Cultura

Por Lígia Mesquita

A 20ª edição da SP-Arte, a maior feira do setor no Brasil, reuniu 32 mil interessados em conferir o trabalho de galerias conceituadas no começo do mês de abril. Uma figura cada vez mais vista nos corredores do evento paulistano, além de curadores, galeristas e marchands, é a do consultor, ou “art advisor”.

Foi na SP-Arte, há dez anos, que Camila Yunes, 31, começou a trabalhar informalmente nesse posto. A arquiteta de formação lembra que a criadora da feira, Fernanda Feitosa, lhe concedeu um balcão por meio do qual atenderia pessoas que desejavam ajuda com roteiros de visita, algo que estava acostumada a organizar para amigos desde a volta de uma temporada de estudos em Paris, onde trabalhou em uma galeria.

“Um supercolecionador chegou e falou: ‘Camila, quero começar a comprar com o seu olhar. Vamos andar juntos pela feira’. Conseguimos posicionar várias obras importantes na coleção dele e assim começou”, recorda a paulistana, neta de um dos maiores colecionadores de arte do país, Jorge Yunes.

No início, sua empresa de consultoria de arte, ou art advisory, trazia o nome do blog que ela mantinha desde os 17 anos — Go Art. Depois, em 2018, a profissional inaugurou a Kura. “Senti que existia uma lacuna muito grande entre as galerias e os colecionadores. Muitas pessoas tinham interesse em arte e os meios para comprar e iniciar uma coleção, só não sabiam por onde começar”, lembra.

Júlia Suslick e Felipe Melo, da Art Ahead: “Trata-se de um trabalho que é fruto de anos de estudo, de um investimento altíssimo para circular nessa atmosfera”, diz ela — Foto: Divulgação
Júlia Suslick e Felipe Melo, da Art Ahead: “Trata-se de um trabalho que é fruto de anos de estudo, de um investimento altíssimo para circular nessa atmosfera”, diz ela — Foto: Divulgação

Diferentemente do marchand, que atua como um intermediário entre quem compra e quem vende uma obra, o art advisor realiza um papel independente; não está ligado a galerias nem a artistas. Ele é contratado para aconselhar aquisições, apresentar novos nomes do setor e auxiliar quem quer fazer desse meio um investimento, também a partir do gerenciamento e da catalogação do patrimônio. Como pagamento, normalmente recebe uma taxa de sucesso (uma porcentagem advinda da compra ou venda de uma obra) ou um valor cobrado mensalmente ou por trabalho, depende do escritório.

O art advisor deve cultivar um grande conhecimento desse universo e ter muitas conexões no mercado para saber onde estão as melhores obras e travar boas negociações. “Sempre falamos que nosso papel é representar o cliente, ou na transação com uma galeria ou com um artista sem galeria, em um leilão”, diz Camila. “Trata-se de uma figura que cria um direcionamento estruturado para que as escolhas de compra possam se mostrar assertivas.”

Quem não consegue, ou não quer, visitar as feiras e exposições recebe as informações e referências pelo WhatsApp. “Existem clientes que nem veem a obra ao vivo, que confiam no meu trabalho. Às vezes falo: ‘Apareceu algo aqui que tem tudo a ver com você, posso comprar?’”, conta. Para Camila, o consultor de arte realiza uma função parecida com a de um “banker”, profissional bancário que gerencia os clientes mais importantes de uma instituição financeira “Fazemos o mesmo trabalho, só vendemos um produto diferente. Também alocamos o patrimônio do cliente. No nosso caso, em arte, algo com beleza e sentimento.”

Para entender o que se está comprando

A paulistana Júlia Suslick, 45, deixou o mercado financeiro para se tornar art advisor. Após trabalhar em galerias e manter contato com colecionadores, uniu-se a Felipe Melo, 43, para fundar a Art Ahead Advisory, em 2016. Melo atuou durante alguns anos como advogado até começar a lidar com arte, seu antigo objeto de estudo. Eles tinham amigos e conhecidos que pediam dicas sobre o que comprar, ou em quem prestar atenção, mas sentiam falta da oficialização do serviço de consultor. “Acreditamos que, quando se formaliza essa relação, passamos a dar um suporte melhor, porque há um comprometimento maior”, diz Júlia. “Trata-se de um trabalho que é fruto de anos de estudo, de um investimento altíssimo para circular nessa atmosfera, para ter a percepção do que as pessoas desejam e, o principal, para saber o que comprar.”

Ela explica que a Art Ahead tem acesso a produções dentro e fora do Brasil. “As obras boas dos artistas bons são muito difíceis de conseguir. Como trabalhamos com coleções respeitadas, conquistamos essa entrada.” Melo ressalta a função independente do art advisor: “Trabalhamos para o cliente”. A primeira coisa que os dois fazem quando um novo interessado os contrata é levá-lo para museus e galerias, para circular por acervos e exposições. “É o primeiro passo para começarmos a desvendar o olhar daquela pessoa, saber o que gera encantamento e o que gera repulsa”, observa Melo.

Camila Yunes, da Kura: “Existem clientes que nem veem a obra ao vivo antes de comprar, que confiam no meu trabalho” — Foto: Divulgação
Camila Yunes, da Kura: “Existem clientes que nem veem a obra ao vivo antes de comprar, que confiam no meu trabalho” — Foto: Divulgação

Para ele, quem recorre a um consultor busca entender melhor o que está comprando. “Existem clientes que chegam com uma demanda pontual, querendo colocar algo de valor artístico na parede, sem pretender necessariamente tornar-se colecionadores. Muitas vezes, viramos esse jogo. Por exemplo, a pessoa fala que deseja uma escultura tal. Rebatemos: ‘Está bem, vamos conseguir. Mas topa ver outras obras?’. É uma troca muito rica.”

Para Fernando Ticoulat, 35, sócio da ACT, a Art Consulting Tool, ao lado de João Paulo Lopes, um bom profissional precisa frequentar as principais feiras de arte do mundo, assim como galerias e exposições, para enriquecer o repertório. “Cada cliente conta com demandas específicas. Assim, conseguimos montar um cardápio bastante customizado do que oferecer”, diz o paulistano, que se formou em direito, mas logo passou a trabalhar com curadoria. Aliás, o trabalho de curador, ele frisa, é totalmente diferente do serviço de um art advisor. “A curadoria está ligada a uma entidade. Possui caráter institucional, uma linha de pesquisa”, afirma. Curadoria, por exemplo, é o que faz Adriano Pedrosa, diretor do Masp e o primeiro brasileiro a se tornar curador da Bienal de Veneza, neste ano.

Outra questão que Ticoulat ressalta: não apenas aqueles com muito dinheiro conseguem adquirir uma obra. “Existe arte para diversos bolsos, de R$ 1.000 até o infinito. No trabalho de advisory, ajudamos o cliente a escolher o que tem o melhor custo-benefício para o orçamento de que ele dispõe”, esclarece. Para ele, uma obra de qualidade consiste em um trabalho autêntico, com a presença do artista ali. “Algo que não seja um derivado, um pastiche de outras coisas. Autenticidade é uma palavra importante.”

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