Minha história se junta a história da Filhos no Currículo, para trazer novas narrativas e mostrar que pai importa, sente e quer estar perto dos seus filhos. Afinal, quando um pai ocupa seu lugar todos ganham.

Por Marlon Camacho, educador parental e palestrante da Filhos no Currículo, pai de dois.

Marlon Camacho e os filhos, Joaquim e Antônio, — Foto: Arquivo pessoal
Marlon Camacho e os filhos, Joaquim e Antônio, — Foto: Arquivo pessoal

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