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Em um dos seus vídeos para o canal Casa do Saber no YouTube, a psicanalista Maria Homem discorre como a solitude é mais presente no vocabulário linguístico do que na vida real. A necessidade de compreender e diferenciar o "ser e estar só da solitude" da ausência e sofrimento da solidão, é um dos pontos defendidos pela pensadora que, em linhas gerais, afirma que o "saber viver sem o outro" é uma condição humana saudável.

Na opinião de Arnaldo Cheixas Dias, psicólogo e mestre em neurociência, a tese faz sentido e pode ser traçada em duas linhas de pensamento que explicam a diferença entre solidão e solitude. No caso do primeiro, diz respeito a pessoa que "vive sozinha" e o segundo, a pessoa que "não necessariamente vive só, mas gosta e/ou prefere estar". A grande questão é, então, a função do "sozinho".

Os influenciadores da solitude

Como alguém que já esteve em ambos, Adair Ledino faz muitas das suas atividades de lazer com a própria companhia. De viagens internacionais a idas a bares, restaurantes e cafeterias, dessa forma o goiano de 26 anos se tornou um criador de conteúdo.

Natural de Anapólis, interior do Goiás, o influenciador da solitude transformou o tema em expertise e compartilha hoje os seus momentos solitários nas redes sociais com milhares de pessoas. "É o que eu costumo dizer aos meus seguidores: quantas vezes a gente não gasta dinheiro à toa para ir em um rolê duvidoso porque não quer ficar em casa sexta-feira sozinho?" diz à GQ Brasil.

Embora recente, a carreira de influenciador aconteceu de forma inesperada. Com mais de 100 mil seguidores somando Instagram e TikTok, o estudante de psicologia – que antes tinha o perfil trancado– começou a investir na área no ano passado quando, sem premeditar, viralizou na "rede vizinha".

O vídeo responsável pelo trampolim, é um relato do goiano em uma ida ao seu bar preferido, sozinho. Atitude que, para algumas pessoas, parece ordinária, enquanto para outras, uma dádiva que apenas pessoas autoconfiantes encaram. "Tive bastante vergonha e medo de julgamento no começo, mas decidi me expor e as coisas foram dando certo", afirma.

Adair Ledino em sua 11º viagem solo pela América do Sul — Foto: Instagram/Reprodução
Adair Ledino em sua 11º viagem solo pela América do Sul — Foto: Instagram/Reprodução

'Vou sozinha mesmo'

A trajetória de Adair não é muito diferente da criadora do perfil Vai Sozinha Mesmo, Yasmin Lodi, 23. Ao levar um bolo da amiga a caminho de um festival de música, a jovem formada em direito resolveu registrar a situação. "Na hora que ela cancelou, pensei: 'Vou sozinha mesmo'. Gravei tudo e postei no TikTok. Foi tão rápido e orgânico, que fiquei perdida no começo", relata.

A página administrada por Yasmin também tem um alcance alto para alguém que começou do zero em 2022. Os 135 mil seguidores no Instagram e 33 mil no TikTok, já proporcionaram a ela momentos inusitados como um passeio de balão. "No geral, gosto muito de ir em restaurantes, barzinhos e festivais. Você anda no seu ritmo, conhece todos os cantos e entra nas filas que normalmente um acompanhante não topa."

Reestabelecendo a conexão

Yasmin, criadora da página 'Vai Sozinha Mesmo', em festival de música — Foto: Arquivo Pessoal
Yasmin, criadora da página 'Vai Sozinha Mesmo', em festival de música — Foto: Arquivo Pessoal

Os influenciadores da solitude não começaram a sair sozinhos da noite para o dia. Ambos tiveram que recorrer a doses de coragem para quebrar um padrão ainda muito comum: a dependência do outro. No caso do goiano, o primeiro sinal apareceu em 2014.

Apaixonado por futebol e são-paulino fanático, ele deixou de assistir a um dos jogos da Copa do Mundo no Brasil, por falta de companhia. "Meu grande ponto de partida foi perder oportunidades por medo de ir sozinho. Não tive coragem e é uma vivência única que eu perdi", lamenta.

O movimento de mudança começou em 2016, ano seguinte da morte da mãe, quando também viveu tempos difíceis, disfarçando o luto em raros momentos sozinho e sempre com a companhia dos amigos e da namorada na época. "Saía todo fim de semana e mesmo assim aquilo não preenchia o vazio. A época mais sozinha da minha vida foi estando rodeado de pessoas", relembra.

Não tenha medo

A primeira viagem sozinho do goiano foi de carro para a capital paulista, onde assistiu a uma partida de futebol do time do coração no estádio Cícero Pompeu de Toledo, no Morumbi. "Foi mágico para mim, uma novidade mesmo. Parecia criança descobrindo o mundo", recorda.

O influencer Adair Ledino no estádio do Morumbi, em São Paulo — Foto: Instagram/Reprodução
O influencer Adair Ledino no estádio do Morumbi, em São Paulo — Foto: Instagram/Reprodução

Já a dona do perfil Vai Sozinha Mesmo conta que sempre foi de namorar. Passou anos e anos engatando um relacionamento amoroso no outro. A brecha para a mudança aconteceu em meio à pandemia, que coincidiu com um término. "Foi quando tive oportunidade de ficar sozinha e me perguntar: quem sou eu, o que eu gosto de fazer, quais são os meus hobbies?."

As respostas chegaram espaçadas. Uma das primeiras saídas dela foi em uma cafeteria perto de casa, onde desbravou a própria companhia. "Foi uma delícia. Um momento em que pude me reconectar, me redescobrir, e aí as coisas foram escalando", descreve.

Yasmin não manteve a solteirice, mas garante que agora se entende melhor como indivíduo, e isso tem refletido em seu novo relacionamento. "Consigo entender quem eu sou e o que eu gosto de fazer. Mesmo namorando, entendo que eu preciso ter momentos sozinha para renovar minha bateria social."

Do ponto de vista neurológico, o estar só nesse sentido, segundo o psicólogo Arnaldo Cheixas Dias, é de fato uma oportunidade do cérebro lidar com desafios que não existem quando há a presença do outro, ou do coletivo.

"Atividades solitárias despertam criatividade, autoconhecimento e amadurecimento", afirma o especialista da área da saúde. "Temos uma tendência de atender às expectativas do coletivo e a solitude permite descobrir gostos, aptidões… impacta até nos aspectos sensoriais

Vá a lugares em que se sinta confortável

Yasmin em passeio de balão em Boituva, São Paulo — Foto: Instagram/Reprodução
Yasmin em passeio de balão em Boituva, São Paulo — Foto: Instagram/Reprodução

Lugares como bares e restaurantes são, geralmente, usados como pontos de encontros e interações sociais. Quem opta por frequentá-los sozinhos, como os influenciadores da solitude, lida com olhares que só faltam dizem: "o que essa pessoa está fazendo aqui sozinha?".

"Eu sentia que as pessoas me encaravam", revela Yasmin, que já chegou a ser abordada por desconhecidos. "Certa vez estava num bar sozinha e saí para ir ao banheiro. Quando voltei, o casal da mesa ao lado tomou coragem de falar comigo. Eles disseram que apostaram se eu tinha levado um bolo ou só escolhido ir sozinha."

Adair Ledino acha engraçado as diferentes reações das pessoas. Segundo ele, muitas observam com certa curiosidade e admiração, já outras, com olhares piedosos. "Aprendi a lidar. No começo prestava muita atenção nisso, me incomodava. Hoje utilizo uma técnica da psicologia do estar no aqui e agora. Presto atenção em mim", afirma.

Constrangimento

O constrangimento de estar só em ambientes sociais é tema recorrente no consultório do psicólogo Arnaldo Cheixas Dias. "Dentre as dificuldades que os pacientes relatam, esse olhar do outro, que pode ser até alguém do círculo íntimo, é comum". Para as mulheres isso é ainda mais complicado.

"É bem complexo lidar com homens inconvenientes e sempre temos que dar desculpa", comenta Yasmin, que utiliza algumas técnicas para se blindar de situações indesejadas. "Digo que meu namorado está no banheiro, ou que a minha amiga está chegando."

Por questões de segurança, a criadora de conteúdo recorre à tecnologia para compartilhar seu trajeto com pessoas de confiança. "Planejo tudo e passo para eles. Isso traz uma sensação de proteção. Ainda não tive coragem de ir em uma balada, mas acredito que vai ser uma experiência muito diferente e com mais gatilhos nesse sentido."

A solitude supervisionada

Na visão de Arnaldo Cheixas Dias, existe uma ambivalência no movimento dos influencers da solitude. "Eles saem sozinhos, mas, por outro lado, alimentam uma comunidade grande de seguidores, eliminando em parte essa solitude", sugere o psicólogo.

A busca pela conexão existe e é legitima tal como a solitude, é uma condição humana – "somos seres gregários e precisamos desse vínculo para a sobrevivência", diz Arnaldo, que aponta o avanço tecnológico como dificultoso nesse sentido. "É um desafio maior explorar o estar só. A pressão cultural e social de estar sempre bem e rodeado de pessoas é quase uma obrigação."

Adair Ledino também concluí que existe uma nova onde de influenciadores, que segundo ele, não mais se destacam com suas vidas perfeitas. "Está mudando. O perfeito não vende mais. As pessoas querem ver o real, o qual é o oposto de estar cercado de amigos maravilhosos em Fernando de Noronha."

Assista ao vídeo A IMPORTÂNCIA DE ESTAR SÓ por Maria Homem:

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