Se em junho o mercado de títulos públicos sofreu com a volatilidade, no semestre o saldo é ainda mais negativo. A maioria dos papéis encerra os primeiros seis meses do ano no vermelho, com incertezas fiscais e embate entre governo e Banco Central na bagagem.
Começando pelo "fim", a decisão do Banco Central de interromper o ciclo de corte da taxa básica de juros na semana passada, mantendo os 10,5% ao ano por mais tempo, foi o ponto alto da montanha-russa vivida pelos investidores de janeiro a junho. O troféu destaque do período ficou para o Tesouro IPCA+, aqueles atrelados à inflação, que desbancou a preferência consolidada do Tesouro Selic e chegou a oferecer taxas históricas — portanto, com seus preços reduzidos.
Vale lembrar que tanto nos papéis prefixados quanto naqueles indexados ao IPCA, quanto maior a taxa, menor o preço. Quando as taxas sobem, portanto, apesar de ser uma boa notícia para quem vai investir — já que assegura rentabilidade maior se mantiver a aplicação até o vencimento —, o valor de mercado dos papéis diminui, o que implica em perda temporária para quem possui os títulos na carteira.
Junho foi o auge de uma trajetória de alta das taxas que começou em abril desse ano. Você deve se lembrar: nesse mês, o governo anunciou uma alteração na meta fiscal de 2025 e 2026, passando para zero e 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), respectivamente.
Essa foi a primeira virada de chave mais ruidosa que fez o mercado acender o alerta de que o governo teria dificuldades em gerar superávit para estabilizar as dívidas públicas. Somado a isso, a tragédia climática no Rio Grande do Sul também passou a demandar recursos federais e refletir na inflação.
Nas últimas atas divulgadas pelo Comitê de Política Monetária (Copom), a autoridade demonstrou preocupação com a inflação, principal motivo para interromper a queda da Selic, que começou em agosto do ano passado. Além disso, o Boletim Focus, divulgado semanalmente pelo BC, aponta para uma alta do índice de preços no horizonte.
A decisão do comitê irritou ainda mais o presidente Lula nas últimas semanas, que voltou a trocar farpas com o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. A briga respinga em outra vertente dessa história: o diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, indicado pelo governo, é o nome preferido para assumir a cadeira de comandante do BC a partir do ano que vem, o que levou o mercado a questionar uma autoridade monetária menos independente em 2025.
Com esse pano de fundo local, é natural que o investidor busque, além do lucro, proteção para a carteira. Em relatório divulgado pelo Itaú BBA, os analistas destacaram o desempenho do Tesouro IPCA ao longo desse semestre. “Continuamos entendendo como atrativas as taxas de ativos atreladas à inflação de médio e longo prazo”, escreveu o estrategista de renda fixa do banco, Lucas Queiroz.
E, se o título está oferecendo taxas atrativas, quer dizer que perdeu em rentabilidade (que nesse caso está ligado aos preços). A única modalidade que se salvou em rentabilidade nesse "Deus nos acuda" foi o Tesouro Selic, que encerrou o semestre no terreno positivo.
A discussão sobre cai-não-cai dos juros nos Estados Unidos também pesou nesse primeiro semestre de 2024. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) continuou a manter a sua taxa de juros do país no maior patamar em 22 anos, no intervalo entre 5,25% e 5,5% ao ano, além de reduzir as projeções de cortes para 2024.
Por lá, com a maior economia do mundo demonstrando resiliência apesar do juro alto, o investidor compara o risco retorno dos países e tende a preferir a renda fixa americana.
Semestre em números
O destaque entre as quedas do semestre ficou com o queridinho dos investidores. O Tesouro IPCA, que ofereceu taxas recordes em junho, encerra a primeira metade do ano com perdas de até 12%. A maior queda, como tem sido por meses seguidos, foi do papel com prazo de 2045, que despencou 12,01% no semestre e 6,63% no mês. Ainda dentro dos títulos atrelados à inflação, o papel mais curto, com vencimento em 2029, acumulou perda de 0,53%. Vale a lembrança que o título chegou a oferecer 6,42% de retorno.
Entre os prefixados, mais quedas. Os papéis com vencimento em 2027 caíram 1,52% e 3,48% no mês e no semestre, respectivamente.
A marcação a mercado pode trazer muita volatilidade ao investimento em Tesouro Direto. Tanto para o lado do bem, ampliando seu retorno potencial, quanto para o lado negativo, abrindo espaço para prejuízos.
No entanto, essa oscilação só atinge os investidores que resgatam os investimentos antes do fim do prazo "combinado" com o governo. Se levar o título até o seu vencimento, o retorno acordado na hora da compra está garantido.
O que esperar dos títulos na próxima metade do ano?
Os analistas projetam um cenário bastante parecido de julho a dezembro. Por aqui, ficam no radar os dados de emprego e inflação. A incerteza fiscal e política devem continuar a pressionar as expectativas do índice de preços, tornando o desempenho do Tesouro ainda mais volátil.
Lá fora, devem ficar no radar a evolução dos dados de emprego e inflação dos Estados Unidos. Ambos podem influenciar a política de juros do BC americano e na continuidade dos cortes de juros pelo Banco Central Europeu (BCE).
Qual papel comprar?
Para os analistas, o Tesouro Prefixado com vencimento em janeiro de 2027 é uma posição estratégica para os investidores, já que tem oferecido uma rentabilidade acima de 11%. “O título cumpre as funções de prover liquidez à carteira, amortecer a volatilidade e continuar a rentabilizar o capital acima da taxa de inflação”, diz o estrategista do Itaú BBA.
No caso do Tesouro IPCA+, pode funcionar também como proteção contra choques inflacionários de médio prazo, além dele se beneficiar em caso de otimismo no cenário local. “O ideal é combinar os dois tipos de modalidade, porque à medida que a inflação projetada pelo mercado sobe, os prefixados passam a ganhar atratividade".
Entre os indexados ao IPCA, a recomendação é investir em títulos com prazo de até cinco anos, que já tem oferecido juros em patamares atrativos. “Os dados de atividade econômica vem apresentando resultados positivos e a inflação está relativamente controlada, o que reforça que o nível de juros reais parece elevado”, diz.