• Flávia Yuri Oshima
Atualizado em
Mãe trabalhando com o filho (Foto: Getty Images)

Mãe trabalhando com o filho (Foto: Getty Images)

Numa sociedade em que 49% dos cargos são ocupados por mulheres, parece não haver sentido discutir gênero no ambiente de trabalho. Nenhuma economia pode prescindir da força produtiva feminina. É certo que ainda não é um mar de rosas. A remuneração da mulher corresponde a 80% do que o homem ganha para desempenhar as mesmas funções. É assim aqui no Brasil – segundo dados do IBGE –, é assim globalmente nos países de regime democrático, de acordo com registros do Fórum Econômico Mundial.

No topo hierárquico das empresas, a presença delas ainda é minoria. Esses números indicam que há um caminho a ser percorrido para a equiparação de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. Dados históricos apontam, entretanto, que progressos estão ocorrendo. Há algumas décadas, a diferença salarial entre gêneros era muito maior. Nos anos 80, de acordo com um levantamento dos economistas brasileiros Naercio Menezes Filho e Ana Carolina Giuberti, a mulher ganhava, em  média, 68% do que o homem, no mesmo cargo e com formação similar. A lógica dessa progressão leva a crer que é uma questão de tempo para que as mulheres conquistem oportunidades semelhantes às masculinas, certo?

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Errado, infelizmente. O recorte da maternidade mostra que essa ideia é uma falácia. Várias pesquisas indicam que, no mercado de trabalho, o panorama das mulheres que não têm filhos é bem diferente daquele das que são mães. Um amplo levantamento, realizado em 2006 pela socióloga Louise Marie Routh com profissionais com título de MBA, nos Estados Unidos, mostrou que 36% delas afirmaram ter tido uma interrupção na progressão de suas carreiras depois da gravidez, enquanto suas colegas sem filhos seguiram numa trajetória de promoção e aumento de prestígio. Se entre homens e mulheres ainda há diferença, entre homens, mulheres e mulheres com filhos a distância entre igualdade de oportunidades é ainda maior.

A chance de uma mulher sem filhos ser contratada é 80% maior do que a de outra, com filhos, e com currículo semelhante. Funcionárias com filhos ganham, em média, US$ 11 mil por ano a menos do que suas colegas de mesmo nível hierárquico sem crianças. Ambos os dados são baseados numa investigação feita com as 500 maiores empresas da revista americana Fortune.

Se os dados econômicos revelam uma situação desconfortável para a mãe que trabalha, é no cotidiano que o drama para equilibrar carreira e maternidade se desenrola em tonalidades que variam, de acordo com a estrutura doméstica e profissional, com a flexibilidade de cada profissão e com a cobrança social e pessoal que cada trabalhadora que é mãe tem de equacionar.

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A relação entre filhos e carreira é um dos assuntos centrais do universo de leitores da CRESCER desde sempre, sejam eles homens ou mulheres. Por essa razão, fizemos uma ampla pesquisa que fizemos com nossas leitoras – que são mães – sobre o assunto. Ao todo, 2.887 mulheres responderam ao longo dos meses de maio e junho a uma série de perguntas, cujo objetivo é traçar um retrato de como é a relação da brasileira  com filhos com sua carreira, tanto do ponto de vista objetivo (quantas horas trabalha, quanto tempo amamentou, renda mensal etc) quanto do ponto de vista subjetivo (como se sente em relação ao trabalho e à maternidade e o impacto dela em sua carreira).

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Perfil das mães que responderam a pesquisa (Foto: Crescer)

OITO ANOS DEPOIS...

Essa mesma pesquisa já tinha sido feita em 2011. Além dos dados atuais, este ano trazemos, também, uma amostra do que mudou e do que permanece igual nos últimos oito anos, no que diz respeito ao mercado de trabalho para as mães. Os resultados de 2019 trouxeram boas notícias em relação à percepção que a mulher adquiriu sobre si mesma como profissional e do papel da carreira em sua vida. A brasileira está mais segura de seu valor como profissional. Em 2011, 62% disseram que parariam de trabalhar se pudessem. Este ano, o número caiu para 42%. A afirmação de que gostam de seu trabalho e que ele é importante para elas aparece em 58% das respostas. A culpa por deixar o filho para ir trabalhar também diminuiu, embora ela ainda assombre a maioria. Este ano, 63% responderam que sentem culpa. Esse percentual foi de 72% na pesquisa de 2011.

São mudanças positivas, sem dúvida. A pesquisa, no entanto, evidencia que a transformação ocorreu na forma como as mulheres passaram a encarar seu papel como profissional e como mãe, e não, necessariamente, numa mudança de ambiente ou das condições que encontram. Na prática, os entraves que as profissionais que são ou se tornam mães enfrentam parecem os mesmos.

Ao todo, 94% das mulheres que responderam à pesquisa relatam ter dificuldade para conciliar a carreira com a maternidade. Preconceito do mercado de trabalho com a mulher que se torna mãe (o que aumenta a pressão para que ela se prove continuamente e, consequentemente, aumente o estresse), políticas trabalhistas que não foram pensadas para as mães e falta de flexibilidade no esquema de trabalho estão entre os agravantes mais citados no cotidiano dessas profissionais. Entre as respondentes, 64% disseram ter tido a carreira prejudicada pela maternidade – seja porque elas próprias tiveram de recusar projetos mais ambiciosos ou promoções para terem tempo para o filho, seja porque deixaram de ser promovidas por serem mães.

cf312-pesquisa-maes-trabalho (Foto: Crescer)

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DILEMAS DA MATERNIDADE

As dificuldades que as leitoras da CRESCER relataram não são uma peculiaridade do Brasil ou de países em desenvolvimento. Dois episódios deixaram evidentes o tamanho do desafio que é conciliar os papéis de profissional e mãe. O primeiro deles ocorreu na Nova Zelândia. Ao vencer a eleição para o cargo de primeira-ministra do país, em 2017, Jacinda Ardern foi duramente criticada por estar grávida. Como a autoridade máxima de um país conciliaria a maternidade com o exigente cargo para o qual fora eleita? Sairia de licença-maternidade logo que tomasse posse? Parte da opinião pública defendia que era isso que ela deveria fazer, até como forma de apoio a um direito de todas as famílias e mulheres. Outra parte via nessa possibilidade algo que prejudicaria seu mandato.

Enquanto exibia seu vistoso barrigão nos últimos meses de gravidez, Jacinda defendeu bravamente seu direito à licença-maternidade e rebateu seus detratores. Depois que a pequena Neve Te Ahora (significa amor brilhante, em tradução livre) nasceu, em 2018, no entanto, Arden decidiu se afastar por seis semanas, em vez de usar as 18 a que tinha direito. Seu marido, Clark Gayford, saiu do programa de TV de pesca esportiva que apresentava para se tornar pai em período integral – decisão que poucas famílias podem se dar ao luxo de tomar por questões financeiras, principalmente.

Outra política que jogou luz a essa dificuldade, e desta vez de forma muito mais clara, foi a líder do Partido Conservador Irlandês, no Reino Unido, Ruth Davidson. Logo que Finn, seu primeiro filho nasceu, em 2018, ela declarou que se afastaria do cargo porque não achava possível combinar os dois papéis. Tanto o caso de Jacinda quanto o de Ruth levantaram uma discussão saudável em torno do tema e evidenciaram como a busca pelo equilíbrio entre carreira e maternidade é um desafio para diferentes culturas, mesmo em países economicamente mais avançados que o Brasil.

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