Brasil e Política

Por Gustavo Ferreira, Valor Investe — São Paulo


Ninguém arrisca dizer que previdência é um troço fácil de entender. Não seria eu que iria descobrir a roda dizendo o contrário. Mas, vamos lá, vou me esforçar para explicar neste texto de uma forma simples de entender. Antes de mais nada, não durma antes do fim desta matéria!

Brincadeiras à parte, a Previdência Social é o sistema público de aposentadorias do Brasil. Administrado pelo governo federal, funciona no chamado regime de repartição. Na prática, é um mecanismo de transferências de renda: trabalhadores em idade ativa pagam impostos mensais para financiar os recebimentos de quem já está aposentado.

Quando há jovens trabalhando em número suficiente para manter as aposentadorias, funciona que é uma beleza. Com o passar do tempo, quando esse trabalhador em idade ativa também se aposentar, outro jovem estará trabalhando e contribuindo para a aposentadoria dele – e assim a bicicleta vai rodando.

Simples, não? O problema é que o Brasil está passando por mudanças demográficas drásticas, e a proporção de idosos na população avança rapidamente.

Mudanças na taxa de fecundidade e na expectativa de sobrevida no Brasil são principais causas da reforma — Foto: Apresentação da PEC da Nova Previdência
Mudanças na taxa de fecundidade e na expectativa de sobrevida no Brasil são principais causas da reforma — Foto: Apresentação da PEC da Nova Previdência

Quem chegava aos 65 anos em 1980 vivia, em média, mais 12 anos, e cada mulher tinha em média 4 filhos. Hoje, a sobrevida para quem chega a essa idade supera a média de 18 anos, e cada mãe tem menos de dois filhos. Até a década de 2060, passaremos a viver mais de 21 anos ao chegar aos 65; e a taxa de fecundidade deve se manter no patamar atual.

O tal “déficit da Previdência” que você lê no jornal, e que pressiona o endividamento do governo e a sua capacidade de arcar com as aposentadorias e outras responsabilidades, é provocado por esse descompasso.

Déficit é quando as despesas são maiores que as receitas, é como o cheque especial das contas públicas. Para entender qual o tamanho desse buraco nas contas da Previdência Social, antes você precisa saber que existem dois regimes no Brasil: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por onde se aposentam os trabalhadores da iniciativa privada; e o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), voltado para os servidores públicos.

Em ambos os casos, as contas têm fechado no vermelho. Em 2018, o rombo do RGPS foi de R$ 195,2 bilhões; e do RPPS de R$ 90,4 bilhões, de acordo com o Ministério da Economia.

Por que o déficit é um problema?

Está na pauta do governo reformar a Previdência desde o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff - que, com um impeachment no meio do caminho, não teve tempo nem clima de enviar sua proposta para o Congresso. Michel Temer, seu sucessor, chegou a enviar um projeto, inviabilizado pela série de crises enfrentadas por seu governo. Agora, chegou a vez de Jair Bolsonaro ter seus planos de ajustes analisado pelos congressistas.

Mas por que todos eles insistem na necessidade de reforma, aliás, uma das mais impopulares de que se tem notícia?

Primeiro, a Previdência hoje domina parte considerável do Orçamento Federal. Dessa forma, menos recursos podem ser destinados a outras áreas essenciais, como saúde, educação, segurança pública. Em 2019, o gasto com as aposentadorias será três vezes maior que o gasto somado desses três setores. A reforma da Previdência, nesse sentido, busca racionalizar o gasto público.

A comparação com outros países ajuda a demonstrar como o gasto previdenciário do governo brasileiro é alto.

Hoje, temos 13% de idosos na população e já gastamos o mesmo que o Japão com aposentadorias, cerca de 14% do Produto Interno Bruto (PIB, que nada mais do que a soma de tudo que é produzido no País). Mas o Brasil terá a proporção de idosos do Japão só daqui a 50 anos.

Consegue entender o tamanho da distorção que temos hoje aqui?

Em segundo lugar, o governo vem fechando suas contas no vermelho desde 2014. Os déficits da Previdência colaboram fortemente para o déficit geral das contas públicas. Como resultado disso, o endividamento do Brasil cresce de maneira acelerada. Em 2014, a dívida federal equivalia a 60% do PIB; em 2018, foi a 80% do PIB; e, nos cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI), romperá a barreira dos 100% do PIB no início da próxima década. Na prática, o governo se endivida cada vez mais para captar recursos e cobrir os seus rombos, e o maior deles é o da Previdência.

Quando a dívida de um governo cresce nesse ritmo acelerado, passa a mensagem de descontrole a eventuais credores. E quanto maior a necessidade que o governo tem de se financiar, maiores são as taxas que os investidores pedem para comprar esses papeis. Entre outras coisas, esse é um dos fatores que explica o nível da Selic, a taxa básica de juros da economia. Embora em rota descendente, ela ainda é considerada alta na comparação com os juros praticados pelo mundo.

E qual a solução?

A principal mudança proposta pela reforma debatida no Congresso prevê aumentar o tempo de contribuição, com a criação de uma idade mínima para aposentadoria. Pela proposta original da Nova Previdência do governo Bolsonaro, homens passariam a se aposentar apenas aos 65 anos; e mulheres, aos 62 – exceção feita a algumas categorias, como policiais e professores.

Hoje, com 15 anos de contribuição, mulheres com 60 anos e homens com 65 anos já estão aptos para a aposentadoria. Já mulheres com 30 anos de contribuição e homens com 35 podem se aposentar com qualquer idade.

Atualmente, na média calculada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), brasileiros se aposentam aos 55 anos, bem mais cedo que as novas idades da proposta.

Em linhas gerais, esse é o imbróglio com as contas da Previdência Social: os gastos são crescentes (mais idosos – e mais longevos), receitas em queda (menos jovens nascendo, trabalhando e contribuindo) e o governo com a corda no pescoço, bem apertada.

O que importa para o seu bolso e você precisa ter em mente é que, com ou sem reforma, vai ficar mais difícil se aposentar no futuro. No melhor dos casos, um bom ajuste será aprovado no Congresso, devolvendo saúde às finanças públicas e garantindo a sua aposentadoria pelo governo – mas mais tarde do que você esperava. No pior dos desfechos, o governo não conseguirá aprovar reforma nenhuma e...

Bem, aí, sabe-se lá o que será das contas públicas e das suas, que contava com a Previdência Social para garantir uma aposentadoria confortável. Há quem aposte que, sem reforma, a Previdência em alguns anos não terá mais fôlego para ter novos aposentados dentro de sua planilha mensal de gastos.

Mas nem tudo está perdido. Se você tem condições de poupar alguma quantia mensal, há como chegar à velhice sem depender do governo para se aposentar. Ou, no mínimo, dependendo o menos possível para ter uma velhice digna. Clique aqui para ficar sabendo o que é, como funciona e quais os tipos de planos de previdência privada vendidos no mercado.

Mais recente Próxima Inflação acelera para 0,75% em março, no maior resultado para o mês desde 2015
Mais do Valor Investe

Apenas em junho, os contratos futuros das commodities valorizaram até 6,53%

Petróleo sobe até 13,80% no semestre com expectativa de mais demanda

Junho foi o auge de uma trajetória de alta das taxas que começou em abril desse ano; relembre os seis primeiros meses dos papéis

Tesouro Direto: títulos atrelados à inflação são os queridinhos do 1º semestre

'Quem não arrisca, não petisca', já dizia o ditado. Este ano, ativos arriscados como as criptomoedas vêm trazendo retornos invejáveis enquanto o mercado de ações fica para trás

Quais os investimentos com melhores rendimentos no 1° semestre de 2024? Veja destaques

Preocupações em torno da possibilidade do Federal Reserve continuar adiando um corte de juros seguem fortes

Bitcoin volta a cair após dados dos EUA e não sustenta patamar de US$ 61 mil

Após um início de ano bastante otimista, com renovação de recorde histórico e tudo, o principal índice da classe reagiu às novas perspectivas para a taxa básica de juros, a Selic, que deve continuar em dois dígitos por um bom tempo

Índice de fundos imobiliários (IFIX) tem pior desempenho desde outubro de 2023

Tal como no filme 'Divertida Mente 2', o semestre do Ibovespa foi cheio de emoções. Mas o longa-metragem do índice só não entrou para a categoria 'Terror' porque parte das empresas mostrou alguma resiliência na temporada de balanços

Veja as 10 ações do Ibovespa que mais se valorizaram no 1º semestre de 2024

Índice industrial Dow Jones avançou 3,79%, enquanto o das maiores empresas americanas, o S&P 500 cresceu 14,48%. O Nasdaq, que reúne ações de tecnologia, subiu 18,13%

Bolsas de NY avançam até 18% no semestre. Veja as maiores altas e baixas

Saldo do Dia: Longe de alcançar as projeções otimistas do início do ano, bolsa amarga cenário externo difícil e crescimento do temor de risco fiscal. Em dólar, índice brasileiro tem perdas ainda maiores, de 19,5%, contra 6% de alta da carteira de emergentes e avanço de 14,5% do S&P 500

Com alta de junho, Ibovespa cai quase 8% no semestre

Ações de empresas ligadas ao mercado doméstico e sensíveis aos juros dominam o ranking das maiores perdas da carteira do Ibovespa. E não é só neste mês de junho, não. O destaque negativo de 2024 é todo delas. Hora de pular fora ou o pior já passou?

Veja as 10 ações do Ibovespa que mais caíram no 1º semestre de 2024

Formação da taxa de referência para o dólar, que acontece no último dia do mês foi o principal fator para a forte desvalorização do real, mas operadores também citam mau humor com política econômica

Dólar fecha em R$ 5,59 e valoriza 15% no semestre