'Jogos Vorazes': desvendando a cenografia obscura na arquitetura dos filmes

Como o filme se passa 64 anos antes dos primeiros Jogos Vorazes de Katniss Everdeen, “comparar a linha do tempo de Panem com nossa história real de 64 anos atrás… tornou-se um ponto de referência vital para nós”, diz Hanisch, conhecido por seu trabalho em produções como O Gambito da Rainha e Cloud Atlas. “Mesmo que Panem seja fictício, podemos utilizar uma combinação de elementos arquitetônicos históricos reais — a arquitetura fascista do Terceiro Reich alemão, da Itália e Mussolini, da União Soviética, e do mais recente estado de RDA da Alemanha Oriental — como base para o nosso pensamento”. Filmado entre a Alemanha e a Polônia, o prequel amplia a concepção dos telespectadores da transformação física de uma Capital do pós-guerra, utilizando monumentos reais do pós-guerra, embora modificados digitalmente, como cenários.

Na geração de Katniss, a cidade governamental é um mescla do pós-modernismo contemporâneo de alta tecnologia dos anos 1970 e da arquitetura simplificada americana, tudo definido dentro de um plano urbano rígido que faz referência à visão de Adolf Hitler dos anos 1930 para a Germânia, projetada por seu arquiteto Albert Speer para ser implementada em Berlim, caso os nazistas vencessem a Segunda Guerra Mundial. No prequel, Coriolanus Snow (Tom Blyth), de 18 anos, surge em uma versão nascente desse mundo, onde as imponentes massas concretas de estruturas fascistas, soviéticas e imperiais refletem o suposto de poder do Estado. A criação de lugares é fornecida por vários planos amplos de uma versão transformada em CGI da Karl-Marx-Allee socialista em Berlim, projetada em 1952 e 1960, com uma infinidade de torres semi-construídas e seus guindastes de construção visíveis além do estilo uniforme em forma de bolo de casamento. No interior do monumento à Batalha das Nações de 1913, em Leipzig, na Alemanha, o jovem Snow torna-se mentor de Lucy Gray Baird (Rachel Zegler), tributo do Distrito 12. O interior do Centennial Hall de Max Berg, designado pela UNESCO, de 1911 a 1913, em Wroclaw, Polônia, é a arena dos Jogos na cidade, enquanto o estádio olímpico de Hitler de 1936, em Berlim, forma o seu interior.

“As mudanças deste momento tão crítico e trágico da história, em que tudo gira em torno da projeção de poder, pareceram um ajuste perfeito para uma história distópica”, diz a produtora Nina Jacobson, que trabalhou com o diretor Francis Lawrence (e anteriormente com Gary Ross) em todos os filmes da série. Ter um olhar crítico para essa arquitetura foi um conceito importante para a equipe de produção. “Olhando para esta arquitetura novamente, você tem esse equilíbrio entre a intimidação e sedução”, explica Hanisch. “Por exemplo, a arquitetura nazista no Terceiro Reich era muito mais para seduzir as pessoas a acreditarem na política deste novo regime do que a União Soviética, que era muito mais para intimidar as pessoas e dizer: Vocês não são nada, o sistema é tudo’”.

Como visto nos filmes anteriores, no centro de todo esse concreto monumental estão os espaços coloridos, luxuosos e decorados de forma mais sofisticada que Snow habita. A casa da família do futuro presidente é uma residência em forma de floco de neve, cuja arquitetura interior é confusa, projetada com móveis art déco, cubista checo e da era espacial. As aulas de Snow são dadas num tempietto de estilo federalista com uma série de bancos em espiral. O aparelho de televisão onde ele e seus alunos assistem aos Jogos Vorazes parece ter saído de um game show dos anos 1960.

Em contraste, o laboratório da criadora dos Jogos, Dra. Volumnia Gaul (Viola Davis) é um wunderkammer simplificado com paredes e colunas de bunker estilo Tadao Ando. Talvez o local alemão mais surpreendente para o prequel seja o Landschaftspark, uma antiga siderúrgica transformada em um parque público em Duisburg-Meiderich que serve como Distrito 12, expandindo a visão do público sobre a vida, a cultura e o punho de ferro da Capital sobre seus cidadãos mais empobrecidos.

A mistura de épocas e estilos arquitetônicos do filme permite que Panem extraia suas alusões de uma versão selecionada de eventos reais. No entanto, seus temas abrangentes em torno da propensão destrutiva do poder supremo são óbvios nas estruturas europeias escolhidas como destaques. “Nos Estados Unidos, temos a tendência de apagar a nossa história e os nossos pecados, e de não querer lembrar”, diz Jacobson. “Viver em Berlim e em toda a Alemanha é um exercício de recordação”. Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes é um aviso de como será o futuro, se permitirmos que se repitam.

*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest
Traduzida por Maria Mesquita