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Por Redação Glamour


Como ter ficado careca fez com que eu redefinisse meus padrões de beleza (Foto: Getty Images) — Foto: Glamour
Como ter ficado careca fez com que eu redefinisse meus padrões de beleza (Foto: Getty Images) — Foto: Glamour

Para mim, hoje é dia de depilação. Primeiro eu uso um depilador para puxar os pelos mais longos do meu rosto. Depois, me ponho em frente ao espelho e arranco todos os fios pretos que encontro. Por último, se ainda assim sentir necessidade, raspo com gilete alguns pelos perto dos lábios e das bochechas. As cores divertidas e femininas da embalagem dos giletes me garantem que esse produto é feito para mulheres, por mais agressivo que possa parecer raspar o rosto.

Meus pêlos grossos e indisciplinados são um sintoma da síndrome dos ovários policísticos (SOP), um distúrbio metabólico que afeta 1 em cada 10 mulheres entre 15 e 44 anos. Até 70% das pessoas que convivem com SOP sofrem de hirsutismo e de pelos excessivos. Então não estou sozinha nessa rotina de depilação semanal.

Mas esta não é nem a metade da história. Outros sintomas da SOP incluem acne, menstruação irregular, falta de libido e infertilidade. Mas o que mais me incomoda (e me lembra que tenho SOP todos os dias quando me olho no espelho) é a queda de cabelo. É certo que muitas de nós vivemos com excesso de cabelo e que a perda deles é algo rotineiro, graças ao excesso de andrógenos produzidos em nosso corpo. Mais de uma em cada cinco mulheres com SOP (inclusive eu) têm alopécia androgênica, de acordo com um estudo de 2014 - uma maneira elegante de dizer que estamos ficando carecas.

A guerra do meu corpo com a feminilidade

O culpado por trás da minha barba e cabelos ralos é o andrógeno - grupo de hormônios como a testosterona, que são (sem surpresa), muitas vezes classificados como masculinos. Isso é um grande equívoco, já que todos os seres humanos produzem andrógenos, sendo que os homens biológicos produzem mais que as mulheres. Para as mulheres, o excesso de testosterona interrompe o ciclo reprodutivo e pode causar os efeitos de crescimento de pelos.

Meus cabelos começaram a afinar nos meus vinte anos, um problema que muitos homens têm que lidar nessa idade. Duas gestações em três anos fez com que isso piorasse, deixando meu couro cabeludo à mostra. (Fatores hormonais como a gravidez causam perda de cabelos em todas as mulheres, não só as com PCOS.)

Minha autoestima despencou e eu comecei a testar freneticamente vários produtos que pudessem esconder minha queda de cabelo – pós que fazem o cabelo parecer mais grosso, apliques, soluções tópicas que prometem ajudar os fios a se regenerarem... Mas, depois do meu segundo pós-parto, os corretivos não foram suficientes e acabei comprando uma peruca.

Tinham ainda os pelos do queixo. Eu tive alguns brotos quando era mais jovem, mas a gravidez causou um super aumento. Eu queria estar no auge do meu feminino quando grávida, uma ~deusa da criação~. Em vez disso, me sentia como uma bruxa com cabelo quebrado e fibroso na cabeça e bigodes se espalhando pelo rosto.

A síndrome do ovário policístico não é apenas um ataque às definições de beleza feminina - ela também afeta aquilo que a sociedade diz ser um dos elementos mais fundamentais da feminilidade: a fertilidade. Só depois de sete anos e muitos, muitos tratamentos que eu consegui engravidar. Além de tudo isso, a SOP pode ser um grande perigo para a autoestima de uma mulher. Não é de se admirar que as mulheres com SOP relatam taxas mais altas de depressão e ansiedade.

Giletes da marca Billie (Foto: Instagram/Reprodução) — Foto: Glamour
Giletes da marca Billie (Foto: Instagram/Reprodução) — Foto: Glamour

Careca, com barba e, sim, bonita

Desde que fui diagnosticada, 25 anos atrás, tive tempo para lutar contra a dor que a PCOS me trouxe ao me sentir menos feminina. Durante todos esses anos, meu espelho teve responsabilidade dobrada enquanto eu me preocupava com meu cabelo ralo e atacava o exército de pelos pretos se espalhando pelo meu queixo e bochechas. Como eu poderia me reconciliar com as minhas crenças - que cabelos tornam as meninas mais bonitas e a barba não?

No fim das contas, vivo um misto de me importar muito com tudo isso (e fazendo qualquer coisa para fingir que eu não tenho PCOS) e de me desafiar a não me importar.

Nos meus vinte anos, parecia um grande feito eu encarar o mundo com o que eu acreditava serem defeitos físicos. Cada dia, o simples ato de me maquiar e sair para o mundo parecia uma manifestação de bravura. Ao longo dos meus quarenta anos, toda essa coragem construiu uma pele mais resistente - felizmente, hoje em dia a energia que eu tenho para me preocupar com um pelo no queixo está diminuindo.

Atualmente, eu uso uma peruca dentro de casa antes de sair pra rua. Sim, preciso sentir que sou eu mesma antes de “ser eu mesma” em público. Todo domingo, além da minha rotina de arrancar os pelos, lavo meu cabelo. Não os pequenos fios rebeldes que crescem no meu couro cabeludo, mas os ondulados pinks ou o loiro escuro de minhas perucas. Eu juntei ao menos umas doze perucas diferentes nos últimos três anos - uma ruiva escura, a favorita do meu marido, uma de fios ondulados e assimétricos, que me lembram minha mãe, e uma loira descolorida que parece a Dolly Parton nos anos 1970. Quando uso essa última, só penso na essência forte e feminina de Dolly, uma mulher linda, poderosa, que nunca teve filhos, usa peruca e fantasias para se apresentar ao mundo. Nos dias que preciso estar mais forte, minha peruca de Dolly me ajuda a ter forças.

Meu ritual de domingo me ajuda a me sentir mais confiante, mais feminina. Me ajuda e me sentir eu mesma, com PCOS e tudo mais. Mas, nos dias que isso se parece um trabalho muito intenso, ignoro o espelho e coloco um chapéu. E isso é lindo também.

Texto publicado originalmente na Glamour US.

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