• Redação Marie Claire
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Eleitora do Amapá nas eleições municipais de 2020  (Foto: (Getty Images))

Eleitora do Amapá nas eleições municipais de Santana, em 2020 (Foto: (Getty Images))

A paridade de gênero e raça na política institucional do Brasil ainda está muito longe de ser alcançada – mais precisamente 144 anos, se considerarmos apenas a equidade entre mulheres e homens eleitos para as prefeituras do país. Para atingir a paridade racial no mesmo âmbito, serão necessários 20 anos. O cálculo foi feito pelo estudo “Desigualdade de Gênero e Raça na Política Brasileira”, realizado pelo Instituto Alziras em parceria com a ONG Oxfam Brasil.

O estudo comparou o perfil das candidaturas e pessoas eleitas para o poder Executivo e Legislativo municipais com recorte de gênero e raça entre 2016 e 2020, levando em conta escolaridade, profissão, filiação partidária, distribuição regional e porte de municípios, a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Considerando ainda mudanças recentes como a proibição do financiamento empresarial, a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e a decisão da Justiça Eleitoral de 2020 em aprovar as cotas raciais e a distribuição de ao menos 30% dos recursos públicos e tempo de propaganda eleitoral para campanhas femininas.

Segundo o levantamento, mulheres comandam apenas 12% das prefeituras do país, e somam menos de 14% das candidaturas a esses postos. Nas duas últimas eleições (2016 e 2020), somente duas capitais brasileiras elegeram prefeitas: Boa Vista (RR) em 2016 e Palmas (TO) em 2020. Isso ocorreu apesar de mulheres (todas brancas) terem disputado o segundo turno em cinco capitais no último pleito.

Cinthia Ribeiro em 2020, na posse como prefeita de Palmas (Foto: Arquivo Pessoal)

Cinthia Ribeiro em 2020, na posse como prefeita de Palmas (Foto: Arquivo Pessoal)


Já nas Câmaras de Vereadores, as candidaturas femininas chegam a 35%. O estudo atribui essa porcentagem às cotas que determinam que as legendas preencham ao menos 30% de suas listas com mulheres. Outro dado que revela que as novas regras eleitorais estão em um bom caminho é o fato de que candidatas mulheres foram as mais votadas para o Legislativo municipal em seis das 26 capitais do país, com destaque para Belo Horizonte (MG), que elegeu uma vereadora trans com recorde de votos.

Em termos raciais, pela primeira vez na história, as candidaturas negras foram a maioria (51,5%) para as câmaras municipais e 45,1% entre os eleitos. As candidaturas negras para as prefeituras passaram de 32,5% em 2016 para 35,6% em 2020. Mas desse total, as mulheres negras são apenas 4,8%.

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Mais de 50% da população brasileira é negra, e 25,4% são mulheres negras. No entanto, há no país apenas 6,3% de vereadoras negras. Atualmente, 57% dos municípios do Brasil não têm vereadoras negras e em 18% não há mulheres nas câmaras municipais.

“Empregos mais precarizados e com remuneração inferior, o enclausuramento da vida doméstica que restringe a possibilidade de estabelecer redes de contatos, a sobrecarga do trabalho de cuidados familiares que retira tempo das mulheres são alguns dos obstáculos enfrentados por elas para mobilizar recursos financeiros para participar da disputa eleitoral. No caso das mulheres negras, esse abismo é ainda maior”, diz Michelle Ferreti, diretora do Instituto Alziras.

De 2016 a 2020 houve maior equivalência entre a proporção de mulheres candidatas à prefeita (14%) e a parcela de recursos arrecadados por suas campanhas (18% do total). Em 2016, as mulheres eram 13% das candidatas à prefeita, mas acessaram apenas 12% da receita total. No poder Legislativo, essa distorção se mantém, mas foi reduzida em 2020. As mulheres eram 32,5% das candidatas a vereadoras, com acesso a 21% da receita total em 2016, e passaram a ser 35% dos postulantes ao cargo com 32% da receita total.

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Em 2016, após a proibição de doações empresariais, a arrecadação das campanhas políticas por meio de recursos próprios das candidaturas foi quase o dobro dos recursos partidários. Isso afetou principalmente as candidatas negras, que não têm recursos próprios para financiar suas campanhas.

O quadro se modificou em 2020 por conta das novas regras aprovadas pelo TSE. O fundo público exclusivo para o financiamento das campanhas eleitorais combinado com cotas de gênero e raça reduziu o desequilíbrio de condições entre as candidaturas.

“Apesar do impacto positivo dessas medidas no aumento da representação de mulheres nas eleições, ainda temos muitos desafios para superar a desigualdade de gênero e de raça na política”, afirma Tauá Pires, coordenadora da área de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil.