Lifestyle
Publicidade

Por Ruth Manus


Um belo dia, nos contaram uma história: homens sentem desejo. Desejos intensos, imperativos, incontornáveis. Homens são quase como bichos, e seus desejos são uma ordem – foi o que nos disseram. Com base nessa história, contada inúmeras vezes, passamos a, de certa forma, acreditar que eles são mesmo movidos por vontades animais, que a racionalidade ou o bom senso simplesmente não podem calar.

Desejo feminino (Foto: Arte Erik França) — Foto: Glamour
Desejo feminino (Foto: Arte Erik França) — Foto: Glamour

Foi essa nefasta lenda urbana que, justamente, legitimou uma série de comportamentos medonhos por parte dos homens: violências sexuais, relações sem consentimento, traições e tantas outras formas de deslealdade. O processo de afirmação de que o desejo masculino não pode ser calado foi exatamente o que consolidou um dos principais mecanismos de violência do machismo e, consequentemente, de opressão da mulher.

Por outro lado, historicamente, a mulher nunca foi vista como criatura movida a desejos e paixões. Mulheres, durante milênios, foram meros acessórios do protagonismo masculino. Ou seja, existiam para servir ao homem, tanto no que diz respeito às demandas cotidianas quanto para saciar os tais incontroláveis desejos masculinos. Vontade de mulher era algo inexistente. A obediência, por sua vez, era a única característica atribuída e esperada delas.

Mas, nas últimas décadas, a coisa começou a mudar. O papel da mulher assim como as supostas necessidades do homem passaram a ser questionados. Spoiler: questionar é só o começo do caminho. Até que haja alguma mudança efetiva, frequentemente, séculos se passam. E muito se engana quem pensa que houve alguma forma de reconhecimento dos desejos da mulher. Esses seguem completamente soterrados, ora tidos como capricho, ora como perversão.

Fevereiro, o Carnaval chega, e o raciocínio ainda é o mesmo: mulheres devem se dar ao respeito, devem pensar na roupa que escolhem, devem zelar pela própria imagem. Resumindo, as mulheres devem reprimir qualquer tipo de desejo, desde a roupa que têm vontade de usar até seus impulsos sexuais. Percebem o que está por trás disso? A obediência de antigamente só foi repaginada. Agora, ela vem chamada de racionalidade, responsabilidade ou qualquer outro termo que siga validando o desejo masculino e ofuscando o feminino.

A realidade é que, até hoje, não se cogita que desejos de homem e de mulher tenham a mesma importância ou a mesma força. E, enquanto nós mulheres acreditarmos nisso, seremos sempre reféns de nós mesmas. Sim, o mundo oprime as nossas vontades (principalmente as sexuais), mas frequentemente nós também oprimimos aquilo que sentimos.

Precisamos acolher as nossas vontades, lidar com elas sem a culpa que nos impõem desde criança. Devemos começar a conversar com nossos parceiros sobre as nossas vontades, sejam elas coisas simples e corriqueiras ou grandes fantasias represadas. Precisamos admitir a nós mesmas que também somos seres sexuais, com necessidades físicas e psicológicas tão relevantes quanto a de qualquer homem.

Além de tudo isso, ainda temos que internalizar que mulheres podem fazer exatamente as mesmas coisas que os homens. Podem ter sexo ocasional, diversos parceiros sexuais, viver experiências novas sem que isso seja interpretado com algum tipo de valoração moral. Protejam-se, claro. Não vacilem com a possibilidade de engravidar de forma indesejada, não se arrisquem a pegar doenças, não mintam para seus parceiros. Mas, acima de tudo, tornem-se livres e íntimas de si mesmas.

O Carnaval está aí, não há oportunidade melhor. Dispa-se dos preconceitos. O mundo nos disse que a esmagadora maioria das nossas vontades é “errada”. Não é. Errado é deixar a vida passar sem viver as coisas que temos vontade de experimentar. Errado é encarar a vontade masculina como necessidade, e a vontade feminina, como capricho. Somos livres para viver o que queremos, e saber respeitar os nossos desejos é algo simplesmente lindo.

@ruthmanus Ruth Manus é escritora, advogada e feminista. Aqui, em Vamos Juntas, vai escrever sobre nossas dores e delícias diretamente de Lisboa, onde cursa doutorado e mora com a família. (Foto: Arquivo Pessoal) — Foto: Glamour
@ruthmanus Ruth Manus é escritora, advogada e feminista. Aqui, em Vamos Juntas, vai escrever sobre nossas dores e delícias diretamente de Lisboa, onde cursa doutorado e mora com a família. (Foto: Arquivo Pessoal) — Foto: Glamour
Mais recente Próxima Previsões de Br000na para fevereiro: mês de muito movimento e Mercúrio retrógrado
Mais de Glamour