Poder

Por Aline Naomi (@lineenaomi)

Trazer diversidade racial para as peças publicitárias não é só um compromisso social, mas uma questão de negócios. Em um país onde mais da metade da população se declara negra, essas pessoas compõem uma boa fatia do mercado consumidor e movimentam R$1,7 trilhão por ano, segundo estudo encomendado pelo Instituto Feira Preta ao Instituto Locomotiva com apoio do Itaú.

Se nas propagandas a população negra é sub-representada, o cenário é ainda pior nos bastidores das agências de publicidade. Uma realidade que impulsionou Ricardo Silvestre a criar a Black Influence, uma agência especializada em comunicação antirracista fundada em 2019.

“Nesses lugares, eu sempre fui uma das únicas pessoas pretas, uma das únicas pessoas diferentes ali, e isso sempre foi um desafio enorme porque é muito difícil você permanecer em um lugar, ainda mais no ambiente de trabalho, quando você não tem referências, quando você não tem pessoas que se pareçam com você de alguma forma”, relembra Ricardo em conversa com a GQ Brasil.

Isso fez com que o publicitário enfrentasse um burnout — não pela alta demanda de trabalhos, causa comum da doença, mas pela falta de pertencimento que sentia nesses ambientes. “Fui acometido por essa síndrome e isso me fez entender todo o processo ali, o quanto o mercado de fato não me acolhia, o quanto não me sentia como parte disso tudo”, explica.

Enquanto se recuperava, Ricardo viu a oportunidade de ressignificar seu trabalho e ser um agente de mudança, mesmo esse sendo o caminho mais incerto. "Evito muito glamourizar isso. Sempre que falo do nascimento da Black Influence eu trago essa reflexão, porque não precisava ter sido assim”, pontua o publicitário.

Na onda do mercado de influência

Ao lado do desejo de provocar uma transformação social estava a ascensão do mercado de influência, o que levou Ricardo a planejar um negócio focado em influenciadores negros.

“Nascemos com o intuito de provocar essa mudança social e no mercado, principalmente com o intuito de trazer mais representatividade negra para fazer com que as pessoas pretas se sintam representadas quando virem uma campanha interessante na rede social, para que ela se sintam pertencentes como eu nunca me senti”, elabora Ricardo.

Também chamado de creator economy, o mercado de influência ganhou ainda mais relevância com a pandemia e a valorização do ambiente digital. “As pessoas estão em busca de opiniões confiáveis para tomar decisões. O consumidor está ali na rede social navegando e está esperando o influenciador que ele gosta falar de algum produto ou serviço que ele utilizou para também fazer o uso”, explica o CEO.

Para o publicitário, o mercado de influência é algo novo, mas com grande potencial de crescimento e atrativo para as empresas. “As marcas percebem que o marketing de influência tem o poder de alcançar os consumidores de uma forma muito mais eficaz”, afirma. “As verbas publicitárias estão migrando cada vez mais para essa linha de comunicação.”

"Nesses lugares, eu sempre fui uma das únicas pessoas pretas", diz Ricardo Silvestre sobre as agências nas quais trabalhou — Foto: Jhiennes
"Nesses lugares, eu sempre fui uma das únicas pessoas pretas", diz Ricardo Silvestre sobre as agências nas quais trabalhou — Foto: Jhiennes

Uma comunicação antirracista genuína

A Black Influence não resume seu escopo de trabalho ao agenciamento de influenciadores negros. Com um time inteiramente negro, a empresa também atua no planejamento de campanhas, na definição de estratégias, na criação e até em trabalhos com o time interno das marcas, oferecendo serviços de consultoria, letramento racial e sensibilização do time a essas pautas.

Em novembro, quando se celebra o Dia da Consciência Negra, é comum que se critique (com razão) que temas raciais sejam abordados somente este mês. Para Ricardo, o maior desafio da agência é mostrar para as marcas a importância de levar em conta essas questões em todos os meses do ano e construir uma comunicação perene e genuína com as pessoas negras.

“Se vocês se comunicarem com pessoas pretas o ano todo, você vai vender mais. Isso é uma métrica de negócios. Não é inteligente, não é estratégico, você falar com determinado grupo da sociedade em um mês específico”, analisa, reforçando também que uma agência formada por pessoas negras pode também fazer outras campanhas, como uma Black Friday ou um Dia das Mães.

A Black Influence nasceu também com o intuito de ser parte da solução desse problema. A gente não está aqui para trabalhar só em novembro
— Ricardo Silvestre

Apesar dos avanços que tem feito com a Black Influence e da diversidade racial estar em pauta, Ricardo ainda mantém um olhar preocupado para o meio publicitário. "Muitas agências, grandes inclusive, estão abrindo áreas para falar sobre diversidade, áreas que trabalham com influenciadores pretos, mas essas áreas são lideradas por pessoas que não são negras", exemplifica o CEO.

Agências que prometem entregar produtos de consciência racial não por compromisso com a causa, mas para captar uma fatia do investimento do mercado a essa pauta. "A gente evoluiu em muitos aspectos. Tem muitas pessoas que estão crescendo, que estão chegando para influência, nomes de extrema importância ocupando espaços importantes, mas no paralelo a gente tem esses outros desafios", pontua.

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