Desde o último trimestre de 2022 os mercados de risco, notadamente ações e multimercados, têm sofrido com rentabilidades negativas e alta volatilidade.
A teoria de finanças nos ensina que a volatilidade é um pedágio a pagar, um tormento a suportar, em direção ao prêmio de risco, aquele excesso de retorno em relação a taxa básica de juros que, com o passar dos anos, nos fará acumular uma boa quantia. Este é o resultado do efeito dos juros compostos.
Mas o Brasil não é um país fácil para os investidores mais tolerantes ao risco e que se dispõem a alocar parte de suas economias nestes ativos. Para começar nossa taxa básica de juros é muito alta, figurando recorrentemente como das mais elevadas no mundo. Para piorar a história, a volatilidade também é alta. Em comparação com o mercado americano, em geral, nossos investidores precisam suportar sobes e desces bem mais intensos para obter o mesmo retorno. Na prática o investidor brasileiro costuma conviver com mais sustos para ter um desempenho pior que seu congênere americano.
Este recente ciclo de aversão ao risco que vivemos pode ser datado por volta do segundo semestre de 2022, quando a campanha para a eleição presidencial ganhou alguns decibéis, turbinados por vários gastos de viés eleitoreiro tais como vale gás, vale taxista, auxílio brasil anabolizado, etc.
Na sequência, os diversos sinais emitidos, pelo Governo eleito, de que o equilíbrio fiscal não é prioridade, as frequentes ameaças ou ações de intervenção na economia e os embates com o Banco Central em torno da taxa de juros só fizeram deteriorar a confiança na economia e elevar a aversão ao risco. Sem dúvida fatores externos como a elevada taxa de juros americana e tensões geopolíticas contribuem, mas estas afetam todos os países em torno do globo.
Numa janela mais curta, desde o final de 2022, o índice de hedge funds da Anbima (IHFA) vem rodando abaixo do CDI e o Ibovespa, nosso termômetro da bolsa, se comporta como uma montanha russa, oscilando em torno do mesmo CDI, mas acumulando ganhos pífios em relação a ele. Já o IMA-B 5+, índice também produzido pela Anbima, que mede o retorno dos títulos do Tesouro IPCA+ com mais de 5 anos a vencer, se move à semelhança da Ibovespa, mas com retorno significativamente pior que o do CDI.
O resultado deste quadro é que desde janeiro de 2023, os fundos de ações perderam recursos (captação líquida negativa) em 12 dos últimos 16 meses terminados em abril e os multimercados enfrentaram 14 meses de saída de recursos e acumularam perda de mais de R$ 200 bilhões no mesmo período.
Vale notar também que a recuperação dos fluxos de captação líquida da classe renda fixa em 2024 não é uniforme, com o dinheiro fluindo para os fundos mais conservadores, menos afetados pelos movimentos da curva de juros, e saindo das estratégias de prazos mais longos, ou alta “duration”.
Infelizmente não há sinais no horizonte de que os ventos venham a melhorar e os investidores, na falta de esperança, tendem a atribuir um peso ainda maior aos eventos recentes.
O prolongamento deste ciclo de baixa dos ativos de risco com taxas de juros elevadas irá, muito provavelmente, reforçar medos e cristalizar crenças sobre a imprevisibilidade e a iminência de perdas.
Pela ótica das finanças comportamentais, preocupa pelos efeitos de ancoragem e os vieses de aversão a perda e eventos recentes.
Kaneman e Tversky identificaram e descreveram três heurísticas das quais emanam uma série de vieses, são elas: representatividade, disponibilidade e ancoragem. No processo decisório do investidor é comum que ele se utilize de algumas informações, ou valores, a partir dos quais avaliará as consequências de sua decisão.
A partir destes valores, ele vai ajustando suas estimativas na tentativa de atingir a melhor escolha. No caso dos investimentos, este alongamento do ciclo de baixa tende a calcificar a sensação de que o risco não vale à pena. Deixar de capturar a suculenta taxa de juro real e sofrer com as oscilações e perdas dos mercados de risco pode criar uma percepção negativa e consolidar as estimativas em torno de um valor de referência também negativo que se torne um obstáculo, ou postergue, o retorno dos investidores ao risco.
Na mesma toada, os vieses de aversão a perda e de eventos recentes vão se fortalecendo conforme a percepção de que não há recompensa para o risco incorrido. Mês após mês enfrentando perdas vai consolidando uma memória de que não vale à pena “brincar” com o risco.
A terra é redonda, o mundo gira e nós aprendemos e nos adaptamos. Um novo ciclo de mercado robusto, um bull market, com certeza levará a novos enquadramentos de decisão, mais otimistas, mas a persistência do quadro atual tende a tornar os investidores mais céticos e retardar o início de um ciclo positivo. Afinal, os preços só reagirão quando os investidores estiverem convencidos que dias melhores finalmente chegaram e, então, se decidirem a ir às compras.
Hudson Bessa - Economista e sócio da HB Escola de Negócios
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