• Texto Olívia Fraga | Fotos Lufe Gomes | Realização Cláudia Pixu
  • Texto Olívia Fraga | Fotos Lufe Gomes | Realização Cláudia Pixu
Atualizado em
A gaúcha Helena Rizzo: “O reconhecimento é bacana, mas a gente não perde tempo pensando nele” (Foto: Lufe Gomes/ Editora Globo)

A gaúcha Helena Rizzo: “O reconhecimento é bacana, mas a
gente não perde tempo pensando nele” (Foto Lufe Gomes/
Editora Globo)

Em maio de 2013, Helena Rizzo chegou a Londres com os pais, Ivone e Roberto. Não se incomodou com o frio nem com a inesperada greve do metrô. Passeou com a família pelas ruas do East End. Quase não saiu do bairro. Perambulou pelas feirinhas e carrinhos de comida de rua, antes de ir receber o prêmio Veuve Clicquot de melhor chef mulher do mundo, em eleição organizada pela revista inglesa Restaurant. Voltou a São Paulo com a mesma placidez e seguiu com sua vida de Helena.

“A gente volta para a função e a ideia é continuar o que estava fazendo, aquele trabalho de formiguinha. Enquanto estivermos aqui, é assim que tem de ser”, conta ela, sentada para conversar com a repórter numa mesinha do Manioca, casa de eventos ao lado de seu restaurante, o Maní. O chão está bem debaixo dos pés da chef, que gosta de visitar os mercados municipais e voltou da Ceagesp encantada com uma batata alaranjada rara. Helena fala pouco, conversa mais com os olhos e se desembaraça apenas quando está dentro da cozinha, pronta a explicar o que faz com cada caldo, flor e vieira que chega às suas mãos.

Salão que recepciona a entrada, ao lado do bar | Couvert com lascas de polvilho, pirulito de parmesão, coalhada, queijo de cabra com pimenta-rosa e manteiga (Foto: Lufe Gomes/ Editora Globo)

Salão que recepciona a entrada, ao lado do bar | Couvert com lascas de polvilho, pirulito de parmesão, coalhada, queijo de cabra com pimenta-rosa e manteiga (Foto Lufe Gomes/ Editora Globo)

A síntese de seu trabalho, um dos mais interessantes e consistentes na gastronomia de São Paulo, materializa-se na frente do espectador debruçado nos vidros que isolam a cozinha do Maní do corredor e do resto do salão. O gesto da cozinheira é definitivo, justa pincelada na tela em que se transforma o prato. Os gadgets em que se ampara – como o novíssimo forno Josper onde finaliza o polvo exibido nesta reportagem – não são o foco quando Helena está trabalhando. Eles parecem sumir, até perder importância. É em sua mão que o olhar se fixa. Mão de cicatrizes e cortes, um pequeno hematoma na unha, marcas.

Mesa no salão dos fundos do Maní, em São Paulo (Foto: Lufe Gomes/ Editora Globo)

Mesa no salão dos fundos do Maní, em São
Paulo (Foto Lufe Gomes/ Editora Globo)

Neste limiar entre arte e técnica, a cozinha do Maní se consolidou como uma das melhores do país. Inventiva sem se prostrar ao tecnológico, bela de ver e repleta de sabor, acumula elogios pelo mundo. Aberto em 2006, o lugar ganhou destaque mais pelos sócios estrelados – a apresentadora Fernanda Lima, colega de Helena desde os tempos de modelo em Porto Alegre, e os empresários Pedro Paulo Diniz e Giovana Baggio – do que pelos chefs egressos do respeitado El Celler de Can Roca (Espanha), Helena e seu ex-marido, Daniel Redondo. Os sócios permanecem, mas o casal tornou-se protagonista da própria história.

No mesmo prêmio em que foi homenageada como a melhor chef mulher de 2013, Helena foi aplaudida pela 36ª posição do restaurante na lista dos 50 melhores do mundo. O Maní se estabeleceu numa época de deslumbramento com a cozinha dita molecular, ou tecnoemocional, inspirada na moderna cozinha espanhola de Ferran Adrià. Para muitos, visitá-lo era um exercício de atualização, uma checada no novo capítulo da gastronomia. Ainda hoje, o Maní é catalogado como restaurante de cozinha contemporânea – ah, o mundo e sua necessidade de etiquetas –, palavra que o define muito pouco.

Rei Alberto, tradicional no sul do Brasil, leva doce de ovos, flocos de nata, ameixa e morangos (Foto: Lufe Gomes/ Editora Globo)

Rei Alberto, tradicional no sul do Brasil, leva
doce de ovos, flocos de nata, ameixa e
morangos (Foto Lufe Gomes/ Editora Globo)

O tempo tratou de mostrar que Helena não perdeu a essência entre esferas e espumas. Ela está em busca de sabores, sobretudo brasileiros, mas não só. O caldo de tucupi que acompanha o nhoque de mandioquinha, no cardápio desde 2009, é um dashi japonês: leva katsuobushi (raspas de peixe bonito depois de seco, fermentado e defumado) e alga kombu, além do próprio tucupi e de folhas de jambu, a erva amazônica que adormece a língua. Da Lama ao Caos, divertimento servido como sobremesa, tem fragrância árabe: coalhada, gelatina de água de flor de laranjeira, pistaches caramelizados, sorvete de gergelim preto. Quem espera encontrar apenas brasilidade pode se chocar com a língua franca do menu. Há espaço para PFs, moquecas, bochecha de boi com taioba, jabuticaba, fideuàs, vieiras e foie gras na mesma medida.

Ceviche de caju coberto de raspadinha de cajuína e cachaça (Foto: Lufe Gomes/ Editora Globo)

Ceviche de caju coberto de raspadinha de cajuína e cachaça
(clique na foto para ler a receita)
(Foto: Lufe Gomes/ Editora Globo)

Daniel é tão cerebral quanto Helena, mas eles raramente estão juntos no serviço. Quando ele comanda o almoço no Maní, ela assume o posto durante o jantar. O ex-casal se conheceu na cozinha do Celler – ele começou a trabalhar com os irmãos Roca aos 15 anos, ainda no primeiro restaurante da família, “pilando patatas” (cortando batatas), como ela brinca. Chegou a chef. Ela disseca ingredientes e sabores; ele aperfeiçoa a técnica, a execução do prato. O cardápio do Maní é feito com contribuições de ambos, mas o resultado é por demais feminino para que não se sinta a presença de Helena ali.

Presença traduzida na delicadeza do prato, da montagem e do balanço – quase uma linguagem arquitetônica em forma de comida. A chef, aliás, largou a faculdade de arquitetura aos 18 anos, quando veio morar em São Paulo para modelar e mexer com cozinha. Trabalhou com Neka Menna Barreto e foi sócia do Na Mata Café, antes de sair para uma temporada de quatro anos na Europa.

A Helena de hoje está mais imersa nas pesquisas. “O reconhecimento é bacana, mas a gente não perde tempo pensando nele. Quero continuar trabalhando em cima do que já faço, colaborar com bons fornecedores, e é isso”, afirma. Enquanto ajeita a sobremesa Rei Alberto para a foto, faz rápida pausa para dar um alô para a mãe por telefone. Foto feita, oferece o doce à repórter e corre para arranjar uma colher para si mesma. Helena segue com fome.

Flores do campo, como astromélias e margaridinhas, são usadas nos arranjos feitos em vidros de azeite |  Dentro da cozinha, quadro e cardápio para um grupo de visitantes (Foto: Lufe Gomes/ Editora Globo)

Flores do campo, como astromélias e margaridinhas, são usadas nos arranjos feitos em vidros de azeite | Dentro da cozinha, quadro e cardápio para um grupo de visitantes (Foto Lufe Gomes/ Editora Globo)

A chef Helena Rizzo, na cozinha do Maní, no preparo das cebolas que acompanham o polvo (à direita), finalizado no forno Josper e servido com purê de batata roxa e azeite de picada (Foto: Lufe Gomes/ Editora Globo)

A chef Helena Rizzo, na cozinha do Maní, no preparo das cebolas que acompanham o polvo (à direita), finalizado no forno Josper e servido com purê de batata roxa e azeite de picada (clique na foto para ler a receita) (Foto Lufe Gomes/ Editora Globo)