Empresas

De um lado, Erica Teles de Menezes, a executiva que comanda o CVC da companhia farmacêutica Eurofarma, um dos cases mais bem-sucedidos de corporate venture capital do Brasil. Do outro, Daniel Chalfon, sócio da Astella, fundo de VC que já aportou em 54 empresas, entre elas nomes como Omie e RD Station. Em um encontro promovido por Época NEGÓCIOS, os dois travaram uma conversa sem filtros sobre a situação atual do capital de risco no Brasil. Mais reservada, Erica preferiu responder às perguntas de maneira realista e prática, enquanto Daniel demonstrava, em suas perguntas e respostas, um entusiasmo inequívoco pelo ecossistema de inovação brasileiro.

Hoje, praticamente um terço dos produtos desenvolvidos pela Eurofarma, que teve uma receita líquida consolidada de R$ 4,3 bilhões no primeiro semestre de 2023, vêm da inovação aberta. Do CVC da companhia, saíram iniciativas como a criação de um aplicativo para ajudar pacientes com Parkinson e um banco de dados com informações de fenótipos da população brasileira. O primeiro fundo, de R$ 45 milhões, lançado em 2019, investiu em dez companhias. Criado no ano passado, o segundo fundo, Eurofarma Ventures, dispunha de R$ 500 milhões para investir em biotechs. Para o próximo ano, preparam um terceiro fundo, que terá como foco empresas disruptivas do setor.

Com R$ 1 bilhão de ativos sob gestão, a pioneira Astella, fundada em 2008, foca em investimentos em estágios iniciais, liderando rodadas de pré-seed, seed e Série A. Seu portfólio é composto principalmente de startups de SaaS, mas também há espaço para e-commerce, marketplaces, empresas impulsionadas por IA e análise de dados. Um de seus investimentos mais recentes foi na Gabriel, startup com proposta inovadora para melhorar a segurança pública, operando um parque privado de câmeras voltadas para a rua – seu sistema já opera em bairros do Rio de Janeiro e de São Paulo. Confira a seguir os principais trechos da conversa entre Erica Menezes e Daniel Chalfon.

ÉPOCA NEGÓCIOS Como vocês veem o cenário de corporate venture capital no Brasil hoje? E a situação dos fundos de venture capital?

ERICA MENEZES Se formos comparar o cenário de corporate venture no Brasil com o do resto do mundo, fica claro que ainda estamos em uma fase muito inicial. São poucos os fundos corporativos que já encerraram o seu ciclo de investimento e produziram grandes cases. Fico feliz em dizer que nós somos um deles. Fomos o primeiro CVC da indústria farmacêutica no Brasil e, quatro anos e meio depois de iniciarmos as operações, estamos chegando ao final da nossa fase de investimento. Mas, mesmo assim, nós nos consideramos ainda aprendizes.

Nos dois últimos anos, e há estudos que confirmam isso, houve um crescimento muito grande da adoção do corporate venture pelas empresas brasileiras. Se antes a estratégia era discutida principalmente no mercado financeiro, agora está também em saúde, construção civil, empresas de consumo... Eu vejo com bons olhos esse crescimento: é bom para as startups e para o ecossistema como um todo.

DANIEL CHALFON Eu acho que o mercado brasileiro de venture capital, com o corporate venture capital inserido nisso, ainda é subdesenvolvido. Se formos comparar com o mercado americano, temos espaço para crescer pelo menos 11 vezes. É verdade que vivemos um momento de pico, em que o capital estava muito barato no mundo, então todos estavam tomando muito risco. E esse momento acabou em 2022, quando entramos em outro ciclo. Mas, para nós, que sempre buscamos eficiência de capital, ficou até mais fácil, sem tantas valuations milionárias. Em relação ao CVC especificamente, acredito que desenvolver uma estratégia de venture capital dentro de uma empresa ainda é algo bastante sofisticado no Brasil. Eu nunca trabalhei em corporate, mas acredito que seja uma decisão difícil para a empresa tomar. Porque ela terá que abrir mão de fluxo de caixa e assumir um risco muito grande. Mesmo que resulte em um ganho superior, não só financeiro, mas também de inovação, o risco ainda é alto. Talvez por isso eu veja muitas empresas que evitam tomar essa decisão e, em vez disso, tentam se ligar ao ecossistema de um jeito errado, mais como atividade de marketing, para parecerem modernas. Eu diria que existe um número bastante alto de iniciativas desse tipo. Essas empresas não vão colher os benefícios que teriam com uma estratégia sólida de fundo corporativo.

DANIEL Você concorda, Erica?

ERICA Eu penso que a questão do marketing pode ser o primeiro passo. A trajetória da Eurofarma, por exemplo, começou desse jeito, com uma chamada no ecossistema, para começar um relacionamento com as startups. Mas, na hora de realmente estruturar o fundo, surgem várias dificuldades. Como é que uma corporação negocia com uma startup, que não tem uma área jurídica? Como definir o ciclo de investimento e os indicadores? De fato, é um grande desafio se propor a investir em startups que podem só dar retorno dali a oito ou dez anos. Mas é importante cuidar de cada detalhe. Vejo empresas que estruturam um fundo de um dia para o outro, sem que a organização tenha maturidade para isso. E daí encerram suas atividades no primeiro ou segundo ano, quando não deu tempo nem de começar a fase de investimento. É uma pena.

NOVO HORIZONTE - Eurofarma prepara fundo para investir em startups disruptivas, diz Erica  — Foto: Divulgação
NOVO HORIZONTE - Eurofarma prepara fundo para investir em startups disruptivas, diz Erica — Foto: Divulgação

NEGÓCIOS Uma das tendências apontadas para o futuro do venture capital é uma colaboração mais estreita entre CVCs e fundos de capital de risco. Vocês têm visto isso acontecer?

ERICA Sim, e eu vejo com ótimos olhos essa colaboração. Eu acho que as empresas têm muito a aprender, porque quem começou a colocar os tijolinhos desse mercado foram os fundos de capital de risco. A gente ainda aprende muito com eles, apesar de termos objetivos muito diferentes. Para a Eurofarma, por exemplo, não adianta fazer um aporte em uma startup se não houver sinergia estratégica, e para um VC isso não é necessariamente um problema. Mas os fundos desafiam as startups a escalar, e isso é muito saudável. Então, quando CVCs e VCs colaboram, acho uma troca muito saudável. Eu gostaria particularmente de ver uma colaboração ainda maior. Esse também é um desafio meu dentro de uma corporação, descobrir como trabalhar com os VCs.

ERICA E para você, como é essa questão, Daniel?

DANIEL Então, Erica, eu concordo com você de maneira geral, mas essa colaboração nem sempre dá certo. O fundo de venture capital lida melhor com o risco, então sabe o tipo de retorno que procura. Algo que sabemos muito bem, por exemplo, é lidar com os write offs, as startups que não dão certo – algo que faz parte do jogo, e com o qual lidamos com frequência. Mas já convivemos com fundos de CVC que, quando consideram que o investimento não dará retorno, simplesmente desaparecem e não conversam mais com as startups. E daí somos nós que temos que lidar com isso.

DANIEL É bastante complexo, não acha, Erica?

ERICA Seria muita pretensão minha dizer que a Eurofarma é supermadura e lida superbem com essa situação. Durante a nossa jornada de quatro anos, é claro que a gente já vivenciou um write off. Quando acontece, é difícil trazer essa realidade para dentro da organização. Quer dizer, você gastou tanta energia com aquela empresa, e daí perceber que ela não validou a sua tese é muito difícil. Então acho que os processos ainda não estão 100% redondos, mas estamos no caminho. E, sem dúvida alguma, acho que um dos principais desafios de qualquer gestor dentro de uma corporação é criar a cultura, a maturidade sobre o papel do corporate venture capital. Isso faz parte do jogo.

DANIEL Sim, faz. Sei que não dá para generalizar, mas é que já me deparei com essas situações em que a empresa desaparece. É muito melhor quando o CVC age de maneira transparente. Eles precisam perceber que estamos juntos nessa jornada. Nós vamos ser sócios, conviver com aquela empresa por anos a fio. Então é bom que a gente tenha uma ótima relação e entenda o jogo que cada um está jogando. Se não estivermos alinhados, é melhor não sermos sócios. Porque eu entendo que o CVC possa ter objetivos diferentes do VC, mas, para aquela empresa, nós temos que querer as mesmas coisas.

ECOSSISTEMA COM IA - Para Daniel Chalfon, da Astella, a inteligência artificial será decisiva para melhorar a performance das startups — Foto: Divulgação
ECOSSISTEMA COM IA - Para Daniel Chalfon, da Astella, a inteligência artificial será decisiva para melhorar a performance das startups — Foto: Divulgação

DANIEL Erica, uma característica que acho bem interessante sobre o CVC é que ele confere uma espécie da validação para as startups, ou para a tecnologia que estão desenvolvendo. É como um selo de qualidade. Você sente que funciona assim?

ERICA Com certeza. Mas os VCs também trazem uma espécie de selo de qualidade para o corporate venture. Quando decidimos investir em startups de bem-estar, algo que está fora do nosso core e mais próximo do consumo, fomos atrás de conhecimento com a Astella. “Vocês têm duas investidas de consumo no portfólio. Como vocês enxergam esse movimento? Quais são as tendências?” Então nós abrimos essa conversa. Porque, para mim, o VC, com seu conhecimento de mercado, serve para validar a minha tese de investimento.

NEGÓCIOS Já que estamos falando em teses de investimento, Erica, você pode falar um pouco mais sobre a tese da Eurofarma?
ERICA
O fundo que a gente tem há quatro anos e meio é um fundo de saúde digital, o Neuron Ventures. Mas dentro dessa tese eu trago também tecnologias emergentes aplicadas à saúde, como a inteligência artificial. Há muito tempo estudamos como a IA pode ser aplicada ao healthcare e ao ecossistema como um todo. No ano passado, lançamos um segundo fundo, o Eurofarma Ventures, com foco em biotechs. Agora, o terceiro fundo, que vamos lançar no ano que vem, está mais ligado ao horizonte 3 da inovação, é um fundo mais disruptivo. Vamos sair do nosso core, que hoje é desenvolver moléculas e criar medicamentos. A gente precisa olhar para outras áreas, até por uma questão de vantagem competitiva – e até, eu diria, de sobrevivência. Temos que olhar as tecnologias emergentes que podem ter o potencial de substituição de um medicamento ou de complementariedade da estratégia de saúde.

Um tema futurista que a gente vem acompanhando há bastante tempo é a questão da personalização. Mas esse é um desafio gigante. A gente acredita que vai conseguir cooptar esse mercado de alguma forma, por meio da tecnologia, não só no desenvolvimento do medicamento, mas na terapia digital, com outros tipos de diagnóstico, usando soluções ligadas ao genoma, por exemplo. Aliado a isso, temos olhado bastante também para a questão da longevidade. Mas aqui não estamos falando de viver mais, e sim de envelhecer de uma maneira mais saudável. É um tema bastante abrangente, que passa muito pela prevenção. Também falamos muito em IoT aplicada à área médica, para descobrir como fazer bons diagnósticos à distância.

DANIEL Erica, eu tenho uma dúvida que queria tirar com você. Muitos empreendedores me dizem que têm receio de ter um CVC investindo muito cedo, porque isso pode eliminar oportunidades no futuro. Você já deve ter ouvido isso 1 milhão de vezes. Como lidam com isso?

ERICA Já tive que enfrentar uma situação em que o empreendedor me disse: “Olha, para mim, é estratégico tê-los junto comigo como sócios, porque vocês vão me ajudar a desenvolver e escalar nossos produtos. Mas se eu divulgo que vocês são meus investidores, talvez outros não queiram fazer acordos conosco”. E já aconteceu de startups que eu quis contratar e que tinham contratos com outras companhias, então caí no mesmo problema.

NEGÓCIOS Como vocês veem o mercado de venture capital nos próximos quatro ou cinco anos?
DANIEL
Nós estamos superanimados. Acho que não dá para trabalhar com venture capital se você não for otimista. Claro que o momento ainda é desafiador, depois da retração de 2022, por conta da inflação e das taxas altas de juros. Mas, se pensarmos em um ciclo mais longo, o mercado está em uma linha histórica de crescimento. Se a gente avaliar de 2015 para cá, o mercado só cresceu: tem muito mais fundos, tem muito mais players, tem muito mais dinheiro. E temos a IA, que vem reduzindo o custo para implementar um produto e aumentando a produtividade, o que é muito positivo. Então, sim, estamos bem animados.

ERICA Acho difícil falar do futuro, porque esse é um mercado muito flutuante. Mas acredito que vamos ver, a passos lentos ainda, o corporate venture capital se tornar cada vez mais maduro, com apostas mais assertivas. Tentamos de alguma forma contribuir com outros colegas e indústrias que querem criar esse mecanismo de investimento, porque essa evolução interessa muito para a Eurofarma. Quanto mais o corporate venture capital prosperar no Brasil, mais vai refletir positivamente no mercado como um todo.

* Esta reportagem foi publicada originalmente na edição de março de Época NEGÓCIOS

Mais recente Próxima “Oscar” da aviação elege as melhores companhias aéreas do mundo; confira
Mais do Época NEGÓCIOS

Segundo Mauricio Tolmasquim, serão instalados módulos para a produção de SAF nas refinarias RPBC (Cubatão), em São Paulo, e no Polo Gaslub, antigo Comperj, no Rio

Petrobras irá produzir 'combustível verde' para aviação em duas refinarias, diz diretor

Banco diz que transação atraiu forte demanda dos investidores, fazendo com que o volume originalmente previsto da captação fosse praticamente triplicado

Nubank realiza sua primeira oferta de letras financeiras e levanta R$ 1 bilhão

Três datas de pouso já foram canceladas para que a Nasa e a empresa aeroespacial tenham mais tempo para analisar problemas nos propulsores e de vazamento de hélio; agência garante que astronautas não estão "presos" no Espaço

Qual é o defeito da espaçonave da Boeing que atrasa a volta de astronautas para a Terra? Entenda o histórico de problemas

Robô de inteligência artificial, chamado de IA da Meta, vai estar disponível no Brasil a partir do próximo mês, em lançamento gradual. Veja como ele funciona

IA generativa chega ao WhatsApp, Instagram e Facebook em julho; entenda o que muda

De acordo com uma pesquisa realizada pela Expedia com 11,5 mil pessoas, 62% dos trabalhadores sentem que tiram menos férias do que deveriam

Doze dias de férias por ano? Pesquisa aponta satisfação dos funcionários com o período de descanso em 10 países

A inovação faz parte de uma série de dispositivos vestíveis que ajudam o corpo no preparo e recuperação de exercícios físicos

Nike e Hyperice lançam collab de tênis que aquece e faz massagem nos pés dos atletas

Desenvolvido pela Mizuno, o uniforme consegue bloquear os raios infravermelhos que podem penetrar nos tecidos tradicionais. Com isso, as roupas permanecem opacas até mesmo sob o uso de câmeras infravermelhas

Japão cria uniforme olímpico com tecido especial para impedir que imagens dos corpos das atletas sejam usadas de forma ilícita

Banco diz que transação atraiu forte demanda dos investidores, fazendo com que o volume originalmente previsto da captação fosse praticamente triplicado

Nubank realiza sua primeira oferta de letras financeiras e levanta R$ 1 bilhão

Multimedalhistas, irmãs conhecidas como cientistas mais jovens do país estarão na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

Dupla Big-Bang: com 220 mil seguidores, cientistas mirins decifram ‘mistérios’ em experimentos e levam ciência às escolas

A lista inclui desde magnatas do mundo da tecnologia até estrelas de Hollywood

Pai rico, filho pobre? Conheça 12 ricaços que não pretendem deixar suas fortunas como herança