• Manuela Azenha e Camila Cetrone
Atualizado em
Conheça melhor as propostas de Lula e Bolsonaro (Foto: Getty Images)

Conheça melhor as propostas de Lula e Bolsonaro (Foto: Getty Images)

As mulheres são a maioria do eleitorado brasileiro – mais precisamente 52,65% dele – , e podem decidir os rumos de uma eleição. São, ainda, as principais atingidas pela fome, pelo desemprego e foram as mais impactadas economicamente pela pandemia da covid-19. Ainda assim, as pautas voltadas a elas são pouco abordadas no debate público.

Em seu programa de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) listou políticas para as mulheres realizadas em seu mandato, mas não apresentou propostas para a próxima gestão. O ex-presidente Lula (PT), por sua vez, aborda temas voltados a mulheres em seu programa, sem especificar quais ações pretende implementar. Somente em 20 de outubro, foi publicada no site oficial do candidato uma página dedicada exclusivamente ao eleitorado feminino, com 13 medidas dirigidas às cidadãs brasileiras. Dentre elas, a promessa de recriar o Ministério das Mulheres.

A partir de documentos e sites oficiais divulgados pelas campanhas, debates eleitorais exibidos pelas emissoras Band e Rede Globo e entrevistas concedidas ao Jornal Nacional, Programa do Ratinho e Flow Podcast, Marie Claire reúne abaixo como se posicionam os políticos em temas essenciais para a vida das mulheres. A ordem de menção dos candidatos foi definida pela posição de cada um nas últimas pesquisas eleitorais.

Violência contra a mulher

O índice de feminicídios diminuiu 1,7% de 2020 para 2021, voltando ao patamar pré-pandêmico, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Apesar da queda, os números ainda assustam: nos últimos dois anos, 2.695 mulheres foram mortas pela condição de serem mulheres – 1.354 em 2020 e 1.341 em 2021.

Um levantamento parcial da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos demonstra que, até julho de 2022, mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar foram feitas ao órgão. O número é 34% superior ao de 2021. Foram mais de 7 mil denúncias de estupro no Brasil até maio de 2022, segundo a Ouvidoria, sendo que em 79% dos casos as vítimas eram crianças e adolescentes.

O que propõe Lula:

Lula afirma que o Estado brasileiro deve “assegurar a proteção integral da dignidade humana das mulheres, assim como desenvolver políticas públicas de prevenção contra a violência e para garantir suas vidas”.  O petista diz que irá recuperar o programa “Mulher Viver Sem Violência”, “ampliando as ações e criando uma rede completa de serviços, com recurso previsto em orçamento e políticas públicas de qualidade para todas as mulheres — consolidando e ampliando a implementação das leis Maria da Penha e do Feminicídio”.

O petista promete também a criação, em parceria com estados e municípios, da Rede Casa da Mulher Brasileira, “com delegacia da mulher, Ministério Público, atendimento psicológico e abrigo para mulheres em situação de vulnerabilidade, além de promover a reinserção da mulher no mercado de trabalho”. Propõe ainda “retomar investimento nas ações de combate à violência contra a mulher e ampliação do programa Casa Abrigo para a mulher vítima de violência”.

O que propõe Bolsonaro:

O candidato não cita a criação de novos programas ou ações de enfrentamento à violência contra a mulher, mas promete fortalecer a Casa da Mulher Brasileira ao ampliar e interiorizar o atendimento do programa até 2026. No entanto, do orçamento previsto de R$ 7,7 milhões, as unidades da Casa da Mulher Brasileira e dos Centros de Atendimento às Mulheres não receberam nenhuma verba este ano, segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) encomendado pela GloboNews.

“Os números têm demonstrado que os números de mortes violentas têm diminuído no Brasil. Nesse universo estão as mulheres. Uma política universal que atinge a todo mundo. Ao valorizar as mulheres, você diminui a violência, como a titulação de terras, o auxílio emergencial, dentre outras medidas. A questão do voluntariado também, praticado pela primeira-dama, cada vez mais conversando de fato com as mulheres. Estamos no caminho certo. Não temos que inventar mais políticas. Se aparecerem políticas boas, vamos aceitá-las”, afirmou no debate presidencial da Band, em 28 de agosto.

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Emprego

As mulheres foram as mais afetadas economicamente pela pandemia da Covid-19. Em 2021, a participação feminina no mercado de trabalho caiu 50,6%, segundo dados do Ipea. Com esse percentual, o Brasil regrediu ao índice de empregabilidade de mulheres registrado em 1990. Além disso, a taxa de desemprego para as mulheres é 54% maior do que para os homens, de acordo com o IBGE.

O que propõe Lula:

Lula defende a “construção de um país que caminhe rumo à equidade de direitos, salários iguais para trabalhos iguais em todas as profissões e a promoção das mulheres na ciência, nas artes, na representação política, na gestão pública e no empreendedorismo”.

Diz que irá implantar e ampliar políticas para integrar mulheres ao mercado formal e gerar igualdade salarial, “com proteção trabalhista, incentivo à inserção de mães que queiram retornar ao mercado — e cumprimento e consolidação dos direitos previstos na PEC das trabalhadoras domésticas”. 

O que propõe Bolsonaro:

No plano de governo, o candidato diz priorizar as mulheres no combate à baixa empregabilidade e informalidade e aponta para a necessidade de uma inserção “justa e assertiva” no mercado de trabalho. Também cita a implementação de equidade salarial para homens e mulheres que desempenham a mesma função e “a possibilidade de equilibrar, até mesmo por meio do trabalho híbrido ou home office, a difícil tarefa de cuidar dos filhos e prover sustento”.

Das ações que promete reforçar, são citadas o “Programa Brasil para Elas”, que fomenta o desenvolvimento socioeconômico e o empreendedorismo feminino; o “Programa Qualifica Mulher”, que age na capacitação profissional e no incentivo por meio de linhas de crédito; e o “Programa Emprega Mais Mulheres”, que flexibiliza a jornada de trabalho e estimula a empregabilidade de mulheres.

Renda

A dificuldade para encontrar emprego tornou as mulheres a população mais endividada do Brasil. É o que aponta a Pesquisa CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), feita em setembro deste ano: os dados mostram que 80,9% estão com dívidas; os homens aparecem pouco atrás (78,2%).

O que propõe Lula:

Defende a valorização do salário mínimo e a ampliação da proteção social. Também promete “retomar benefícios com foco em famílias com mulheres e crianças”, nos quais o cartão de quem recebe o benefício será em nome da mulher.

O que propõe Bolsonaro:

No plano de governo, o candidato diz que quer expandir o alcance do Programa SIM Digital, que disponibiliza crédito para microempresários – grupo que é formado 63% por mulheres.

No debate eleitoral realizado pela Rede Globo em 29 de setembro, Bolsonaro afirmou que as mulheres foram as mais beneficiadas com o Auxílio Brasil, que destinou R$600 a 20 milhões de famílias. "Entre essas, 80%, ou seja, 16 milhões, são mulheres que estão à frente recebendo o Auxílio Brasil".

Cuidados

Historicamente, sempre coube às mulheres cuidados com a casa, com a família, o trabalho físico e emocional - de graça e sem direito a folga. Para economistas, acadêmicas e ativistas, desafogar a população feminina dessa sobrecarga é missão do Estado, que precisa inclusive contabilizar esse trabalho no cálculo do PIB. A discussão ganhou contornos ainda mais fortes com o impacto econômico gerado pela pandemia.

O que propõe Lula:

Lula diz que irá criar a Política Integrada de Cuidados, ampliando a rede de serviços como creches, centros de idosos, ensino integral, entre outros, “para distribuir socialmente as tarefas de cuidado”.

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O que propõe Bolsonaro:

No plano de governo, o candidato diz que pretende ampliar programas como o “Mães do Brasil”, que acompanha as mulheres ao longo da maternidade, desde a concepção até os cuidados das crianças. Também promete reforçar a ampliação de vagas em creches no contraturno escolar.

Participação na política

No primeiro turno, 91 mulheres foram eleitas deputadas federais, o que representa 18% da Câmara dos Deputados. O número é um recorde no Brasil, mas ainda é baixo e fica para trás na média mundial. A União Interparlamentar (UIP), que faz o monitoramento em 193 países, aponta que o número médio é de 26,4% – o que coloca o Brasil na 146ª posição no ranking.

O que propõe Lula:

O candidato não traz nada em seu programa, mas participou de um encontro em março em que defendeu a ampliação da participação feminina na política. Disse que os partidos de esquerda precisam se reunir para discutir que tipo de reforma deve ser feita para que as mulheres “ocupem seus devidos lugares na sociedade brasileira”. Em junho voltou a defender o tema: “Precisamos eleger muitos deputados e deputadas. Já que as mulheres são maioria, que entupam o Congresso”.

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O que propõe Bolsonaro:

O texto do plano de governo de Bolsonaro afirma que quer priorizar ações de promoção e capacitação de mulheres para melhorar a representação feminina no parlamento, mas não destaca de que maneira isso será realizado.

Moradia

Sessenta por cento das mulheres vivem em moradias consideradas precárias, de acordo com levantamento realizado pela Fundação João Pinheiro (FIP), o que faz delas as mais impactadas pelo déficit habitacional. A maioria desse percentual é formado por mulheres negras e periféricas.

O que propõe Lula:

O petista afirma que irá criar um programa habitacional focado nas mulheres, principalmente mães solo, mulheres negras e periféricas.

O que propõe Bolsonaro:

O plano de governo do candidato não fala sobre oferta de moradia para mulheres. Prevê a ampliação da oferta de saneamento básico para a população e entrega de poços cisternas com o intuito de, entre diversos efeitos, aumentar a segurança das mulheres.

Saúde e direitos reprodutivos

Criminalizada no Brasil, a realização do aborto tem pena prevista de 1 a 3 anos de prisão. Não há dados precisos sobre a quantidade de procedimentos realizados, já que muitas mulheres recorrem a clínicas clandestinas ou métodos inseguros em casa. A estimativa, no entanto, é de que meio milhão de mulheres abortem no Brasil por ano.

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O Brasil está entre os cinco países do mundo menos favoráveis a legalização total do aborto, segundo estudo do Global Views on Abortion, feito pela Ipsos em 2021. Apenas 31% dos entrevistados brasileiros responderam que "o aborto deve ser permitido sempre que uma mulher assim o desejar" — a média é de 46% entre os 27 países pesquisados


O que propõe Lula:

Lula defende retomar e ampliar a Política de Atendimento à Saúde Integral de todas as mulheres, “combatendo a mortalidade materna e garantindo atendimento de qualidade em todas as fases da vida”.

Em abril, o petista afirmou que o aborto deveria ser tratado como uma “questão de saúde pública”. Apontou as injustiças e a hipocrisia do sistema vigente, no qual mulheres ricas abortam “em clínicas de Paris ou Berlim”, e as pobres “cutucam o útero com agulhas de crochê”. Diante da pressão negativa que surgiu imediatamente após a declaração, Lula veio a público dizer que é pessoalmente contra o aborto.

A declaração mais recente do petista foi dada no Flow Podcast, em 18 de outubro: “Sou contra o aborto, não é bom nem para o pai, nem para a mãe, nem para ninguém. Sou contra pessoalmente, e quem tem que decidir é a lei e não o presidente da República.”.


O que propõe Bolsonaro:

Em seu programa de governo, Bolsonaro não faz menção a políticas de saúde voltadas às mulheres e nem ao tema do aborto. Publicamente, coloca-se contrário à legalização do procedimento no Brasil e, durante seu governo, o acesso ao aborto em casos previstos por lei  - como a interrupção de uma gravidez em decorrência de estupro - foi dificultado.

Bolsonaro comentou sobre o tema após ser questionado em entrevista ao Flow Podcast, exibida em 8 de agosto, sobre a interferência do Estado na liberdade individual de cada cidadão, com foco no direito ao aborto. "A questão não é burocrática. Para você viver em sociedade, você tem que ter leis. Tem gente que acha que é essencial [a legalização do aborto]. A Argentina, por exemplo, aprovou. Na Argentina tem tudo: tem aborto, tem linguagem neutra agora... tem tudo. Eu não sei porquê começaram a fugir da Argentina. Por que será?", respondeu.

Mulheres negras

No primeiro trimestre de 2022, das 48,8 milhões de mulheres negras em idade para trabalhar, apenas metade estava inserida no mercado de trabalho. Um outro agravante é que as mulheres pretas e pardas ganham, em média, menos da metade que os homens brancos e cerca de 60% do rendimento médio das mulheres brancas. Também são elas as principais vítimas de feminicídio no país: 62% são negras, enquanto 37,5% são brancas. Nas demais mortes violentas a discrepância é ainda maior: 70,1% são negras e 28,6% são brancas.

O que propõe Lula:

Lula defende recriar o Ministério da Igualdade Racial, para o “fortalecimento de ações afirmativas”. Sobre as mulheres negras, afirma que “devemos enfrentar a realidade que faz a pobreza ter o ‘rosto das mulheres’, principalmente ‘das negras’, lhes assegurando a autonomia. Investiremos em programas para proteger vítimas, seus filhos e filhas, e assegurar que não haja a impunidade de agressões e feminicídios. Com políticas de saúde integral, vamos fortalecer no SUS as condições para que todas as mulheres tenham acesso à prevenção de doenças e que sejam atendidas segundo as particularidades de cada fase de suas vidas. O programa menciona também o combate à violência policial contra a juventude e mulheres negras.”.

Lula defende ampliar e interiorizar as políticas e serviços públicos para os diversos territórios do país, com atenção para mulheres negras, quilombolas, do campo, da floresta e das águas, mulheres com deficiência e LBTs (Lésbicas, Bissexuais e Trans). O petista diz que irá implementar políticas para garantir o acesso à água e à terra, assim como garantir condições de produzir alimentos saudáveis. Também promete promover a igualdade entre homens e mulheres nas políticas de agricultura familiar.

O que propõe Bolsonaro:

O candidato não traz nenhuma proposta em seu programa de governo que priorize as mulheres negras e também não fez declarações nos materiais analisados pela reportagem. Dentro do plano de governo, Bolsonaro não destaca nenhuma ação ou proposta relacionada ao combate ao racismo ou ao amparo da população negra brasileira em geral. Em 48 páginas, a proposta de governo não cita nenhuma vez as palavras “negro”, “negra”, “racismo”, “afro-brasileiro” ou “racial”.

LGBTQIAP+

O Brasil foi considerado pela quarta vez consecutiva o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo, segundo o Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+.  Dados parciais do Grupo Gay da Bahia Dados, coletados por meio de pesquisa em jornais e portais digitais, o primeiro semestre de 2022 registrou 58 mortes de mulheres trans e travestis, 2 mortes de lésbicas e 3 bissexuais.

As mulheres trans e travestis são as mais assassinadas. Elas foram as vítimas em 135 homicídios em 2021, de acordo com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Além da LGBTfobia, que pode levar à morte, as mulheres LBT também estão expostas a poucas oportunidades de emprego e falta de acesso ao sistema de saúde, educação, integração social e moradia.

O que propõe Lula:

No programa de governo, Lula defende políticas de segurança pública que “contemplarão ações de atenção às vítimas e priorizarão a prevenção, a investigação e o processamento de crimes e violências contra mulheres, juventude negra e população LGBTQIA+”. Afirma também que “não haverá democracia plena no Brasil enquanto brasileiras e brasileiros continuarem a ser agredidos, moral e fisicamente, ou até mesmo mortos por conta de sua orientação sexual. Propomos políticas que garantam os direitos, o combate à discriminação e o respeito à cidadania LGBTQIA+ em suas diferentes formas de manifestação e expressão”.

O petista ainda promete políticas que “garantam o direito à saúde integral desta população, a inclusão e permanência na educação, no mercado de trabalho e que reconheçam o direito das identidades de gênero e suas expressões”.

O que propõe Bolsonaro:

O candidato não traz nenhuma proposta em seu programa de governo que priorize pessoas LGBTQIA+ e também não fez declarações nos materiais analisados pela reportagem. Em 48 páginas, a proposta de governo não cita nenhuma vez palavras e termos relacionados a esta população.

No entanto, o candidato se coloca pessoalmente contrário ao avanço de políticas relacionadas a essa população e é reconhecido por proferir ataques frequentes à comunidade. "Quero um país em que se possa ter a certeza de que seu filho vai para a escola e não vai ser cooptado, ensinado para ele coisas que os pais não querem em casa. A tal da ideologia de gênero. Não queremos que nossos filhos, ao irem para a escola, frequentem o mesmo banheiro”, afirmou Bolsonaro em suas considerações finais no debate exibido no dia 16 de outubro pela Band.