• Vanessa Lima
Atualizado em

A mãe tem os nove meses de gestação para se conectar com o bebê. Ainda assim, quando ele nasce, é aquela turbulência, em meio à recuperação do parto, aprendizados da  amamentação, preocupações, alterações hormonais… Um desafio. E os pais? Embora eles possam, é claro, vincular-se ao filho, mesmo que ele ainda esteja dentro da barriga da parceira, conversando, cantando, acariciando, participando das consultas médicas, preparação do quarto, cursos para gestantes e tudo mais... Também é um ritmo diferente, uma forma distinta, uma virada de chave que acontece de outra maneira. Quanto disso é influenciado - positiva ou negativamente - pelo período disponível de licença-paternidade?

+ Como incentivar os homens a aderirem uma licença-paternidade estendida, em um país onde 68% deles sequer tiram a licença prevista por lei?

Licença-paternidade: quantos dias são necessários para criar vínculo e entender nova rotina? (Foto: Pexels/ Josh Willink)

Licença-paternidade: quantos dias são necessários para criar vínculo e entender nova rotina? (Foto: Pexels/ Josh Willink)

No Brasil, a maioria dos pais que estão empregados têm direito apenas à licença de cinco dias corridos, contando desde a data do parto. Segundo um levantamento da Catho, realizado em 2021, apenas 7,5% das vagas anunciadas no site ofereciam licença-paternidade de 20 dias ou mais. E o que são cinco dias perto da grandiosidade que é a chegada de um ser humano que você ajudou a fazer? Perto de um ser humano pelo qual você será (ou, pelo menos, deveria ser) responsável pelo resto da vida? De um ser humano que você pode até já amar, mas que vai ter um relacionamento construído, tijolinho por tijolinho, ao longo do tempo que passarem juntos? De um ser humano que depende dos adultos para tudo? De um ser humano que chora, chora, chora e você não consegue decifrar o motivo?

Sem falar na sobrecarga materna. Cinco dias não aliviam em nada. Quando esse período acaba, o perrengue todo, na verdade, mal começou. Se queremos uma divisão equilibrada entre os gêneros, quando se trata de cuidados com os filhos, um dos pontos importantes para avaliar é a licença-parental. Se mãe e pai têm igual responsabilidade pela criança, por que eles têm direito a cinco dias e elas, a 120 ou 180?

Para as empresas que participam do programa Empresa Cidadã, a licença pode ser ampliada para 20 dias. E ainda que não seja obrigatório por lei, algumas empresas oferecem o benefício da licença estendida também para os pais, em caso de nascimento de filhos ou de adoção. É o caso do Grupo Boticário, que desde 2021 aumentou de 20 para 120 dias o período a que os funcionários têm direito de se afastar e continuar recebendo remuneração, ao se tornarem pais.

Para entender o peso que o período de licença tem para as famílias, reunimos depoimentos de pais que tiraram 5, 20 e 120 dias do benefício. Aqui, eles contam como foi:

5 dias - “Eu teria surtado, se trabalhasse fora”

Gustavo é pai de Lua e teve cinco dias de licença-paternidade (Foto: Arquivo pessoal/ Gustavo Borges)

Gustavo é pai de Lua e teve cinco dias de licença-paternidade (Foto: Arquivo pessoal/ Gustavo Borges)

“Tirei cinco dias de licença. Foi interessante porque, há dois meses, eu estava em outra empresa, na qual eu teria um mês de licença-paternidade. Eles tinham mudado a regra há pouco tempo e, quando eu fiquei sabendo que eu teria esses 30 dias, fiquei maravilhado porque eu ia conseguir curtir minha pequena, ajudar bastante a mãe, então, seria sensacional. No entanto, recebi uma proposta para mudar e, na empresa atual, eles não têm esse mesmo benefício. São apenas cinco dias. Felizmente, ainda tenho o benefício de estar em home office, então, trabalho de casa e consigo, de fato, dar certa assistência. Mas os cinco dias, em si, não foram suficientes. Fomos para o hospital em uma segunda-feira, às 5h da manhã; o trabalho de parto foi das 6h até as 2h da manhã do dia seguinte; minha filha nasceu na terça; e ficamos no hospital até sexta. Foram dois dias entre trabalho de parto, nascimento e recuperação da minha esposa, depois, ficamos mais dois dias em acompanhamento e, no dia em que minha esposa teve alta, a bebê não teve, porque precisou de mais um dia para tomar o banho de luz, por conta da icterícia. Então, ficamos no hospital até sexta-feira, quando se completou meu período de cinco dias. Tive sábado e domingo para fazer certa adaptação em casa e, na segunda-feira, tive que voltar a trabalhar. Como estou em home office, é um pouco mais tranquilo. Consigo, hora ou outra, dar uma ajuda. Mas, se eu tivesse que sair de casa e ir para o escritório, eu teria ficado louco - a real é essa. Você não descansa nos primeiros dias, você não consegue pensar em outra coisa que não seja o bebê. Você está a todo o momento querendo dar assistência, preocupado… Sou pai de primeira viagem, então, qualquer respiração diferente você já fica tenso, qualquer choro, você não sabe se ela quer comer, o que ela quer. A todo momento, você quer estar ali, com elas. A mãe também está ali, supercansada de tudo, de todos os acontecimentos, fez força por horas e horas, tomou remédio por dias, está exausta. Estar ao lado delas é primordial. Na minha opinião, um mês seria fantástico para estar junto delas. Quinze dias, seria o mínimo para conseguir fazer uma adaptação, entrar em uma rotina, onde você já consegue começar a entender um pouco melhor o bebê, saber os horários. Ontem, já tínhamos a primeira consulta com o pediatra, depois, o retorno da minha esposa ao obstetra. São coisas das quais precisamos participar. Sem falar que tem as vacinas… Enfim, várias coisas que vão acontecendo nos dias que se seguem ao parto e que uma pessoa que não tem a licença não consegue acompanhar. Isso acaba deixando a mãe sobrecarregada. Minha esposa, por exemplo, não dirige, ela não conseguiria ir sozinha com a bebê para lá e para cá, pegar ônibus, em tempos de covid-19, ela está operada, tomando medicação ainda. Ela até conseguiria fazer sozinha, mas, para ter uma boa recuperação, não é o ideal. Dar essa assistência a elas faria toda a diferença. Eu provavelmente teria surtado se trabalhasse fora porque fazer esse deslocamento cansado, já que a gente mal dorme nesses primeiros dias, é puxado. O escritório fica a 40 minutos, uma hora de carro; de transporte público, seria uma hora e meia para ir e uma hora e meia pra voltar. Isso tudo somado ao estresse do dia a dia. Chegar em casa e dar um auxílio para elas, que já estão ali, o dia inteiro, se desdobrando, seria muito difícil. Então, com certeza, eu não conseguiria nem focar no meu dia a dia, porque eu estaria com a cabeça em casa, preocupado. Estando em casa, eu consigo, pelo menos, ajudar na hora quando acontece alguma coisa. Peço licença ao pessoal e vou. Minha equipe é muito compreensiva. Quando entrei na empresa, todo mundo já sabia que minha filha estava para nascer, eles me deram muita assistência. É o que me conforta de ter tido só esses cinco dias, mas, mesmo assim, é bem puxado”.
Gustavo Borges, coordenador de growth, 29, São Paulo (SP), pai da Lua, 10 dias

20 dias - “Todos os pais deveriam ter esse direito”

“Meu primeiro filho nasceu em 2017, eu era assistente de gerente, no banco. Por lei, tenho direito a cinco dias, mas, graças a uma conquista da categoria dos bancários, temos direito a incluir 15 dias extras. Porém, para isso, é preciso fazer um curso que se chama Pai presente: cuidado e compromisso. Nas aulas, você recebe dicas de como ser um homem mais presente. Acredito que é importante porque nem todo homem é pai de verdade. Muitos fazem os filhos, são progenitores, mas não se interessam pelos cuidados e tudo mais. Para mim, sempre ficou muito claro que eu tinha que trocar fralda e muito mais, estar no dia a dia. Acredito até que ajuda a reforçar os laços entre pais e filhos. E não estou aqui fazendo demagogia, não. É o que eu realmente penso. Então, durante esses vinte dias em que fiquei em casa, fiz tudo, até porque minha mulher estava em uma situação difícil, tinha acabado de passar por uma cirurgia. Então, eu cuidava da casa e do bebê. Tivemos ajuda de familiares também porque este é um momento em que a mulher precisa de muita ajuda, dorme pouco - e a gente tenta fazer o que pode. Eu acordava à noite, trocava fralda, fazia tudo o que era necessário. Foi justamente para isso que tirei essa licença. Enquanto o bebê mamava no peito, não tinha muito o que fazer, mas todo o restante, sim. Quando acabaram os 20 dias, voltei a trabalhar, mas foi uma experiência muito enriquecedora. Poder passar esse momento com o meu filho, valeu muito a pena. Tenho certeza de que, de alguma forma, ali no subconsciente a criança grava. Já a minha segunda filha nasceu em 2019. Naquele momento, já tínhamos o Miguel. Então, tudo estava um pouco mais complicado. Ter dois filhos não é fácil, sobretudo, para a mulher. De novo, peguei vinte dias. Fazia de tudo, cuidava da casa, trocava fralda, acordava nas madrugadas, cuidava do filho mais velho. Era um desafio extra, porque o Miguel sentia que as coisas estavam mudando em casa. Ele queria dormir abraçado comigo porque a mãe acabava ficando um pouco mais distante naquele momento, em que tinha de cuidar da bebê, dar de mamar. Ele sentiu e eu tentava amenizar isso. Mas, novamente, conseguimos nos virar. Eu acho que é necessário, acho que todos os pais deveriam ter esse direito, assim como todas as mães deveriam ter a licença estendida. É um momento importante. O mundo precisa parar de perguntar para as mulheres se elas têm filhos, se pretendem ter e precisa parar de vê-las como um problema porque as crianças são o futuro da nação. Por isso, deveríamos pensar de outra forma”.
Julio, 37 anos, pai de Miguel, 5 anos, e Maria Clara, 3, bancário, Guarulhos (SP)

120 dias - “A moeda mais valiosa do mundo se chama tempo”

Marcio e os filhos, Arthur e Matheus: licença universal fez a diferença! (Foto: Arquivo pessoal/ Marcio Cardoso)

Marcio e os filhos, Arthur e Matheus: licença universal fez a diferença! (Foto: Arquivo pessoal/ Marcio Cardoso)

“Sou pai do Arthur, 4 anos, e do Matheus, 9 meses. Tive dois filhos trabalhando no Grupo Boticário. No nascimento de Arthur, fiquei de licença-parental por 20 dias. Já quando Matheus nasceu, a empresa tinha implementado a licença-parental universal e fiquei 150 dias com minha família, sendo 120 dias de licença estendida e 30 dias de férias. Passar esse tempo com a minha família foi incrível. O laço e as memórias afetivas que conseguimos criar são muito valiosos. Os primeiros dias foram intensos, de muito trabalho e adaptação da rotina, tudo isso somado à recuperação da cesariana da minha esposa. Entendo que meu papel e minha participação neste momento também foram fundamentais para dar todo o suporte necessário, além de estar 100% dedicado à minha família. O amor é em dobro, mas a demanda também. Isso significa que me coloquei à disposição para ajudar em todos os sentidos, fazendo o café, lavando louça, cozinhando, realizando todas as tarefas essenciais. Fiquei totalmente dedicado aos meus filhos e à minha esposa. Ela também é funcionária do Grupo Boticário e saímos de licença juntos. Fizemos a divisão de tarefas, dei mais suporte ao Arthur, o mais velho, e minha esposa, ao Matheus, mas isso não significa que não troquei fralda, que não coloquei a mão na massa. O mais árduo foi o período da madrugada, mas fiz tudo com muita dedicação e amor, papel de pai totalmente presente. O impacto disso foi a maior qualidade de vida, que se refletiu numa adaptação mais tranquila. Acredito que o primeiro passo exige uma mudança de mentalidade e quebra de paradigma. Tem muitos desafios diários, mas é preciso se jogar, colocar a mão na massa. Como parte dessa experiência, me engajei nesse propósito. Foi hora de deixar o celular de lado, porque as prioridades eram e continuam sendo os meus filhos e minha esposa, que precisavam da minha presença de forma integral. Cinco ou vinte dias passam muito rápido, não dá tempo de curtir a família, criar laços e memórias afetivas. Ainda mais porque a criança está em fase de adaptação, sendo que, nos primeiros meses, é a fase que ocorrem muitas transformações na vida do bebê. Com a licença, consegui acompanhar bem de pertinho cada momento. A licença parental estendida, com certeza, é algo ainda bem incomum nas empresas. Entendo que existem vários fatores envolvidos para se tornar realidade a todos. Foi um ‘presentão’, contendo a moeda mais valiosa do mundo, chamada “tempo”. Acredito que viver esta experiência foi muito importante para todos nós. Minha dica para os pais é que vivam intensamente esse momento, com muito amor e façam valer cada segundo, pois o tempo não volta.”
Marcio Cardoso Oliveira Drago, 43, pai de Arthur, 4, e Matheus, 9 meses, especialista de suprimentos, São José dos Pinhais (PR)

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