Colunas de Hudson Bessa

Por Hudson Bessa

Professor universitário e especialista em fundos de investimento

São Paulo


O recorte sobre aposentadoria da última pesquisa, a 7ª edição, do Raio-X do Investidor, elaborada pela Anbima, indica que apenas 19% dos entrevistados ainda ativos no mercado de trabalho têm alguma reserva financeira para a aposentadoria. Deste grupo, 58% admitem que ainda não começaram a poupar para a aposentadoria e os outros 23% sequer têm a intenção de fazê-lo.

Quando questionados sobre como financiarão seus gastos, 50% contam principalmente com os recursos vindos do INSS para cobri-los, 17% esperam continuar trabalhando e ganhando salário e outros 17% contam com reservas financeiras, planos de previdência, alugueis e outras formas de poupança feitas ao longo da vida para arcar com a maior parte dos gastos. Os demais não sabem ou esperam que os filhos os ajudem na terceira idade.

Considerando o padrão de pagamento de benefícios do INSS, é cruel o recorte entre expectativa e realidade. Enquanto 59% dos ativos no mercado de trabalho esperam ter o INSS como principal fonte de rendimentos na aposentadoria, a realidade é que ela cumpre este papel para 93% dos aposentados. Aqui um gap de 34% entre expectativa e realidade. Vale ressaltar que independente de classe social, os percentuais variam de 92% a 94% para as classes A/B e D/E, respectivamente.

Os números estão em linha com a edição anterior e guardam relação com os do mercado americano. Por lá, segundo reportagem da Forbes, baseada em dados da National Institute On Retirement Security, a média de recursos poupados para a aposentadoria entre pessoas da Geração X (entre 1965 e 1980) é de US$ 243 mil, mas a mediana é de US$ 40 mil. Mais um traço da concentração de renda que vem se acentuando pelo mundo.

O gap entre realidade e expectativa também é grande entre os americanos, pesquisa feita pela empresa Northwestern Mutual identificou que o número mágico que ronda na cabeça da geração X é algo perto de US$ 1,5 milhão. Quase seis vezes a média de recurso poupados e uma enormidade em relação a mediana.

Embora os números impressionem e preocupem, principalmente para pessoas como eu, da geração X, não se pode alegar que são novos. Muitos de nós temos certa consciência deles e temos acompanhado, com certa aflição, como eles vêm piorando conforme aumentam os custos com planos de saúde e tratamentos médicos.

A verdade é que estamos naquela situação da pessoa que vê um incêndio distante e prefere acreditar que apesar dos ventos ele não chegará até ela. Algo tão distante que de alguma forma irá se dissipar, ou será resolvido antes que chegue até ela. Mas o fogaréu vai se aproximando, então vamos entrando em negação e, “de repente”, ele chegou.

Guardar dinheiro para o futuro, ainda mais quando ele está tão distante, é muito difícil para nós. Assim como dietas e atividade física, são decisões seguidas de renúncia e sacrifício sem nenhuma recompensa imediata ou rápida. No caso da aposentadoria são anos abrindo mão de restaurantes, carros, passeios, viagens, etc. para um dia, “sabe-se lá quando”, poder usufruir o produto de tanta abnegação.

Em um experimento realizado por Uri Gneezy e John List com estudantes do ensino público americano, eles identificaram uma resposta positiva para recompensas de curto prazo. Resumindo a história, foram oferecidos a dois grupos de estudantes US$ 20 caso apresentassem melhoria relevante em testes de proficiência acadêmica, para o primeiro a recompensa era imediata enquanto para o segundo ela seria paga um tempo depois. O resultado é que a performance do primeiro grupo foi significativamente melhor que a do segundo.

Outros tantos estudos sobre contribuição para planos de previdência privada indicam que os contribuintes se tornam mais dispostos a aumentos das contribuições extraordinárias quando submetidos a treinamentos ou palestras assim que recebem o bônus. Quando feitos com alguma antecedência não surtem o mesmo efeito.

Uma das maneiras de tentar evitar este viés de curto prazo é incrementar a educação financeira com uma abordagem prática para a resolução dos dilemas do dia a dia. Uma maneira de ativar o estímulo a consciência.

Mas a tarefa aqui também não é simples a começar do ponto de partida. Segundo a mesma pesquisa publicada na Forbes, apenas 8% dos entrevistados conseguiram acertar a pergunta sobre quanto US$ 100 mil renderia no primeiro ano de aposentadoria se o rendimento fosse de 4% ao ano. Considerando que as médias de proficiência dos americanos nos testes internacionais de aprendizagem, do tipo PISA, são bem maiores que a dos brasileiros é possível estimar que a coisa por aqui não vá muito bem.

A educação financeira talvez seja nossa vacina mais eficaz contra este gap, mas a aplicação dela em larga escala exigirá que governos elaborem e implementem políticas públicas, que envolvam o setor privado, que sejam capazes de preparar as pessoas para tomar decisões difíceis em suas vidas. Que despertem a consciência delas de modo que consigam domar seus desejos de curto prazo em prol do futuro.

Por ora, vale um velho conselho: crie uma meta de poupança que realmente lhe imponha algum sacrifício e poupe todo mês. Faça de conta que este dinheiro não existe, não pense.

Hudson Bessa - Economista e sócio da HB Escola de Negócios
hudson@hbescoladenegocios.com
www.hbescoladenegocios.com

Hudson Bessa — Foto: Arte sobre foto/Divulgação
Hudson Bessa — Foto: Arte sobre foto/Divulgação
Mais recente Próxima Os efeitos do sofrimento duradouro e do 'Dèja vu' nos investimentos
Mais do Valor Investe

Apenas em junho, os contratos futuros das commodities valorizaram até 6,53%

Petróleo sobe até 13,80% no semestre com expectativa de mais demanda

Junho foi o auge de uma trajetória de alta das taxas que começou em abril desse ano; relembre os seis primeiros meses dos papéis

Tesouro Direto: títulos atrelados à inflação são os queridinhos do 1º semestre

'Quem não arrisca, não petisca', já dizia o ditado. Este ano, ativos arriscados como as criptomoedas vêm trazendo retornos invejáveis enquanto o mercado de ações fica para trás

Quais os investimentos com melhores rendimentos no 1° semestre de 2024? Veja destaques

Preocupações em torno da possibilidade do Federal Reserve continuar adiando um corte de juros seguem fortes

Bitcoin volta a cair após dados dos EUA e não sustenta patamar de US$ 61 mil

Após um início de ano bastante otimista, com renovação de recorde histórico e tudo, o principal índice da classe reagiu às novas perspectivas para a taxa básica de juros, a Selic, que deve continuar em dois dígitos por um bom tempo

Índice de fundos imobiliários (IFIX) tem pior desempenho desde outubro de 2023

Tal como no filme 'Divertida Mente 2', o semestre do Ibovespa foi cheio de emoções. Mas o longa-metragem do índice só não entrou para a categoria 'Terror' porque parte das empresas mostrou alguma resiliência na temporada de balanços

Veja as 10 ações do Ibovespa que mais se valorizaram no 1º semestre de 2024

Índice industrial Dow Jones avançou 3,79%, enquanto o das maiores empresas americanas, o S&P 500 cresceu 14,48%. O Nasdaq, que reúne ações de tecnologia, subiu 18,13%

Bolsas de NY avançam até 18% no semestre. Veja as maiores altas e baixas

Saldo do Dia: Longe de alcançar as projeções otimistas do início do ano, bolsa amarga cenário externo difícil e crescimento do temor de risco fiscal. Em dólar, índice brasileiro tem perdas ainda maiores, de 19,5%, contra 6% de alta da carteira de emergentes e avanço de 14,5% do S&P 500

Com alta de junho, Ibovespa cai quase 8% no semestre

Ações de empresas ligadas ao mercado doméstico e sensíveis aos juros dominam o ranking das maiores perdas da carteira do Ibovespa. E não é só neste mês de junho, não. O destaque negativo de 2024 é todo delas. Hora de pular fora ou o pior já passou?

Veja as 10 ações do Ibovespa que mais caíram no 1º semestre de 2024

Formação da taxa de referência para o dólar, que acontece no último dia do mês foi o principal fator para a forte desvalorização do real, mas operadores também citam mau humor com política econômica

Dólar fecha em R$ 5,59 e valoriza 15% no semestre